*Por Fábio Lopes da Silva
O bolsonarismo, por óbvio, é uma coisa horrenda e deplorável. Entre os muitos males que causou à sociedade brasileira, eu queria aqui destacar um que é menos percebido e comentado: a sua capacidade de inibir o senso autocrítico em seus adversários. Explico: Bolsonaro e seus seguidores são tão grotescos que o simples fato de não nos identificarmos a essa gente destrambelhada e perigosa parece em si virtude suficiente. Mas é claro que não é assim. Como costumo dizer a meu filho – estudante de Filosofia na universidade –, ser bom dá trabalho. Ao que eu acrescentaria: ser democrata e preservar o Estado de Direito também são tarefas bem mais custosas do que os atalhos do antibolsonarismo fazem crer.
Digo isso pensando, em particular, no que atualmente se passa no Conselho Universitário da UFSC. A atual Reitoria – eleita na esteira do muito necessário combate ao Capitão – tomou uma série de iniciativas que claramente violam o regimento do CUn e seus ritos e procedimentos consagrados. Foi assim, por exemplo, quando o professor Irineu admitiu que dois representantes dos TAEs no Conselho Universitário continuassem em seus postos depois de terem assumido altos cargos na Administração Central. Foi também assim quando, sem consulta prévia ao pleno, o reitor determinou a realização de sessões abertas à comunidade, assim como de sessões presenciais nos campi. Foi assim, além disso, no caso de tópicos delicados e sensíveis como o teletrabalho e a jornada de 6h, cujas portarias de implementação foram publicadas sem que ao CUn fosse dada a chance de dar um pio. Foi assim, por fim, na recusa da Presidência do Conselho em pautar a grave crise de infraestrutura na UFSC, que, a par de implicar evidentes atentados a direitos trabalhistas e estudantis, já atingiu o ponto de ameaçar a integridade física das pessoas.
Se, como conselheiro, eu tivesse sido consultado, certamente teria votado a favor da realização das sessões abertas e eventualmente das sessões presenciais nos campi (embora estas últimas me pareçam dispendiosas ações isoladas, e não um projeto consistente de integração dos campi à sede). O problema, em todo caso, é o método a que a Reitoria tem recorrido: trata-se sempre de atropelar e desrespeitar a autoridade do CUn, muitas vezes ao arrepio da Lei. Não é porque alguém seja de esquerda ou se julgue portador de boas intenções que passa a gozar do direito de fazer o que der na telha. Nem mesmo quem esteja obviamente certo pode pular etapas legal ou institucionalmente consolidadas. Quando se age assim, abre-se caminho para o arbítrio. Quando se age assim, tiram-se as vértebras de instâncias que farão falta em combates futuros (e podem escrever: esses combates virão).
Eu não faço ideia de quais sejam as intenções do reitor quando escolhe essa maneira de atuar. O que sei é que, ao lado de muito poucos colegas, tenho tentado em vão alertar o professor Irineu e o Conselho Universitário para os perigos dessa sequência de impropriedades e ilegalidades. A maioria, no entanto, prefere o silêncio, o que talvez dê ao reitor a impressão de que sua conduta esteja sendo aprovada. No lugar dele, eu não me fiaria tanto nisso. Primeiro, porque a mim está claro que muita gente deixa de se manifestar não porque esteja satisfeita mas porque prefere – por medo, conveniência ou omissão – o silêncio (a propósito, pobre da universidade que, em vez de se comprometer com a verdade, rende-se ao medo, à conveniência ou à omissão…). Segundo, porque, a qualquer hora destas, o silêncio que hoje joga a favor do reitor pode – do dia para a noite, caso os ventos eventualmente mudem – passar a jogar contra ele. Que o diga o professor Cancellier: foi sob o signo desse silêncio da comunidade universitária ao seu redor que, na mais profunda solidão, ele se viu emparedado e acabou por se atirar do vão central de um shopping da cidade.
Quem quiser que pense que sou “líder da oposição” ou que tenho alguma pretensão de ser reitor. Se esse é o preço de fazer jus ao nome da minha função no CUn – conselheiro –, que assim seja.
* Fábio Lopes da Silva é professor do DLLV e atualmente dirige o CCE/UFSC