Novo “Ensino” Médio: revogar a Portaria 521 é incontornável e urgente

*Por Camilo Buss Araujo e André Vagner Perón de Moraes

Está em pauta o debate sobre a revogação ou reforma do Novo Ensino Médio (NEM). Pesquisadores em educação, renomados e vinculados às mais conceituadas universidades públicas brasileiras, querem a primeira opção. Já especialistas em educação, muitos dos quais vinculados às fundações educacionais privadas e até formuladores da atual proposta, defendem a segunda.

O ministro da Educação, Camilo Santana, posicionou-se pela reforma, mas sua posição pode mudar diante da pressão feita não apenas pelos pesquisadores que analisam os efeitos da implementação do NEM mas também pelos professores e estudantes que sentem suas agruras.

O fato objetivo é que a implementação do NEM é um retumbante fracasso na esmagadora maioria das escolas públicas do país. Outro fato objetivo é que os grupos políticos e fundações educacionais que defendem que bastaria “reformar” são aqueles que patrocinaram as mudanças e estruturaram acordos com secretarias estaduais de educação para implementá-las. Por fim, ficou claro que não bastaram os “cursos de formação” e as “assessorias” feitas para a implementação do NEM

Em seu cenário atual, o Ensino Médio da rede pública tornou-se uma colcha de retalhos, visto que substituiu 13 disciplinas obrigatórias por apenas 3 (Língua Portuguesa, Matemática e Língua Estrangeira-Inglês) e implementou cerca de outras 1.526 disciplinas em todo o país, conforme reportagem do jornal Folha de São Paulohttps://www1.folha.uol.com.br/educacao/2023/03/escolas-estaduais-ofertam-ao-menos-1526-disciplinas-no-novo-ensino-medio.shtml.² Ou seja, há 27 estados com 27 ensinos médios diferentes. Inviável tanto para uma formação nas diferentes áreas da ciência quanto para promover o acesso ao ensino superior, como prevê o Enem.

Sobre a defesa de reformar: como e quem estará no comando de uma eventual reforma? Os mesmos institutos e fundações que planejaram e produziram o atual estado das coisas? Por outro lado, revogar e retornar ao modelo anterior, criticado por especialistas seria a direção a ser seguida para a educação no Ensino Médio? A resposta é complexa. No entanto, há uma questão mais simples, incontornável
e que precisa estar na pauta das mobilizações, visto que é uma vitória de curto prazo. É necessário revogar a Portaria Nº 521 do Ministério da Educação de 13 de julho de 2021.

O referido documento, assinado pelo ex-ministro Milton Ribeiro, estabelece o cronograma de implementação do Novo Ensino Médio. Camilo Santana, atual ministro, emitiu portaria suspendendo a implementação do cronograma. Todavia, é preciso revogá-lo.

De acordo com a portaria 521, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024 será com base no currículo do NEM. Como fazer um exame nacional que irá selecionar alunos para as principais universidades públicas do país estruturado em um currículo frouxo, que relegou a estudantes de escolas públicas disciplinas como “RPG”, “Brigadeiro caseiro” e “O que rola por aí”? Afinal, a execução de um exame pautado nesse currículo heterogêneo, para dizer o mínimo, concretizará as atuais mudanças
curriculares e consolidará as profundas desigualdades entre escolas públicas e privadas no país.

Os dados objetivos tornam tarefa hercúlea a defesa da tese de que basta “reformar” o NEM. A rede federal de ensino, com seus colégios de aplicação e institutos federais, podem e devem ser protagonistas de uma pauta propositiva para contribuir nessa (re)ordenação da escola pública. No entanto, as potencialidades dessas instituições, seus problemas e desafios internos merecem um espaço mais amplo de análise. Contudo, não dá para deixar de reconhecer que essa é uma disputa não apenas pedagógica, mas também política.

Assim, a revogação da portaria 521 é incontornável. O Enem de 2024 não pode ser pautado em uma experiência que claramente fracassou nas escolas públicas. Não por culpa de seus docentes, sobrecarregados, mal remunerados e obrigados a lecionar disciplinas completamente distintas de sua formação e sem lastro científico. Talvez, os patrocinadores do NEM tenham como projeto justamente o fracasso das escolas públicas. Talvez. Mas o atual governo, eleito com outro projeto, pauta a sua defesa e a sua valorização. Portanto, é preciso sustar o calendário de implementação e impedir que o Enem de 2024 seja baseado no NEM. A revogação da Portaria MEC nº 521 é incontornável, politicamente palpável e urgente!

¹O professor Fernando Cássio da UFABC fez estudo detalhado sobre as relações entre as secretarias
estaduais de educação e as fundações educacionais para implementação do NEM. Ver: CÁSSIO,
Fernando. Fiadores bilionários do “Novo” Ensino Médio procuram velhos culpados. Carta Capital. 3 abr.2023. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/o-bate-cabeca-dos-fiadores-bilionarios-do-novo-ensino-medio/. Acesso em 22 de abril de 2023.

²PALHARES, Isabela. Escolas estaduais ofertam ao menos 1.526 disciplinas no novo ensino médio.
Folha de São Paulo. 23 mar. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2023/03/escolas-estaduais-ofertam-ao-menos-1526-disciplinas-
no-novo-ensino-medio.shtml
. Acesso em 22 de abril de 2023.

Camilo Buss Araujo é professor de História e Estudos Latino Americanos do Colégio de Aplicação CED/UFSC
André Vagner Perón de Moraes é professor de Geografia do Colégio de Aplicação CED/UFSC