Instituições públicas de ensino são responsáveis por 95% da produção científica brasileira
Quase todas as coisas que nos rodeiam são resultado do esforço humano de compreensão e criação. De vacinas a tratamentos inovadores em saúde, de carros autônomos a painéis de energia solar, tudo nasceu da necessidade de aprimoramento da vida em sociedade aliada à curiosidade de entender nosso mundo. E quem mais busca por respostas através do desenvolvimento científico no Brasil são as instituições públicas de ensino. Juntas, elas respondem por 95% de toda a produção científica nacional, conforme a Academia Brasileira de Ciências. Em Santa Catarina, as universidades e os institutos públicos conduzem atualmente 4.329 pesquisas em diversas áreas do conhecimento – são 907 grupos em 48 campi. Essas produções nos chegam como respostas à busca por inovação e qualidade de vida em nosso estado e nosso país e fora motivos de celebração no último sábado, dia 8, Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico.
Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisadores se dedicam a temas em diversas áreas, com mais de 600 grupos atuando. São esforços que vão resultar, por exemplo, na identificação precisa do vírus que assolou Florianópolis no último verão, fazendo espalhar um surto de diarreia. Foi em um dos laboratórios da UFSC que se reconheceu a ameaça. Na área de matriz energética, quer seja na produção de hidrogênio verde ou inovando com novas formas de geração de energia limpa, a UFSC trabalha na busca pela solução de um problema global: gerar cada vez mais energia renovável, com reduzido impacto ao meio ambiente. Dessa forma, ampliou a geração de energia elétrica fotovoltaica com sistemas capazes de captar não só a luz que incide diretamente nos painéis, mas também a refletida. O parque fotovoltaico da UFSC já soma 27 usinas, em Florianópolis, Araranguá e Joinville – um conjunto que está a serviço da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico.
O oceano também é um importante laboratório para pesquisa científica. Em somente uma incursão do veleiro ECO, da UFSC, pelo Rio Itajaí-Açu, pesquisadores já puderam constatar a presença de microplásticos poluentes em meio à vida em formação. A mesma embarcação trabalha em diversas iniciativas de pesquisa ao longo da costa brasileira, com contribuição para a comunidade científica internacional. Isso tudo sem esquecer a importância de divulgação e educação científicas, aliada à conscientização ambiental e à cultura marítima.
O investimento em ciência traz também aprimoramentos de nossa relação com os animais. Graças ao esforço de pesquisa com uso medicinal da cannabis, animais de estimação, como a cachorrinha Yara, podem voltar a caminhar e brincar, com uma vida com mais qualidade, sem crises de epilepsia. A pesquisa é desenvolvida pela UFSC, no Campus de Curitibanos.
“A UFSC tem aperfeiçoado sua agenda de pesquisa na conexão com a sociedade, em especial com o sistema produtivo. Isso tem feito com que a nossa pesquisa, cada vez mais, contribua para solução de problemas concretos das comunidades e também para a geração de emprego e aumento da renda. Isso tem ampliado as conexões da Universidade com as principais empresas brasileiras e de Santa Catarina, assim como com organizações da sociedade civil e com organismos governamentais”, comenta Jacques Mick, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFSC.
Redução do consumo de energia e aprimoramento da construção civil
Realizar pesquisa aplicada não é somente tarefa das universidades. Inclusive, é uma das finalidades dos institutos federais segundo a Lei nº 11.892/2008, que criou a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Assim, para cumprir sua função social de formar cidadãos, o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) adota o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Alguns projetos “de sala”, inclusive, acabam gerando patentes para o IFSC. É o caso de um projeto de pesquisa do Câmpus Florianópolis para reduzir o consumo de energia do modo stand by que recebeu, em 2022, uma carta patente de modelo de utilidade. Mais de 40 pedidos de patentes já foram cadastrados pelo IFSC. E ser cientista e pesquisador não significa inventar a roda toda vez – algumas vezes é adaptar soluções, trabalhar em cima dos conhecimentos já construídos.
Um destes exemplos é a pesquisa para aprimorar a técnica e dar visibilidade à taipa de pilão na construção civil, realizada pelo Câmpus São Carlos do IFSC. O sistema construtivo milenar, que consiste basicamente na construção de paredes por meio do apiloamento/compactação de camadas de terra crua em formas de madeira, vem sendo estudado e aprimorado por pesquisadores.
Parceria com empresas gera também formação de profissionais
Outra pesquisa recente desenvolvida no IFSC visando solucionar um problema trazido pela comunidade externa é a criação de um sensor de vibração que identifica falhas em máquinas elétricas por meio de um software de inteligência artificial (IA) aumentando a vida útil dos equipamentos. Esse projeto tem o diferencial de ter sido feito em parceria com uma empresa. Assim como o Polo de Inovação do IFSC, a unidade pode realizar projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação; complementar a formação profissional para estudantes e pesquisadores; prestar serviços tecnológicos e criar protótipos e produtos inovadores; e realizar pesquisa aplicada, desenvolvimento tecnológico, consultoria e assessoria técnica.
Novos alimentos auxiliam tratamento de pacientes crônicos
A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), nos seis campi, tem desenvolvido diversas pesquisas que possuem importantes impactos sociais em diferentes áreas do conhecimento. Um exemplo é a pesquisa desenvolvida no Campus Realeza, no Paraná, na qual as pesquisadoras produziram alimentos para pacientes com doença renal crônica. A pesquisa buscou desenvolver produtos alimentícios que proporcionassem satisfação no momento da alimentação, mas que também atendessem diferentes demandas nutricionais. Essa pesquisa aguarda o resultado da análise do Instituto Nacional de Propriedade Industrial para um pedido de patente.
Em Laranjeiras do Sul, no Paraná, está sendo desenvolvido um projeto de pesquisa sobre a produção de grilos como proteína para alimentação humana e animal. A pesquisa propõe o desenvolvimento de alimentos nutritivos e saborosos elaborados com farinha de grilo e, também, vai estudar todo o processamento dos grilos para garantir proteína de qualidade e custos competitivos em relação aos outros alimentos.
Para realizar a pesquisa, foi instalada uma pequena fazenda de insetos no Laboratório de Entomologia do campus. Os pesquisadores estudam todo o ciclo de vida dos grilos, alimentação, reprodução, sistema de criação em si, além dos custos envolvidos.
Plantas para despoluição de solo contaminado
Outra pesquisa importante, desenvolvida no Campus Erechim, no Rio Grande do Sul, tem revelado o potencial de plantas na despoluição do solo contaminado com os herbicidas diuron e sulfenrazone, incluindo sua mistura comercial. Utilizados no controle de plantas daninhas problemáticas, resistentes ou tolerantes ao glifosato, esses herbicidas podem permanecer no solo por muitos meses, dificultando o cultivo de culturas sucessoras.
A pesquisa utilizou o milheto, a braquiária, a mucuna e o feijão-de-porco antes da semeadura. Como plantas bioindicadoras da despoluição do solo, foram usados o girassol e o sorgo. Algumas espécies retiraram até 100% dos resíduos dos herbicidas no solo, o que resultou em um crescimento maior do girassol e do sorgo.
Para o diretor de pesquisa da UFFS, Eduardo Pavan Korf, na instituição, cada vez mais, têm sido desenvolvidas diversas pesquisas em diferentes áreas do conhecimento, muitas delas trazendo descobertas e respostas inéditas à comunidade científica e ao dia a dia da sociedade. “Muitas dessas pesquisas são oriundas de projetos que receberam fomento da UFFS ou de agências externas e que tornam a Universidade um destaque com reconhecimento nacional e internacional por meio de premiações e publicações científicas e tecnológicas qualificadas e de elevado impacto”, explicou.
Novas tecnologias para cultivo da cebola e recuperação da terra
O Instituto Federal Catarinense (IFC) conta com uma grande variedade de pesquisas em todas as áreas do conhecimento, sempre buscando a integração com as necessidades da sociedade em que seus campi estão inseridos. A instituição também é referência na curricularização da pesquisa, introduzindo a atividade nos programas de curso desde o Ensino Médio e a tornando, assim, acessível a todos os estudantes. Como muitos dos campi do IFC eram, anteriormente, escolas agrícolas, uma boa parte de suas pesquisas são voltadas para o campo e as ciências agrárias, nas áreas da pecuária, da agricultura, da piscicultura e da medicina veterinária, entre outras.
Um projeto interessante nessa área, conduzido pelos profissionais do campus de Rio do Sul, implementa uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) relacionada ao plantio da cebola no município de Lontras, no Alto Vale do Itajaí, região na qual a cultura da hortaliça tem importante impacto no desenvolvimento econômico e social, e em que os solos se encontram degradados pelo histórico de uso. Nesse contexto, o objetivo do projeto é criar novas tecnologias de cultivo da cebola, visando especialmente a conservação do solo — como a avaliação de algumas espécies de plantas de cobertura para a entressafra e o estudo da aplicação de biocarvão para recuperar o solo degradado — e difundir as técnicas entre os produtores locais.
Tratamento preventivo para o gado leiteiro e informação direta a produtores
Outra pesquisa, baseada no campus de Concórdia do IFC, visa promover e aplicar ações e ensino, pesquisa e extensão voltadas ao tratamento veterinário preventivo em arranjos produtivos de produção leiteira no meio oeste catarinense. Por meio do levantamento e da análise dos dados epidemiológicos sobre as cinco principais doenças que acometem o gado leiteiro da região, os pesquisadores e os bolsistas irão elaborar material didático-instrucionais sobre as melhores medidas de prevenção e controle das patologias e, por meio da promoção de “dias de campo”, para fornecer as informações diretamente aos produtores. O estudo prevê ainda a realização de visitas técnicas às propriedades, para orientações posteriores e acompanhamento da evolução dos dados epidemiológicos.
No campus de Luzerna, o IFC conduz uma pesquisa que auxilia na difusão de novos conceitos relativos ao cultivo agrícola. O projeto propõe a criação de equipamentos apropriados para a agricultura sintrópica — um sistema de cultivo baseado no conceito de sintropia (princípio contrário ao de entropia) que busca inspiração na dinâmica natural de ecossistemas sem interferência humana para desenvolver o manejo sustentável.
O sistema — que não faz uso de controladores e fertilizantes químicos e prioriza o plantio das plantas em consórcio, se contrapondo à tendência da monocultura — gera modificações positivas nos ecossistemas e demanda baixo investimento econômico. No entanto, precisa de maquinário específico que trabalhe em sintonia com o processo sintrópico. Diante disso, o projeto visa desenvolver um protótipo de implemento agrícola, tracionado por trator de médio porte, para utilização no plantio e na colheita das culturas, utilizando a metodologia de projetos mecânicos aplicada no curso de Engenharia Mecânica do campus.
Data comemorativa lembra criação da SBPC
O Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico foi criado por meio de duas leis: a de nº 10.221/2001 e a de nº 11.807/2008. O dia 8 de julho foi escolhido por ter sido nessa data, no ano de 1948, a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – uma entidade civil, sem fins políticos ou posições partidárias, que desenvolve atividades para expandir e aperfeiçoar os sistemas nacionais de ciência e tecnologia. O objetivo da celebração do Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico é estimular o gosto dos jovens pela ciência e divulgar os saberes científicos para a sociedade.
Para o professor de História do IFSC, Guilherme Babo Sedlacek, é função das instituições de educação gerar o interesse nos jovens em se tornarem pesquisadores e cientistas. “Temos que gerar esse interesse para cumprir o nosso próprio papel de instituição da educação profissional e tecnológica porque nós não estamos ali só para formar profissionais pro mercado de trabalho, mas sim para formar profissionais pro mundo do trabalho e esse mundo do trabalho envolve produção de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento de competências que eles vão ter necessidade para o ingresso no Ensino Superior”, afirma.
Fonte: Notícias UFSC