Resolução normativa apresentada pela Proafe foi aprovada nesta terça-feira com 25 votos favoráveis e apenas dois contrários
A sessão ordinária do Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (CUn/UFSC) desta terça-feira, dia 8, resultou em um marco para a história do ensino superior em Santa Catarina. Conselheiros e conselheiras apreciaram e aprovaram a proposta de resolução normativa sobre a política institucional de ações afirmativas de acesso, por meio de concurso, e de permanência qualificada para pessoas que se autodeclaram trans, travestis, transexuais, transgêneros e não binárias, e de enfrentamento da transfobia no âmbito da universidade. A requerente é a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), e a proposta teve parecer favorável da relatora Olga Regina Zigelli Garcia.
Houve posição contrária sobre a necessidade ou não de cotas para acesso de pessoas trans e travestis na UFSC, o que foi rebatido inclusive por graduandas. Mire Chagas, formanda em Serviço Social e representante da Rede Trans UFSC, defendeu contando sua própria história. “Agora em setembro, pela primeira vez na história dessa universidade, teremos duas mulheres trans se formando na mesma colação de grau do mesmo curso: eu e a Mariana Franco, aqui presente. São 63 anos de história para finalmente um evento como esse acontecer. Digo ‘evento’ porque é histórico duas mulheres formadas por um sistema cis-hétero-normativo se formarem nessa casa”.
Mire também apresentou dados:
“O Brasil, pela 14ª vez, lidera o ranking como país que mais assassina brutalmente pessoas trans e travestis no mundo. Pessoas trans e travestis compõem o maior número de pessoas que não têm escolaridade. Compõem o maior número de pessoas expulsas de suas casas na faixa de 12 a 15 anos. Muitas delas sobrevivem da prostituição no Brasil. 27 anos é a expectativa de vida de pessoas trans e travestis nesse país. Essa realidade precisa mudar, deve mudar. Precisamos contribuir para novos horizontes nos espaços de produção de conhecimento”.
Ela ainda questionou: “Quantas pessoas trans existem no cotidiano de vocês?”. Defendendo a aprovação da normativa, Miriam finalizou: “Somente quando uma mulher negra periférica conseguir atingir a emancipação em um país como esse, a gente vai conseguir a emancipação de todas as pessoas”.
Depois da discussão, a proposta foi aprovada com 25 votos favoráveis e apenas dois contrários. A política abrange do ensino básico à pós-graduação, garante reservas de vagas na graduação, na pós e em concursos públicos, bem como acesso prioritário a editais de assistência estudantil. Contempla, ainda, o combate à transfobia, campanhas, programas e ações educativas e adequações de infraestrutura. Apesar de outras universidades brasileiras já terem políticas de acesso a pessoas trans, nenhuma tem a mesma abrangência da política aprovada na UFSC.
A Proafe celebrou o resultado da votação nas redes sociais: “Hoje dia 8 de agosto, mais um dia histórico para a UFSC. O Conselho Universitário aprovou a Resolução de Ações Afirmativas para pessoas trans e de Enfrentamento da Transfobia. A Resolução será divulgada em breve, para que outras instituições se inspirem!”
Cotas para trans e travestis nas universidades brasileiras
Um artigo publicado pela Gênero e Número em abril desse ano mostrou que apenas cinco universidades do Brasil tinham políticas de cotas para pessoas trans e travesti entre 2020 e 2021. Os dados produzidos pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa) também mostram que, no mesmo período, o número de vagas disponíveis para esse grupo caiu de 478, em 2020, para 98, em 2021.
Em janeiro de 2023, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) aprovou a reserva de vagas na pós-graduação por meio de ações afirmativas. A medida inclui em todos os PPGs da universidade vagas para pessoas travestis e transexuais. O mesmo ocorre na Universidade Federal do Paraná (UFPR) desde 2019, também na pós-graduação.
No dia 15 de junho, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) protocolou no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3109/2023, que cria cotas para pessoas trans nas instituições de ensino superior. A parlamentar explica que o pedido é semelhante ao que tem ocorrido em relação à Lei de Cotas Raciais, em vigor desde 2012 e que assegura 50% das vagas para pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escola pública.
Assista à sessão na íntegra:
Stefani Ceolla
Imprensa Apufsc