Esvaziamento de turmas já é percebido nos cursos de licenciatura da UFSC
A reforma do Novo Ensino Médio tem sido amplamente discutida para além das escolas, nas universidades. A mudança na grade curricular e criação de novas disciplinas têm impacto direto nos cursos de licenciatura, já que exclui algumas áreas de conhecimento antes contempladas e aumenta as exigências impostas aos professores e professoras. O debate entre especialistas, docentes e estudantes chama atenção para a importância de repensar ou até revogar o modelo. No mês de maio, a Apufsc-Sindical realizou uma conversa pública sobre o tema.
Quando a Medida Provisória n° 746 foi instituída em 2016 com a proposta da reestruturação do Ensino Médio, uma onda de protestos, greves e ocupações tomou o país. Sete anos depois, com a implementação definitiva, as insatisfações só aumentaram. Nas universidades, os colegiados de cursos de licenciatura se preocupam com a baixa na procura por formações de áreas que estão sendo afetadas pelo Novo Ensino Médio e com a possibilidade de uma reforma curricular para atender as novas demandas da reforma.
O professor e coordenador de Educação Básica da Pró-Reitoria de Graduação e Educação Básica (Prograd) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) George França, já prefere dizer “anti-reforma”. Ele leciona as disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Colégio de Aplicação (CA) da UFSC, que optou por não incorporar até o momento a grade curricular do Novo Ensino Médio devido aos “potenciais efeitos nocivos” deste modelo. Entre esses, França enfatiza a precarização no trabalho. Ele explica que isso acontece devido à nova necessidade de assumir muitas disciplinas, algumas fora da área de formação, e pelas condições materiais gerais dadas para os professores.
O professor França se formou em 2006 no curso de licenciatura em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas e pensa que a formação que teve na faculdade não é “nem um pouco adaptada” às exigências do Novo Ensino Médio. Ele observa que se tem exigido dos professores que atuem com conhecimentos que “fogem completamente” da área de formação que eles têm.
Na academia, os docentes temem que essa precarização resulte em uma baixa ainda maior na procura pelos cursos de licenciatura. Segundo pesquisa do Instituto Semesp, na última década a porcentagem de participação de ingressantes com até 29 anos teve uma queda de 9,8 pontos, passando de 62,8%, em 2010, para 53%, em 2020. O professor Alaim Souza dá aula para os cursos de licenciatura da UFSC e diz que observa um esvaziamento nas turmas. “Vai desde a baixa procura no vestibular, mas está nas salas de aula também, na desistência da formação”. Souza, que também é líder do Grupo de Pesquisa Observatório de Práticas Curriculares (OPC/UFSC), prevê que as consequências implicarão ainda na precarização da formação e desvalorização do profissional.
A preocupação não é só de docentes: a reforma e seus impactos também é tópico de debate entre os discentes, segundo o estudante de licenciatura em Química Leonardo Kamers. O currículo dos cursos de licenciatura da UFSC não foi reformulado para adaptar-se ao Novo Ensino Médio, mas o tema é abordado frequentemente nas aulas, segundo Kamers. “Acredito que não seria de se jogar fora uma mudança de currículo para nos preparar para o que está por vir nesse Novo Ensino Médio”, diz.
A mudança na grade curricular do ensino médio também resultou em alterações no conteúdo programático, além do surgimento de novas disciplinas que pedem a criação de planos de ensino. Essas demandas são exigidas dos professores, que de acordo com o professor Souza, não têm a formação adequada para atendê-las. “O maior impacto dessa reforma para os cursos de licenciatura é a necessidade de repensar o perfil do egresso e de que modo ele atende o mundo do trabalho. A formação atual que fornecemos não atende as demandas do Novo Ensino Médio”, acredita.
Sobre o Novo Ensino Médio
A Lei 13.415/2017, que reformulou a estrutura do ensino médio, foi sancionada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2017. A medida tem o objetivo de estimular maior interesse dos jovens em acessar a escola, a fim de contribuir para a permanência e melhores resultados da aprendizagem. Este novo modelo passou a ser implementado em todas as escolas de Ensino Médio no ano letivo de 2022. Entre as principais mudanças da reforma estão os novos itinerários formativos, as áreas de conhecimento aprofundado de escolha do aluno, e o aumento na carga horária, que passou de 800 horas anuais para 1 mil.
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Lia Capella
Imprensa Apufsc