A descontinuidade de políticas públicas na área é decorrente dos interesses políticos, afirma Mozart Neves Ramos, especialista em educação
O Brasil é o terceiro pior país num ranking de quase 50 nações que tiveram a educação analisada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No relatório Education at a Glance 2023, divulgado recentemente, o Brasil fica à frente apenas de México e África do Sul quando se analisa, por exemplo, o valor de investimento por aluno/ano. O relatório trouxe de volta às manchetes a velha discussão sobre o que o País precisa fazer para melhorar a qualidade da educação. A solução, no entanto, passa por uma definição de políticas públicas baseadas na ciência e não nos interesses de grupos políticos. É o que defende o professor Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados, Polo Ribeirão Preto (IEA-RP).
Segundo Ramos, não há nada de novo nas análises apresentadas pelo relatório. “Apenas reforça tudo o que já se sabe sobre os principais problemas da educação.” Para o especialista, que foi secretário de Educação de Pernambuco, o principal desses problemas está no viés político com que a questão é tratada. “O Brasil precisa acabar com a descontinuidade da política pública, que é muito elevada. Em nosso país muda o governo, muda tudo. Muitas vezes, a gente fica refém das mudanças governamentais das políticas e automaticamente a educação sofre muito com essas descontinuidades.”
Para o especialista, o Brasil demora a implementar mudanças na educação porque quase sempre há um custo político. “Muitas vezes, quem é político stricto sensu não quer arcar com esse custo, e às vezes fica muito refém de questões mais corporativas do que do interesse de uma política robusta, que vai realmente trazer benefícios para o desenvolvimento integral dos nossos estudantes.”
A descontinuidade da política pública foi constatada na prática por Ramos. “Eu recentemente fiz um artigo comparando um outro artigo de opinião que eu tinha feito 13 anos atrás no jornal Correio Braziliense e é impressionante que os problemas de 13 anos atrás sejam praticamente os mesmos e alguns avanços que a gente tinha observado lá atrás, inclusive, regrediram.”
Ciência como base para a educação
O professor defende que as políticas públicas para a educação sejam adotadas com base na ciência e não no interesse político. “É preciso que as lideranças tenham a coragem de fazer as mudanças com uma política robusta e cada vez mais com base nas evidências, nos estudos, nas pesquisas que mostrem à sociedade que aquelas medidas eventualmente são importantes, com base no que a ciência está comprovando. Então, sai mais do campo político e vai mais para o campo técnico, e o empoderamento da sociedade é fundamental para que essa política seja implementada.”
O professor diz que “não se pode ficar refém, às vezes, de corporações que muitas vezes estão olhando para si próprios e não para o interesse maior do País. É fundamental acabar com a cultura do ‘achismo’ e olhar mais a ciência, o uso das evidências das pesquisas e publicizar melhor os seus resultados, até para evitar essa questão da descontinuidade da política pública no campo da educação”.
Velhos problemas
Ramos reconhece que houve aumento do volume de recursos para a educação. “Há um esforço importante, principalmente do ano 2000 para cá, que praticamente triplicou o investimento por aluno/ano na educação básica. Mas, por outro lado, é preciso reconhecer que, quando a gente compara com a média da OCDE, esse esforço precisa ser continuado.” Para se ter uma ideia, o relatório diz que o Brasil investe US$ 3.583 (R$ 17.472,1 na cotação de 15/9) anuais por aluno da educação básica, bem distante da média da OCDE, que é de US$ 10.949 (R$ 53.391,7) e do primeiro colocado no ranking, Luxemburgo, que investe US$ 26.370 (R$ 128.590,7). E faz uma ressalva de que não basta apenas ampliar esse fluxo de investimento. “Ainda há uma ineficiência muito grande na aplicação do dinheiro público em educação. É preciso melhorar de maneira acentuada a gestão desses recursos.”
Outro ponto preocupante apontado pelo relatório se refere à parcela de jovens que não estudam nem trabalham, a chamada geração nem-nem. São quase 13 milhões de jovens de 15 a 29 anos nessa condição, o que representa quase três vezes a população do Uruguai. Essa parcela totaliza 24,4% dos jovens brasileiros e coloca o País na sexta pior posição no relatório da OCDE. “Isso decorre do fato de que é preciso olhar a criança com muita atenção do ponto de vista do seu desempenho escolar, de alfabetizar na idade certa para que ela possa ter o sucesso escolar. Quando a criança não é alfabetizada adequadamente, ela começa a ter um problema de reprovação, do fracasso escolar, e termina ingressando mais adiante nesse grupo dos que nem estudam nem trabalham.”
Outro problema que, na visão do professor, é mais cultural do que de política pública se refere à participação de jovens nos cursos profissionalizantes, que é de apenas 11% no Brasil, três vezes menos do que a média dos países da OCDE, em que 37% de jovens de 15 a 19 anos fazem cursos que preparam para o mercado de trabalho. “Em nosso país, há uma percepção de que os cursos profissionalizantes são de categoria inferior, de baixo valor social, quando comparado aos cursos universitários. O próprio governo brasileiro deve ponderar mais o uso dos diplomas de cursos profissionalizantes em alguns concursos públicos. Isso, no meu entendimento, atrairia um número maior de jovens para os cursos profissionais”, conclui.
Fonte: Jornal da USP