Já em 2017, CA optou por não aderir ao NEM, mas durante a pandemia o MEC estipulou prazos para as escolas concluírem a mudança; Com a suspensão do modelo, o CA aguarda decisão do governo
Aprovada em 2017 pelo governo Michel Temer (MDB), a Lei 13.415, que institui as regras do Novo Ensino Médio (NEM) é alvo de críticas desde a promulgação. Ao expandir a carga horária das aulas para incluir os Itinerários Formativos, o modelo tentava ampliar o poder de escolha do aluno e melhorar os índices de ensino. Na prática, a proposta tem apresentado problemas, fato que fez o Ministério da Educação (MEC) suspender os prazos de implementação do NEM, que previam a mudança completa até 2024. O Colégio de Aplicação (CA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) aguarda deliberação da pasta para decidir sobre o novo currículo, que ainda está em fase de discussão. Mas em nota, pede pela revogação do modelo.
No momento em que a lei da reforma foi publicada, o CA da UFSC já havia sinalizado que não iria aderir ao NEM. De acordo com o coordenador de pesquisa e extensão da instituição, Victor Conceição, o posicionamento foi tomado após um encontro com outros Colégios de Aplicação em Viçosa (MG). Durante o período de isolamento decorrente da pandemia, o MEC estipulou prazos paras as escolas concluírem a mudança. Assim, o CA precisou criar uma comissão para debater o novo currículo.
“Nós encaminhamos uma ideia de proposta inicial de não atender aquilo que estava sendo solicitado pelo Novo Ensino Médio e decidimos então construir uma que dê conta do que é pensado na legislação e que tenha uma identidade do Colégio de Aplicação”, lembra Conceição, que também é presidente da comissão. Por conta da autonomia institucional, o CA não precisa necessariamente seguir os Itinerários Formativos elaborados por Santa Catarina, diferente das outras redes de ensino do estado. Segundo o coordenador, a ideia no novo currículo é adaptar alguns dos projetos de extensão que já são oferecidos aos alunos.
Em reunião na última semana, a comissão de currículo do CA elaborou uma nota na qual fundamenta o pedido de revogação do NEM ao governo federal. O texto destaca que a Reforma aprovada em 2017 não levou em consideração os posicionamentos emitidos pelos profissionais da educação. Aponta que a redução de aulas das disciplinas tradicionais sugerem formalizar uma educação tecnicista e com enfoque único de alimentar o mercado de trabalho. E finaliza enfatizando a desvalorização e descaso com a formação do trabalhador da educação.
As mudanças
O currículo atual do Colégio de Aplicação da UFSC conta com cerca de 2.700 horas de aula, durante os três anos de ensino médio. Com a nova lei, o teto para as disciplinas tradicionais, que compõem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), passa a ser de 1.800 horas. “É uma mudança que reduz a carga horária de conteúdos do estudante. A gente entende que isso vai precarizar o aprendizado, o trabalho do professor, da escola de forma geral, inclusive dos servidores técnicos”, pontua Conceição.
Para o professor de História e Estudos Latinos do CA, Camilo Araújo, a prerrogativa de melhorar a educação com o NEM não está alinhada com as decisões tomadas pelo governo federal na época. Ele defende que aumentar a grade curricular para abrigar os Itinerários, mas congelar os investimentos públicos por 20 anos, com o teto de gastos, “não parecem ser medidas que combinam, no ponto de vista de oferecer uma melhora na educação pública para o cidadão”.
Além disso, ele destaca que “a ideia de ter uma Base Nacional Comum Curricular que oriente os conteúdos foi completamente perdida” com o NEM. E como cada estado deve elaborar suas diretrizes, “hoje há 27 estados, com 27 currículos completamente diferentes”. Para Araújo, o modelo quebrou completamente qualquer lógica de currículo que se tinha no Brasil.
O docente cita um dado levantado pelo jornal Folha de S. Paulo que aponta que há ao menos 1.526 disciplinas sendo oferecidas nas redes estaduais de ensino. “Na prática, o que aconteceu, diante da precarização dos investimentos em educação, é que o currículo do ensino médio se transformou em uma grande diversidade de coisas que não têm absolutamente nenhuma conexão com as disciplinas científicas oferecidas nos cursos de licenciatura.”
O presidente da comissão de currículo do CA da UFSC enfatiza que o posicionamento contrário ao Novo Ensino Médio não é político, mas pedagógico. Além disso, a diretora de Ensino, Marina Soligo, acrescenta que o Colégio já sofre com um déficit no quadro de professores e que a implementação de qualquer novo modelo acirraria ainda mais essa falta. “A gente já tem um sério problema em relação à contratação de professor no caso de adoecimento, afastamento por qualquer motivo que seja. Nesse percurso [Novo Ensino Médio] vai ser a mesma coisa, só que amplificado, porque vamos ter que ampliar a oferta de coisas, sem a garantia dos profissionais para ministrar isso.”
O Novo Ensino Médio em Santa Catarina
Com o Novo Ensino Médio, a carga horária anual mínima das escolas do país passa de 800h para 1000h anuais, aumentando para 5h o tempo de permanência diária dos estudantes. Dentro das horas destinadas à formação geral básica apenas as disciplinas de português, matemática e língua estrangeira são obrigatórias nos três anos de ensino. Práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia também precisam estar presentes na formação dos educandos, mas cada estado decide a distribuição delas dentro da grade curricular. Com a reforma, as disciplinas agora fazem parte das áreas de conhecimento, assim como é no Enem.
No currículo elaborado por Santa Catarina, o governo decidiu manter as disciplinas tradicionais durante todo o ensino médio. No entanto, a partir da 2ª série, exceto as três obrigatórias, elas têm apenas um crédito na semana. As horas restantes da grade são dedicadas aos Itinerários Formativos, que abrigam o projeto de vida, segunda língua estrangeira, componentes curriculares eletivos e a trilha de aprofundamento, os dois últimos de acordo com a área de conhecimento escolhida pelo aluno.
O estado catarinense disponibiliza 25 trilhas e 25 componentes curriculares eletivos. É a partir dessas opções que as escolas decidem quais e quantas vão oferecer. Segundo as diretrizes elaboradas por SC, cada semestre o aluno pode selecionar uma nova trilha e componente eletivo. Se a instituição optar por uma matriz curricular com mais horas para o Itinerário Formativo, o estudante poderá cursar mais do que um componente eletivo ao mesmo tempo.
Confira a tabela de comparação da grade curricular do NEM em Santa Catarina com a do Colégio Aplicação, ainda sem alterações:
Apufsc realiza conversa pública sobre NEM
A Apufsc-Sindical realiza na próxima quarta-feira, dia 3, uma conversa pública sobre Novo Ensino Médio e Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). O evento começa às 14h30, na sede do sindicato no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, e é promovido em conjunto com Bebeto Marques, ex-presidente da Apufsc, membro do Fórum Nacional de Educação e diretor de Políticas Educacionais do Proifes-Federação.
Karol Bernardi
Imprensa Apufsc