Em audiência pública na Câmara, governo enumerou iniciativas para diminuir barreiras das mulheres na carreira científica
As mulheres já são maioria entre os titulados na pós-graduação no Brasil, além de serem maioria entre estudantes de graduação e bolsistas de mestrado e de doutorado, mas ainda existe disparidade de gênero por áreas de conhecimento e financiamento, além de dificuldade para as mulheres alcançarem o topo da carreira. A avaliação foi feita por especialistas ouvidos em audiência pública conjunta das comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados, na última quinta-feira, dia 24.
Coordenadora-geral de Popularização da Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTCI), Luana Bonone disse que a disparidade de gênero por áreas de conhecimento reflete a divisão sexual tradicional do trabalho. “Nas ciências exatas e da terra, 35% dos bolsistas são mulheres; em engenharias e computação, elas são 33,6% das bolsistas – ou seja, 1/3 apenas, enquanto em outras áreas, como linguística, letras, artes e áreas da saúde, 66% dos bolsistas são mulheres, percentual mais próximo da participação feminina na graduação”, apontou.
Luana Bonone acredita que sejam necessárias políticas públicas interministeriais e do Legislativo, com atenção ainda do Judiciário e da sociedade civil, para garantir equidade nas carreiras científicas e tecnológicas. Entre as iniciativas do governo, citou o Futuras Cientistas, programa do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene), vinculado ao MCTCI, o qual estimula o contato de alunas e professoras da rede pública de ensino com as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. O programa foi criado em 2012, mas passou a ter alcance nacional em 2023, contemplando 470 estudantes no módulo imersão científica e 100 em bancas de estudo (orientação para o Exame Nacional do Ensino Médio). Segundo ela, em média, 70% das participantes do programa são aprovadas no Enem e em torno de 83% escolhe as áreas científicas e tecnológicas.
Luana citou também o Programa Mulheres Inovadoras, iniciativa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) em conjunto com o MCTI, para estimular startups lideradas por mulheres. Por meio do programa, 30 startups serão selecionadas para receber capacitação e premiação em dinheiro. Além disso, o ministério promove o programa Meninas e Mulheres na Ciência, que concede bolsas para pesquisadoras coordenadoras de projetos e estudantes participantes.
Recorte por região e raça
Presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante destacou que as mulheres são maioria entre os professores nas universidades brasileiras apenas nas matérias da saúde e de linguagem, letras e artes – áreas em grande parte associadas ao cuidado. Além disso, ressaltou que muitos estados do Norte e do Nordeste têm índices ainda menores de mulheres professoras, abaixo da média nacional. Nos programas de pós-graduação das universidades, dados de 2021 da plataforma Capes mostram que elas representavam 42% dos pesquisadores. Porém, no doutorado acadêmico (nível mais alto de formação), eram apenas 38%. Já no pós-doutorado, as mulheres representam 54% dos pesquisadores. Apesar disso, Mercedes ressalta que os números não têm rendido mais contratações (por concurso público) para mulheres como professoras das universidades. Ela salientou ainda que, entre as mulheres com bolsas de produtividade do CNPq, apenas 7% eram negras e 1% eram indígenas (dados de 2015).
Mercedes apresentou ainda dados da Capes de 2019, quando mais mulheres do que homens foram tituladas doutoras e elas também tinham mais empregos formais como doutoras do que os homens, e ainda assim tinham remuneração mensal menor. “Isso pode estar associado a dois fatores: a menor participação das mulheres em cargos gerenciais e de liderança e a maior participação das mulheres em áreas e ocupações com menores médias de remuneração”, disse.
A presidente da Capes apresentou algumas questões que, na sua avaliação, devem ser objetos de políticas públicas: “Por que hoje formamos mais mulheres com os níveis mais altos de titulação do País e elas continuam sendo pouco absorvidas nas universidades? Por que as doutoras tituladas geralmente recebem uma menor remuneração do que os homens no emprego formal? E, por fim, como nós podemos democratizar sobretudo as carreiras de tecnologia, ciências exatas e da terra e também promover uma educação global inclusiva que traga mais equidade de gênero?”. Ela disse que é preciso desmistificar a noção de que essas carreiras são mais difíceis e mais apropriadas para os homens.
A reitora da Universidade Federal de Pelotas, Isabela Andrade, que representou a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) na audiência, observou que muitas mulheres não conseguem chegar ao topo da carreira e têm que optar entre carreira e família. “Muitas não aceitam determinados cargos por não se sentirem aptas, capazes ou por falta de suporte familiar”, acrescentou, citando ainda a barreira do assédio sexual. Além de uma mudança cultural, ela citou iniciativas que podem ajudar a alterar esse quadro, como a presença obrigatória de mulheres em bancas examinadoras de concursos públicos para professores, além de critérios compensatórios para pesquisadoras que usufruíram de licença maternidade durante a pós-graduação.
Financiamento menor
Diretora de Cooperação Institucional, Internacional e Inovação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Dalila Oliveira afirmou que, embora as mulheres sejam maioria nas bolsas, os valores totais aprovados por projeto podem chegar a quantias até 60% menores. Segundo ela, as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em geral dominadas por homens, recebem recursos maiores do que as das ciências humanas e sociais.
Dalila informou que ainda este ano o CNPq vai lançar o edital Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação, com investimento de R$ 100 milhões para o período de três anos. Além disso, deverá ser lançado em breve o Atlânticas – Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência, para o desenvolvimento da carreira científica de mais mulheres negras, indígenas, quilombolas e ciganas. Ela citou ainda, entre as iniciativas do conselho, prorrogação de bolsas para mulheres em licença maternidade e a inserção da maternidade no chamado currículo Lattes. “Porque faz diferença”, frisou.
Maternidade e saúde mental
Vice-presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Ana Priscila Alves lembrou que hoje a licença maternidade é de quatro meses e apenas para bolsistas, sendo necessário avançar na licença de seis meses para todas as pós-graduandas. Ela pediu ainda compromisso do Parlamento para a derrubada urgente do decreto (997/93) que proíbe a criação de novas creches nas universidades. E chamou a atenção ainda para dados do Dossiê Florestan Fernandes, documento que traça panorama sobre a condição dos pós-graduandos no Brasil, mostrando que mulheres brancas e negras relatam, entre as dificuldades enfrentadas, problemas emocionais, o que não afeta os homens. Ela considera importante pesquisar o que tem levado ao adoecimento das mulheres na pós-graduação e citou, por exemplo, a necessidade de coibir o assédio sexual dentro da universidade.
O requerimento para realização do debate foi apresentado pela deputada Ana Pimentel (PT-MG). Ela destaca que a redução do número de mulheres à medida que aumenta o grau de formação e as oportunidades na carreira docente ficou conhecida como “efeito tesoura”. “Esse fenômeno de exclusão, de dificuldade de acesso e continuidade na carreira acadêmica e científica se expressa ainda mais quando acrescentamos recortes raciais e de classe, além da maternidade”, resumiu a deputada.
Fonte: Agência Câmara de Notícias