Eles alertam para “efeito contágio” na divulgação de ataques e de contas de agressores; estudo relaciona atos de violência à extremismo de direita
Especialistas ouvidos pelo Grupo de Trabalho (GT) da Câmara dos Deputados sobre Política de Combate à Violência nas Escolas defenderam a regulamentação e a atuação preventiva de plataformas digitais para coibir os ataques.
Representante do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), Michele Prado considera imprescindível a regulamentação e responsabilização das plataformas digitais. Ela defende a adoção, pelas plataformas, de mecanismos mais efetivos para coibir a propagação de conteúdos de ódio e de extremismo, como a identificação e remoção de conteúdos que incitem a violência.
Segundo ela, algumas plataformas apresentam ambientes mais favoráveis para usuários disseminarem extremismo ou terrorismo on-line “sem serem incomodados”, como Telegram e Discord. Ele sugere ainda que o Brasil participe do Fórum Global da Internet para Combater o Terrorismo (Global Internet Forum to Counter Terrorism) e já apresentou indicação nesse sentido ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segundo ela, falta no País lista de grupos terroristas ligados à supremacia branca e ao terrorismo de extrema direita, o que dificulta a moderação das plataformas para derrubar esses conteúdos.
“Porque a plataforma própria não designa uma organização como terrorista ou um grupo como extremista. Ela utiliza listas pré-existentes, principalmente de agências supranacionais ou dos próprios países”, explicou.
“Efeito contágio”
Ela citou ainda estudo coordenado pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara relacionando os ataques às escolas ao extremismo de direita. Segundo o estudo, as motivações para os ataques incluem bullying e situações de exposição. “Existe um perfil já delineado que mostra que são jovens brancos, adolescentes, esses jovens acabam sendo alvo de cooptação de discursos de extrema direita na internet. São discursos, grupos dentro da internet que funcionam dentro dessa dinâmica da violência, de uma perspectiva de mundo de extrema direita, de misoginia, e que propagam essa violência”, afirmou.
Marta Avancini, da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), chamou a atenção para o chamado “efeito contágio” que ocorre com a divulgação dos agressores e dos detalhes dos ataques. Conforme ela, nos últimos 21 anos, foram 22 ataques a escolas no Brasil, cometidos por estudantes e ex-estudantes, resultando nas mortes de 23 alunos, 5 professores e 2 profissionais de educação, além de cinco atiradores que se mataram (dados até abril de 2023). Ela destaca ainda a concentração de ataques nos anos de 2022 e 2023 – metade aconteceu nesses anos.
Atuação preventiva
Coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas do Ministério da Justiça (Ciberlab), que dá apoio às polícias estaduais nas investigações de crimes praticados na internet, Alesandro Barreto ressaltou que o trabalho preventivo é mais importante do que o repressivo, e as plataformas podem melhorar essa atuação preventiva.
“As plataformas têm tecnologia, por exemplo, para identificar quando um usuário cria várias contas usando o mesmo telefone ou o mesmo computador e, ao invés de derrubar uma conta, ela pode derrubar várias”, citou.
Além disso, Barreto avalia que as plataformas e os grupos de mídia não devem dar notoriedade aos criminosos e nem devem divulgar fotos deles, já que muitas pessoas são influenciadas por essa notoriedade, e devem impedir que os usuários repliquem esse tipo de conteúdo. Ele sugere que a legislação obrigue as plataformas a fornecer informações de agressores às polícias sem necessidade de ordem judicial e de forma rápida sempre que houver perigo na vida de crianças e adolescentes. Conforme ele, já houve casos de demora na resposta por parte de plataformas estrangeiras.
A relatora do grupo, deputada Luisa Canziani (PSD-PR), garantiu que seu relatório vai apontar os caminhos legislativos para o combate aos ataques, com responsabilização das plataformas e da mídia na divulgação dos casos.
Não subestimar
Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), Sandro Caron afirma que há duas fontes de informação sobre ataques nas escolas: mensagens que circulam entre os alunos em redes sociais e dados do Ciberlab do Ministério da Justiça. Segundo ele, nenhuma mensagem deve ser subestimada e todas devem ser repassadas para as polícias para serem investigadas.
Representante da organização não governamental SaferNet Brasil, que mantém canal onde é possível denunciar violações de direitos humanos na internet, Gustavo Barreto apresentou dados mostrando o crescimento, entre 2021 e 2022, do número de denúncias de apologia a crimes contra a vida, misoginia, racismo, LGBTfobia, entre outros. Na visão de Barreto, há uma retroalimentação: a violência off-line alimenta a violência on-line e vice-versa.
Segundo ele, já existem leis que podem ser aplicadas para prevenir os ataques, como a Lei 13.185/15, que institui programa de combate ao bullying, e a Lei 14.333/23, que institui a política nacional de educação digital. Para colocar em prática as leis, as escolas podem, por exemplo, promover programa sobre o uso ético e consciente da internet para os alunos, envolvendo as famílias, e criar um protocolo de como agir no caso de violência on-line.
Porém, em sentido contrário a essa recomendação, a pesquisa TIC Educação, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e divulgada nesta semana, mostra que em 2022 os professores tiveram menos treinamento para uso das tecnologias digitais. “Do ano de 2021 para 2022, a porcentagem de professores que relataram ter passado por alguma formação continuada para uso de tecnologias digitais reduziu de 65% para 56% dos profissionais”, apontou.
Fonte: Agência Câmara de Notícias