Segundo secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Capes está em discussões para desenvolver políticas de financiamento das taxas
Em 2021, Marcelo Menezes Morato foi um dos 11 autores do artigo que estudava um “modelo de controle para otimizar políticas públicas de saúde durante a pandemia de covid-19”, publicado na Scientific Reports, revista de acesso aberto do grupo Nature. Ele é doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, trabalha como pesquisador visitante da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e leciona disciplinas no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Automação e Sistemas (PosAutomação). Diante da relevância do tema em meio ao período pandêmico e do momento de sucessivos cortes de financiamento para a pesquisa brasileira, os cientistas conseguiram isenção da taxa de publicação do periódico. O caso de Morato, entretanto, é uma exceção à regra. A Scientific Reports cobra um valor que alcança R$ 12 mil para cada artigo publicado. Esse número, por sua vez, representa apenas 20% dos quase R$ 60 mil cobrados por outras publicações da Springer Nature.
A Nature não é a única revista internacional a cobrar taxas altas dos pesquisadores. Os periódicos da Elsevier, por exemplo, têm valores que variam entre R$ 760 e R$ 30 mil. Elas representam dois dos grupos mais tradicionais de publicações científicas, configurando entre as mais citadas e procuradas por cientistas ao redor do mundo. Mas os valores são um obstáculo bastante claro. Em termos simples, cientistas não têm recursos para pagar taxas tão altas que, como menciona Morato, cobram “muito mais do que uma bolsa de pesquisa de produtividade de um pesquisador pelo CNPq.”
Essas revistas oferecem modalidades de publicação para os autores. Com nomes sofisticados, que vão do Verde, ao Gold e ao Diamante, elas variam entre não cobrar para publicar artigos, mas deixá-los atrás da barreira do paywall para os leitores, e manter os estudos em acesso aberto, desde que os pesquisadores paguem os valores mencionados.
As revistas internacionais costumam ser procuradas por cientistas por sua relevância no meio. Isso significa que, em algumas áreas, essas publicações são os lugares onde pesquisadores de todo o mundo buscam referências, e, logo, onde os artigos serão lidos. Dessa forma, o único meio viável para continuar publicando e gerando impacto é não optar pelo acesso aberto. “Não tem financiamento possível para pagar as taxas de open acess, são muito caras, então a gente sempre opta pela opção de publicar por subscription. Eu não sei se é o método mais adequado”, reflete Morato.
Segundo Márcia Barbosa, secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) está promovendo discussões para desenhar uma possível política de financiamento dessas taxas de publicação. Ela explica que em abril deste ano houve uma reunião para discutir o acesso aberto motivada pelas negociações propostas pelas editoras.
Ela conta que, recentemente, grupos como a Elsevier e a Springer passaram a oferecer um acordo: o governo paga uma determinada quantia para ter acesso aos materiais fechados e, por um valor extra, ganha uma quantidade de artigos para publicar em acesso aberto.
A assinatura de revistas científicas já é financiada pela Capes desde 2000, quando foi criado o Portal de Periódicos. Ele oferece conteúdo científico a partir de assinaturas com editoras e sociedades internacionais. Assim, as publicações barradas pelo paywall podem ser livremente acessadas por instituições públicas e privadas ligadas à Capes, além de instituições federais de ensino superior e colaboradores que pagam pelo acesso. Essa nova parceria, no entanto, incluiria o direito a algumas publicações em acesso aberto sem cobranças para os pesquisadores.
Esse novo modelo é chamado de read and publish, ou Acordos Transformativos, e já foi adotado por países como a Alemanha e a Colômbia, além de estar em negociações individuais nas universidades estadunidenses. No caso da Alemanha, pesquisas recentes mostraram que o volume de publicações científicas do país aumentou desde que o acordo foi colocado em prática. Em 2023, a Capes chegou a apresentar um questionário para consultar a opinião da comunidade acadêmica sobre a questão.
Márcia classifica esse movimento como um “instrumento de fazer política pública”, e um indicativo de que as editoras estão se preparando para que todo acesso vire aberto, de forma que as taxas seriam inevitáveis. Nesse caso, para a secretária, “estamos enfrentando a possibilidade de uma redução dramática no nível de publicação nacional em revistas internacionais.”
Alguns países têm direito à isenção ou descontos no valor das taxas de publicação. Esse é um direito garantido, no entanto, apenas àqueles considerados de baixa renda. Nações como o Brasil, consideradas de renda média, não têm acesso a essas políticas. “Parece legal dizer ‘agora tudo é aberto, toda publicação científica é aberta’, mas, na verdade, o que eles estão fazendo é pôr um freio nos Brics”, afirma Márcia. Ela explica que os Brics – grupo formado por Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul -, que têm grande publicação mas não contam com verba suficiente para pagar o acesso aberto de todas essas pesquisas, são jogados em uma situação bastante difícil.
Caminhos
Uma possível solução mencionada por Márcia é a criação ou o impulsionamento de revistas científicas internas. É o método adotado pela China. Com o alto custo de publicações internacionais ameaçando barrar o desenvolvimento científico nacional, o governo chinês criou os próprios periódicos, com a ordem de que todos os cientistas locais publiquem nesses espaços. Esse impulsionamento faz com que as revistas chinesas já surjam com parâmetro de impacto alto, explica Márcia, ou seja, o país se sai bem em meio à crise. Dos Brics, Índia e Brasil são os mais afetados. Por isso mesmo, são os dois países que estão dando maiores chances aos Acordos Transformativos.
Da parte dos pesquisadores, alguns caminhos são desenhados para oferecer a democratização da ciência mesmo diante da impossibilidade de publicar em acesso aberto em razão dos custos. Uma delas é o uso de repositórios online, onde os cientistas podem publicar seus artigos no formato preprint, que é uma versão pré-publicação, quase finalizada, de seus estudos. Morato cita o Archives como exemplo. “Acho que é uma saída interessante, porque fica lá pra consulta pública uma versão quase final, muitas vezes com pequenos ajustes que vão ser feitos só para versão final, que é a versão editorada”, comenta.
Morato também é doutor pela Universidade de Grenoble, na França, e conta que a solução dos repositórios é bastante difundida no país. Ele menciona a existência de uma biblioteca digital francesa, em que todas as pesquisas financiadas com verba do governo devem ser disponibilizadas. Essa plataforma foi criada como parte de um plano nacional para a ciência aberta, divulgado em 2018 pela ministra do ensino superior, pesquisa e inovação da França, Frédérique Vidal. O repositório se chama HAL, mantido por uma série de políticas e financiamentos para que pesquisadores depositem seus artigos de forma facilitada e em acesso aberto.
Publicações na UFSC
No Brasil, algumas instituições de pesquisa e universidades federais oferecem espaços para publicações desenvolvidas pelos cientistas. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, o Portal de Periódicos organizado pela Biblioteca Universitária, criado em 2008 por professores do Departamento de Ciência da Informação, hospeda 45 revistas científicas de acesso aberto. Destas, sete estão como histórico institucional, ou seja, não recebem mais submissões, e apenas uma tem taxas de publicação. Esta é a Texto & Contexto Enfermagem, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC, que cobra R$ 350 como Taxa de Avaliação de Conformidade, e R$ 1,6 mil como Taxa de Publicação.
As universidades brasileiras, de forma geral, lideram o ranking de publicações na América do Sul, tanto em quantidade total de publicações, quanto em relação ao acesso aberto. Num ranking do volume de artigos publicados nessa modalidade, a UFSC aparece em 10° até 2022, quando subiu uma posição. A Universidade de São Paulo (USP) lidera.
Caso o dado analisado fosse a proporção de publicações em acesso aberto em relação ao volume total de publicações das universidades, no entanto, a UFSC seria a última colocada das instituições brasileiras que aparecem entre as 15 que mais publicam.
Isso pode ter relação com as áreas de maior incidência na universidade. As que mais se destacam nos números de publicação da UFSC são as de física e engenharia, saúde e biomedicina, e as geociências. Essas estão entre as comentadas por Márcia e Morato como algumas das áreas que mais têm necessidade de publicar internacionalmente em razão dos parâmetros de impacto. E, como também mencionado, as taxas fazem com que dificilmente essas publicações sejam em acesso aberto. “Em física, eu só publico com acesso fechado”, declara Márcia. “Na nossa área, como a gente tem essas opções do subscription, todo mundo opta por elas, o que torna a pesquisa mais fechada”, relata Morato. “Então, por um lado você não paga, só que menos gente tem acesso àquele trabalho de pesquisa, que no fundo foi financiado aqui”, completa.
A secretária do governo federal ainda destacou que áreas como biologia, física e química vão sofrer os maiores impactos caso o acesso aberto se torne obrigatório. “Quem, como na física, publica internacionalmente, não vai publicar. Se me dissessem ‘Márcia tu vai ter que publicar acesso aberto’, eu acho que eu consigo publicar um artigo ao ano, que para a área de física é nada. O pessoal da biologia vai enlouquecer, eles publicam muito mais que isso”, ela destaca. Márcia ainda explica que os pesquisadores teriam que tomar decisões difíceis, sobre as quais órgãos públicos já estão conscientes. “A gente vai ter que publicar menos lá fora, quando é caro, e a gente vai ter que publicar um pouco em revistas aqui dentro que é mais barato”, explica, acrescentando que “em áreas universais, como a física, não faz nenhum sentido publicar em revista brasileira, porque eu preciso que o pessoal lá fora leia.”
Em 2017, Márcia Barbosa foi autora, em conjunto com Cleusa Pavan, do artigo “Financiamento público no Brasil para a publicação de artigos em acesso aberto: alguns apontamentos”. Naquele momento, o acesso aberto era muito pouco discutido no país, e começava a tomar forma mais clara no norte global. Mesmo assim, com 74% dos artigos publicados nessa modalidade, o Brasil era líder no acesso aberto segundo dados do Science-Metrix, empresa que monitora as movimentações nas áreas de ciência e tecnologia. É importante destacar que, como pontuado por Márcia, esses números se referem ao percentual de publicações, já que em relação ao volume de publicações científicas o Brasil ocupava a 13° posição nesse mesmo período.
A plataforma SciELO é a grande responsável por esses dados. Lançada em 1997, ela recebe dinheiro do CNPq e da Fapesp, oferecendo espaço e visibilidade para revistas acadêmicas. Com acesso totalmente aberto e sem custos de publicação, a SciELO se tornou a maior alternativa para pesquisadores brasileiros, impulsionando o volume de publicações em acesso aberto no Brasil.
“A gente entrou adiantado por causa da SciELO e entrou atrasado porque a gente não começou a negociar lá atrás.” A definição de Márcia desenha o quadro do acesso aberto no país. Enquanto países do Norte global já têm em prática políticas de financiamento das taxas de publicação, as discussões da Capes só tomaram relevância nos últimos meses. Ela relaciona isso à falta de pressão sobre o sistema para o desenvolvimento dessas políticas. “Revistas nacionais em acesso aberto, quando cobram, cobram um valor bem pequeno”, justifica. Ou seja, ao mesmo passo em que a SciELO contribuía para nosso número de publicações em acesso aberto, nenhuma política de financiamento para publicações em revistas de impacto surgia. “Então a gente foi crescendo na publicação e não publicava, vamos dizer, notadamente”, resume Márcia.
O Acesso Aberto
O Movimento Acesso Aberto tem um histórico de mais de 50 anos. Apareceu inicialmente através do Projeto Gutenberg. Criado em 1971, trata-se de uma plataforma digital que disponibiliza milhares de livros eletrônicos em domínio público. Eles são digitalizados e arquivados com o objetivo de disseminar obras para o público geral de forma gratuita. Esse pontapé inicial movimentou o surgimento dos debates em torno do acesso ao conhecimento no meio científico.
Ao longo dos anos, iniciativas de revistas em acesso aberto surgiram esporadicamente. A própria SciELO, no Brasil, é um exemplo. Sigla para Scientific Electronic Library Online, ela foi desenvolvida em 1997 com uma parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Centro Latino-americano de Informação em Ciências da Saúde (Bireme).
Conferências, reuniões, manifestações de apoio e declarações seguiram criando espaço para o movimento no período que se seguiu. Foi a partir de 2016, no entanto, que países da União Europeia determinaram a publicação em acesso aberto de todas as pesquisas financiadas com dinheiro público até 2020. Em 2022, os Estados Unidos seguiram o mesmo caminho, com data para 2026. Esse foi o mesmo momento em que as taxas de publicação surgiram. Sem cobrar pela leitura dos estudos publicados, as editoras decidiram partir para a cobrança dos pesquisadores.
Os movimentos recentes, no entanto, indicam o surgimento de novas políticas para esse cenário. No Brasil, como mencionado por Márcia, as discussões e negociações ainda estão no processo inicial, mas a expectativa é de que o país também entre a fundo na questão. Os Acordos Transformativos podem ser o caminho para isso. Vale ainda mencionar que, recentemente, manifestações de repúdio às cobranças têm surgido. A Alemanha, por exemplo, não incluiu a Elsevier em suas negociações de Acordos Transformativos, devido aos valores altos. Ainda na Elsevier, em maio deste ano, todo o grupo editorial da revista, formado por cerca de 40 cientistas, pediu demissão como forma de protesto à política da editora.
Laura Miranda
Imprensa Apufsc