No Twitter, grupos eram controlados por pequeno número de influenciadores, permitindo hierarquia mais rígida e agilizando difusão coordenada de informações durante as eleições
Pesquisa realizada no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP joga luz sobre a ação dos influenciadores que difundiram mensagens políticas nas redes sociais durante a campanha presidencial de 2022. A análise matemática das redes feita pelos pesquisadores revela, além da polarização entre direita e esquerda, que os grupos direitistas, mais isolados e muito mais coesos internamente, eram controlados por um número menor de influenciadores. Isso permitia uma hierarquia mais rígida nesses grupos, com poucas pessoas comunicando para um grande número de seguidores, tornando mais rápida a propagação coordenada de informações. O trabalho também mostra que os grupos de esquerda, apesar de maiores em tamanho, tinham uma estrutura hierárquica menos clara, além de estarem mais misturados com outras comunidades on-line. As conclusões do estudo são detalhadas em artigo na revista científica Journal of Physics: Complexity, publicado em 13 de setembro.
Em entrevista ao Jornal da USP, o pesquisador Ruben Interian, do ICMC, autor do trabalho, acredita que as conclusões do estudo podem ser aplicadas para entender os acontecimentos em Brasília em 8 de janeiro deste ano. O julgamento dos acusados de depredar as sedes dos Três Poderes, como parte de uma tentativa de golpe de Estado, começou no último dia 13 de setembro, no Supremo Tribunal Federal (STF). “É necessário esclarecer que, em um estudo dessa natureza, precisamos ter muito cuidado em apontar uma relação causal entre determinadas características da rede de interação em ambiente on-line e ações dessas pessoas no mundo real”, afirma. “Porém, parece claro que uma estrutura hierárquica e centralizada de comunicação facilita, ao menos em parte, ações radicalizadas de grandes grupos de pessoas com alto grau de coesão interna.”
“No futuro, poderíamos usar os resultados do estudo para analisar de maneira contínua as estruturas de comunicação em redes sociais, identificando grupos radicalizados e isolados cujas ações precisam ser acompanhadas com mais detalhe”, sugere o pesquisador. “Outra aplicação possível é a identificação e monitoramento de células terroristas.”
Os dados analisados na pesquisa foram obtidos nas redes sociais (Twitter) durante os 15 dias que antecederam o primeiro turno das eleições presidenciais, realizado em 2 de outubro de 2022, até o dia do segundo turno, em 30 de outubro. “O primeiro objetivo da pesquisa era entender como evoluiu a polarização e radicalização na rede de interação de pessoas através do tempo, durante o período analisado”, explica Interian. “O segundo é comparar como ocorre a propagação de informações, por um lado, nessa rede toda e, por outro lado, dentro de cada uma das comunidades on-line. Queríamos entender quais grupos e quando foram capazes de realizar a propagação coordenada de informações antes e durante as últimas eleições brasileiras.”
Propagação coordenada
A pesquisa descobriu diferenças no grau de isolamento e coesão interna dos grupos dos influenciadores de tendência mais à direita e mais à esquerda no espectro político. “Os grupos de direita estavam muito mais coesos internamente e isolados de outros grupos. E o isolamento de outros grupos é uma das principais, talvez a mais importante característica estrutural de um grupo polarizado”, destaca o pesquisador. “Além disso, os conjuntos dominantes parciais compostos por influenciadores de direita eram bem menores. Isso significa que esses grupos tinham uma estrutura hierárquica mais claramente estabelecida: poucas pessoas comunicando para um grande segmento do grupo.”
De acordo com Interian, os grupos de esquerda eram maiores em tamanho, e a sua estrutura hierárquica era menos clara, isto é, eram grupos mais descentralizados. “Em relação ao isolamento, eles estavam mais integrados ou misturados com outras comunidades on-line. Uma melhor estrutura hierárquica, com poucas pessoas dominando um grande segmento da rede, facilita a propagação coordenada de informações. Mais do que isso, permite propagar informações rapidamente, com uma maior agilidade. Mas os efeitos dessa propagação rápida são amplificados pelo fato de a comunidade de direita estar muito isolada”, salienta. “Imaginem alguém que se comunica com poucas fontes, que agem de forma coordenada, e não tem acesso a informações diversas daquelas predominantes no seu grupo. Facilita muito a ação coordenada pelos influenciadores deste grupo. Nessa situação, o tamanho menor do grupo de tendência mais à direita pode ser visto inclusive como uma vantagem. A ação de um grupo menor pode ser mais fácil de coordenar.”
O pesquisador aponta que para entender o comportamento das redes foi usado o conceito matemático de dominação em grafos, que é estudado desde os anos 1960. “No nosso caso, um conjunto dominante é um grupo relativamente pequeno de pessoas que possui a capacidade de se comunicar com todos os integrantes da sua rede”, descreve. “A existência de conjuntos dominantes é bem improvável em redes reais, pois sempre podem existir alguns usuários que não estão conectados ou que não interagem com frequência com a sua rede social.”
Por essa razão, a pesquisa adotou o conceito de dominação parcial, que é quando os membros do conjunto dominante conseguem alcançar um grande segmento da rede. “Usando a dominação parcial, nós conseguimos avaliar a estrutura hierárquica das comunidades, que permite que os grupos de usuários propaguem informações de forma coordenada em determinados períodos de tempo”, observa Interian. “Ou seja, a dominação foi usada para estudar a propagação de informações nas comunidades digitais com diferente grau de polarização.”
O estudo foi realizado no ICMC e tem como coautor o professor Francisco Rodrigues. Os resultados do estudo foram publicados na revista científica interdisciplinar Journal of Physics: Complexity, em 13 de setembro, no artigo Group polarization, influence, and domination in online interaction networks: a case study of the 2022 Brazilian elections.
Fonte: Jornal da USP