Memória, verdade e justiça: uma política institucional da UFSC

Por Carmen M. O. Müller*

Entre os grandes debates públicos da atualidade está a preocupação com o crescimento da intolerância,  traduzida na apologia à ditadura militar, homenagem a conhecidos torturadores e proliferação de grupos  neonazistas. A UFSC, como universidade pública de referência em um estado que apresenta um dos maiores – se não o maior – contingente de grupos neonazistas do país, vem fazendo sua parte na construção de uma  sociedade mais justa e tolerante.  

Em dezembro de 2014, como parte de um extenso processo de memória, justiça e verdade lançado pelo  governo federal, a UFSC implantou sua Comissão Memoria e Verdade (CMV). Assim como a criação da  Comissão Nacional da Verdade, no formato da Lei 1.2528, que contou a presença de todos os até então ex presidentes da Nova República não foi uma política de governo e sim de Estado, a CMV não se limitou a uma  prática de gestão, mas representa uma política institucional da UFSC. 

A CMV-UFSC foi criada pelo Conselho Universitário com objetivo apurar e identificar atos arbitrários,  violentos e de cerceamento das liberdades individuais e dos direitos humanos que atingiram a comunidade da  UFSC no período de 1º de abril de 1964 a 5 de outubro de 1988. Após extensa pesquisa e coleta de  testemunhos, no dia 14 de maio de 2018, a CMV-UFSC entregou à comunidade o seu Relatório Final de  atividades, que se encontra disponível para consulta em  https://www.memoriaedireitoshumanos.ufsc.br/items/show/641. Com a consciência de que não se constrói  uma democracia plena dando as costas às arbitrariedades e heranças do passado, mas sim refletindo e agindo  sobre o que no presente é reflexo desse passado autoritário, o relatório trazia em seu escopo 12 recomendações: 

1) organização do Relatório Final da Comissão na forma de um livro a ser publicado pela editora da UFSC,  conforme afirmado pelo Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo durante Audiência Pública em 5 de outubro  de 2016; 

2) criação de um Acervo da Memória e dos Direitos Humanos; 

3) realização de um Documentário sobre a UFSC durante a ditadura civil-militar; 

4) criação de um Memorial dos Direitos Humanos na UFSC, em local visível, de fácil acesso; 

5) adoção de uma Resolução pelo Conselho Universitário recomendando a todos os órgãos da UFSC que não  atribuam títulos e homenagens universitárias a pessoas que, reconhecidamente, feriram ou ajudaram a ferir os  Direitos Humanos durante a ditadura civil-militar; 

6) reavaliação pelo Conselho Universitário das homenagens dadas anteriormente, aqueles que praticaram  comprovadamente denunciações e perseguições durante a ditadura civil-militar; 

7) organização de uma Sessão Solene do Conselho Universitário para um ato de desagravo aos estudantes,  professores e servidores que foram lesados e perseguidos durante a ditadura civil-militar; 

8) reabertura pela administração da UFSC de casos e histórias revelados por esse Relatório para que a verdade  dos fatos seja oficialmente reconhecida e que a justiça seja restabelecida; 

9) recuperação e preservação das sedes da UCE e do DCE, palcos da História do Movimento Estudantil em  Florianópolis e símbolos desta, que atualmente se encontram degradados, no caso do DCE, ou parcialmente  desviados de seus propósitos, no caso da UCE; 

10) incentivo à criação de um espaço permanente institucional para atendimento psíquico às vítimas de  violências e violações de Direitos Humanos na UFSC e na Sociedade, desde o período da ditadura civil-militar  até os tempos atuais; 

11) apoio da administração da UFSC na busca e abertura dos acervos documentais dos órgãos de segurança  não acessados ou ainda não depositados no Arquivo Nacional; 

12) encaminhamento do Relatório Final e Documentário às Comissões Memória e Verdade estadual e nacional  e ao Ministério Público Federal com fim de registro, apuração e responsabilização dos responsáveis pelas  violações de direitos humanos, perpetradas no período da ditadura civil-militar.

O relatório final da CMV-UFSC, com essas recomendações, foi apresentado na sessão do Conselho  Universitário no dia 25 de setembro de 2018, em sessão presidida pela Dra. Alacoque Lorenzini Erdmann. O  parecer do processo foi realizado pelo Prof. Dr. Alexandre Verzani Nogueira e foi aprovado por unanimidade,  em sessão na qual estavam presentes membros que ainda hoje fazem parte do CUn. Nessa mesma sessão o foi  aprovada, por unanimidade, a criação de uma comissão composta por membros do Conselho Universitário,  para que as recomendações da CMV-UFSC fossem analisadas e implementadas. Essa comissão – que não é a  Comissão Memoria e Verdade e sim uma Comissão de Avaliação e Implementação das Recomendações – foi  estabelecida na sessão do Conselho Universitário do dia 23 de março de 2023. Responde, portanto, a uma ação que não foi iniciada nessa gestão e constitui o desdobramento previsto de uma política institucional da UFSC  no combate ao autoritarismo e à intolerância. Além disso, trata-se de uma ação que está em alinhamento com  a política do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que anunciou no dia 26 de abril de 2023 a  criação de uma comissão para monitoramento da implementação das recomendações da Comissão Nacional  da Verdade. 

Sabemos que a memória, a verdade e a justiça não se conquistam sem trabalho árduo e sem  compromisso com uma sociedade justa e democrática. É nesse sentido que reafirmamos a importância não  apenas do trabalho já efetuado CMV-UFSC, mas também da Comissão de Avaliação e Implementação das  Recomendações da CMV-UFSC, que visa tornar mais do que palavras as ações necessárias para que a UFSC  seja uma universidade cada vez mais aberta às diferenças, ao respeito mútuo e à convivência democrática. 

*Professora dodo CCA/UFSC, representante docente do CCA no CUn e membro da Comissão de Avaliação e Implementação das Recomendações da CMV-UFSC