*Por Fábio Lopes
Tenho sido um crítico duro da conduta do reitor e de sua gestão. Mas nem sempre foi assim. De saída – nos primeiros meses que se seguiram à sua posse –, procurei ser sóbrio e solidário, recorrendo invariavelmente aos canais institucionais a propósito de tentar corrigir o que me pareciam ser erros de rota. Se posteriormente adotei uma atitude mais combativa e estridente, foi só depois de ser olimpicamente ignorado em minhas manifestações iniciais.
A rigor, na qualidade de diretor de unidade e representante de cerca de 5 mil pessoas diretamente
ligadas ao CCE, me senti sempre profundamente desrespeitado pela Reitoria. Que outro nome senão desrespeito pode-se dar ao fato de que um dos blocos do nosso Centro – um edifício de sete andares – ficou 50 dias sem água porque, segundo o próprio reitor, faltavam um servente de pedreiro e cimento para erguer um prosaico suporte de tijolos de um metro e meio de altura para as motobombas que abastecem o sistema hidráulico do prédio? Que outro nome senão desrespeito pode-se dar ao fato de que, depois de meus seguidos alertas de que a falta de manutenção predial acabaria por provocar um acidente grave na UFSC, uma luminária caiu no colo de uma estudante no CCE, causando danos às suas vértebras e a afastando de suas rotinas por dois meses? Que outro nome senão desrespeito pode-se dar ao fato de que, cinco dias antes da ocorrência, ouvi da vice-reitora que meus apelos por manutenção eram infundados, que não havia crise de infraestrutura da UFSC, que crise eram as mulheres pretas estupradas e que eu só estava difundindo a política do medo na instituição? Que outro nome senão desrespeito pode-se dar ao fato de que, entre os bem remunerados membros do staff da Reitoria, não houve uma só pessoa disponível para me fazer companhia na visita que fiz à moça acidentada na noite em que ela esperava atendimento no HU? Que outro nome senão desrespeito pode-se dar ao fato de que, em outra ocasião, tive que lidar sozinho com uma tentativa de suicídio no CCE, e isso porque, em pleno horário de expediente, a assistente social responsável pelo caso já havia ido para casa e aparentemente não se sentiu obrigada por seus superiores a retornar ao local de trabalho para lidar com a emergência? Haveria vários outros exemplos semelhantes a relatar, mas fico por aqui, a fim de não abusar da paciência do leitor.
Sigo julgando esta gestão lastimável. Por ora, considero-a muito inferior à do Prof. Ubaldo, que foi tantas vezes arrogantemente ridicularizada, atacada e vilipendiada pelos que hoje dirigem a UFSC. A universidade atualmente respira precariamente sob os escombros da exuberante incapacidade executiva do gabinete e ao sabor de grupos de pressão e corporações que sequestram todas as energias da Reitoria, cobrando sem parar a conta pelos votos que garantiram ao Prof. Irineu a sua eleição.
Mas meu objetivo aqui não é escrever mais um libelo contra a Administração Central. Tal exercício já se revelou perfeitamente inútil. Em lugar disso, quero interpelar o Conselho Universitário, que deveria tentar compensar as deficiências da gestão, mas tem sido de uma omissão a toda prova.
A UFSC passa por um momento pavoroso. Só que quem olha a pauta das reuniões do CUn ou as acompanha pela internet fica com a impressão de que a paz e a normalidade reinam plenamente na instituição. Nenhuma palavra sobre a crise de infraestrutura, que não apenas produz desconfortos ou viola direitos trabalhistas elementares mas sobretudo ameaça a integridade física de quem circula pelos campi. Nenhuma palavra sobre os índices crescentes de evasão escolar e sobre a queda no número de entradas de novos alunos, fenômenos que põem em risco a existência mesma de vários cursos de graduação e pós-graduação (a propósito, o setor de comunicação da UFSC, em papel deplorável, recentemente noticiou – como se de virtude se tratasse – que a UFSC estava “divulgando” 6,1 mil dessas vagas ociosas decorrentes de evasão e entradas insuficientes). Nenhuma palavra sobre o fato de que a maior parte dos professores hoje mal frequenta os ambientes da universidade, só comparecendo à Casa pelo tempo suficiente de dar suas aulas e retornar imediatamente ao chamado recesso do lar.
Nenhuma palavra sobre as altamente problemáticas portarias que instituem o teletrabalho e a flexibilização da jornada, cujos efeitos sobre as rotinas e a imagem pública da universidade podem ser a pá de cal em uma instituição já combalida e esvaziada. Nenhuma palavra sobre uma série de decisões temerárias monocraticamente tomadas pelo reitor, como a de manter por nove meses como representantes dos TAEs no CUn uma pró-reitora e uma diretora de setor nomeadas pela gestão, em um escandaloso caso de dupla representação e de super-representação da Reitoria naquele Colegiado.
Nenhuma palavra sobre nada disso, nem sobre inúmeras outras facetas do drama atualmente experimentado pela comunidade universitária.
No momento, há uma Comissão da Verdade e Memória em ação na UFSC. Ao que parece, ela indicará que, por supostas ligações com a ditadura, o campus Trindade não deveria mais levar o nome do Prof. João David Ferreira Lima, fundador da universidade (o curioso é que, em seu esforço de acender velas a Deus e ao Diabo, o mesmo reitor que aplaude essa comissão acaba de receber a Comenda Prof. João David Ferreira Lima da Câmara Municipal de Florianópolis).
Eu teria muitas coisas a dizer sobre isso, a começar pelo fato de que, em procedimento que evidentemente agride a ciência, só há um historiador na referida Comissão, como se um trabalho tão delicado quanto a interpretação de documentos e depoimentos pudesse ser entregue a amadores e não devesse ser regulado por rígidas metodologias e abordagens epistemologicamente autorizadas. Mas o que realmente me preocupa é outra Comissão da Verdade e Memória: aquela que, daqui a algumas décadas, talvez se forme para avaliar como se comportou o Conselho Universitário nos primeiros anos da década de 2020, quando a UFSC experimentava uma das piores crises de sua história. Temo que uma contundente condenação nos aguarde.
Fábio Lopes da Silva é diretor do CCE/UFSC