Artigo publicado pela revista Nature mostra que se tornou mais difícil obter descobertas originais a ponto de criar um novo campo do conhecimento ou reorientar o rumo de um tema de pesquisa existente
A ciência está esgotando sua capacidade de transformar a sociedade? Esse receio, mesmo sem ser formulado em voz alta, permeou a repercussão de um artigo publicado em janeiro na revista Nature por três cientistas sociais dos Estados Unidos. Erin Leahey, da Escola de Sociologia da Universidade do Arizona, Russell Funk e seu orientando de doutorado Michael Park, ambos da Escola de Administração Carlson, da Universidade de Minnesota, analisaram mais de 45 milhões de artigos publicados entre 1945 e 2010 e 3,9 milhões de patentes depositadas nos Estados Unidos entre 1976 e 2010 e concluíram que, com o decorrer do tempo, se tornou mais difícil para os cientistas obter descobertas originais a ponto de criar um novo campo do conhecimento ou reorientar o rumo de um tema de pesquisa existente.
O trio usou uma métrica, chamada de índice CD, em que os valores podem variar de -1, para trabalhos menos disruptivos, a +1, para os mais disruptivos, e mostrou que a média do desempenho medido no indicador caiu gradativamente (ver gráfico). A queda acumulada nos períodos analisados foi de mais de 90% para artigos e mais de 78% para patentes. É verdade que o número absoluto de artigos e patentes considerados transformadores ficou em um mesmo patamar ao longo do tempo. Mas como o volume total de trabalhos e de aplicações cresceu de forma exponencial – estima-se que, atualmente, cerca de 3 mil artigos sejam publicados por dia –, a participação relativa da ciência dita disruptiva na contribuição global dos pesquisadores perdeu fôlego, em uma evidência para os autores do trabalho de que o formidável esforço empreendido para produzir conhecimento rende dividendos mais magros do que os investimentos projetavam.
O trabalho divide a ciência inovadora em duas categorias. A primeira, apontada como disruptiva, caracteriza-se por “perturbar o conhecimento existente”, impulsionando a ciência e a tecnologia em novas direções, de acordo com o artigo publicado na Nature. A segunda, definida como consolidadora, melhora “os fluxos de conhecimento existentes e, portanto, consolida o status quo”. Para distinguir as descobertas que se encaixam em um ou outro tipo, foram analisadas as referências bibliográficas presentes em artigos e patentes. Estudos consolidadores tendem a ser citados em trabalhos subsequentes juntamente com outros artigos relevantes que vieram antes, em um sinal de que diversos avanços estruturaram aquela área, em um efeito cumulativo. Já entre os trabalhos disruptivos, a tendência é de que estudos predecessores deixem de ser mencionados, por não serem vistos como referência para o rumo que aquele campo tomou. “Um ecossistema científico saudável é aquele em que há uma mistura de descobertas disruptivas e de aperfeiçoamentos consolidadores”, afirmou Russell Funk, segundo o site da Escola de Administração Carlson. “Com as inovações incrementais se tornando mais comuns, pode levar mais tempo para conseguirmos avanços que impulsionem a ciência de forma mais dramática.”
Um dos casos de ciência disruptiva mencionados no trabalho é amplamente conhecido: a descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA, apresentada em um artigo da revista Nature em 1953 pelo inglês Francis Crick e o norte-americano James Watson (que ganhariam o Nobel de Medicina ou Fisiologia nove anos depois). Já outros exemplos levantaram controvérsia. O trabalho dos cientistas sociais comparou seis contribuições à ciência capazes de ilustrar fases do espectro que vai do consolidador ao disruptivo. Uma patente de 1983 ficou na posição mais elevada na escala. De autoria de Richard Axel, da Universidade Columbia, e dois colaboradores, Saul Silverstein e Michael Wigler, a descoberta estabeleceu uma maneira eficiente de inserir DNA em células de mamíferos. Já na posição mais baixa, como exemplo de ciência consolidadora, figura um artigo de 1970 do microbiologista David Baltimore, à época no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), sobre a descoberta da transcriptase reversa, enzima que catalisa a formação de DNA a partir de um modelo de RNA.
Leia na íntegra: Jornal da Ciência