10 mitos e verdades sobre as universidades públicas no Brasil

Conteúdo produzido pelo Observatório do Conhecimento tira dúvidas sobre as instituições de ensino

O Observatório do Conhecimento, rede da qual a Apufsc-Sindical faz parte, produziu um conteúdo especial no qual tira dúvidas sobre as universidades públicas no Brasil. Confira, abaixo, 10 mitos e verdades.

MITO 1: O BRASIL GASTA DEMAIS EM EDUCAÇÃO

O Brasil investe menos em educação do que determina o Plano Nacional de Educação (PNE). Ao aprovar o PNE em 2014, o país se comprometeu a investir pelo menos 7% do seu Produto Interno Bruto (PIB) no ensino básico e superior, com o objetivo de chegar a 10% em dez anos. Hoje, a proporção do PIB direcionada à educação sequer alcança o mínimo estabelecido pelo plano. Um relatório elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2018, mostrou ainda que o valor que o país gasta anualmente para manter cada estudante da rede pública está muito abaixo da média dos membros da organização: 3,8 mil dólares por aluno a cada ano, em comparação à média de 9,4 mil. Entram nesse cálculo itens como salários dos professores, manutenção da infraestrutura das escolas, provisão de livros e merenda, entre outros. A situação não é muito diferente quando o assunto é o ensino superior, em que o investimento por aluno também é menor do que a média dos países desenvolvidos. Os números mostram que há um longo caminho a ser percorrido para que o Brasil alcance um patamar mínimo de investimento na educação pública de qualidade.

MITO 2: O FOCO DOS INVESTIMENTOS EM EDUCAÇÃO DEVE ESTAR NO ENSINO BÁSICO

Embora seja necessário e urgente ampliar os investimentos públicos na educação infantil e no ensino fundamental e médio, vale lembrar que as universidades públicas são estruturas fundamentais para formar professores e qualificar a educação básica. O Censo Escolar de 2015 mostra que quase 50% dos professores que atuam nas redes municipal e estadual de ensino ainda não têm formação especializada na matéria que lecionam. Ou seja, investir nas universidades públicas é chave para garantir a qualidade do ensino básico, uma vez que funcionam como centros prioritários de formação de professores. Vale pontuar também que o investimento na educação básica é de responsabilidade dos estados e municípios, que por sua vez recebem repasses de verbas federais através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

MITO 3: AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS GASTAM MUITO E PRODUZEM POUCO

As universidades públicas são as principais responsáveis pela produção científica brasileira em diferentes áreas do conhecimento. Um estudo disponibilizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) mostrou que das 20 instituições brasileiras que mais produziram pesquisa científica entre 2011 e 2016, 15 eram universidades federais e cinco, estaduais. O conhecimento produzido nas universidades públicas contribui para que o Brasil ganhe destaque no contexto da produção científica mundial e, acima de tudo, gera impacto concreto na vida das pessoas e no desenvolvimento do país. Nos últimos dez anos, as áreas que mais receberam investimentos em pesquisa foram a agricultura, a tecnologia industrial, a saúde e a ciência espacial – cujos os resultados são percebidos pela sociedade brasileira. É o caso, por exemplo, da pesquisa que comprovou a associação entre o zika vírus e o nascimento de bebês com microcefalia, coordenado pela cientista Celina Turchi, do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Pernambuco.

MITO 4: AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS SÃO DIRIGIDAS POR MILITANTES DA ESQUERDA

Os reitores das universidades federais são nomeados pelo Ministério da Educação (MEC). No entanto, para garantir que o processo seja democrático e respeite a autonomia da universidade, o MEC procura sempre indicar a candidata ou candidato que obtém o maior número de votos em consultas feitas à comunidade acadêmica – composta por professores, funcionários e alunos. Boa parte das universidades federais adotam o sistema paritário – em que os votos dos professores, dos funcionários e dos alunos têm o mesmo peso no processo. Este sistema democrático e autônomo de escolha reduz as possibilidades de aparelhamento ideológico, partidário e estatal, em vez de aumentá-las. Mesmo quem alega haver aparelhamento das universidades por partidos de esquerda usa dados que esvaziam esse mito: levantamento feito pelo portal de direita Spotniks indicou que três em cada quatro reitores de universidades federais do país não têm envolvimento com política partidária. Além disso, ao contrário da maioria das universidades privadas, as universidades públicas são dirigidas por colegiados formados por professores que ocasionalmente ocupam os cargos de gestão – em geral eleitos em seus departamentos e congregações – e por representantes de docentes, funcionários e estudantes, o que fortalece a pluralidade de ideias na tomada de decisões.

MITO 5: AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS SÃO CENTROS DE PROPAGAÇÃO DE IDEOLOGIAS DE ESQUERDA, COMO A IDEOLOGIA DOS DIREITOS HUMANOS

As universidades são, por princípio, espaços de fomento à diversidade de ideias, visões e opiniões. No ambiente acadêmico, como em outros, convivem pessoas de diferentes tendências políticas e ideológicas. Em função desse caráter pluralista e democrático, as universidades são importantes locais de valorização dos direitos humanos. Os direitos humanos não são fruto de ideologia, seja ela de “esquerda” ou de “direita”, mas resultado de um intenso processo de amadurecimento social. Em 1948, um pacto firmado por centenas de nações deu origem à Declaração Universal dos Direitos Humanos, consolidando o compromisso internacional com a proteção de direitos básicos e fundamentais como a liberdade e dignidade de todos as pessoas. Hoje, a Declaração Universal dos Direitos Humanos embasa boa parte das leis constitucionais dos países democráticos. No Brasil e na América Latina, as universidades cumpriram papel histórico de oposição às ditaduras civis-militares que assolaram a região na segunda metade do século 20 – que promoveram, entre outras violências e violações, perseguições político-ideológicas contra quem pensava diferente. Por isso mesmo, as universidades representam a materialização de direitos como a liberdade de expressão e de pensamento, à instrução e ao conhecimento.

MITO 6: O ENSINO PÚBLICO NO BRASIL TEM BAIXA QUALIDADE PORQUE OS PROFESSORES SÃO DOUTRINADORES

O mito da “doutrinação” desvia o foco dos problemas reais das salas de aula de todo o país. Pesquisas internacionais mostram que o baixo desempenho da educação pública brasileira em comparação com outros países se deve, sobretudo, à desvalorização do professor. Turmas cheias, infraestrutura precária, salários baixos e sobrecarga de trabalho são alguns dos problemas enfrentados cotidianamente. Por todos esses motivos, apenas um em cada cinco brasileiros diz incentivar seus filhos a seguirem a profissão de professor, um dos piores índices do mundo. Iniciativas como a “Escola Sem Partido”, que ajudam a popularizar o mito da doutrinação, enfraquecem a confiança de pais e alunos no já precarizado e desvalorizado trabalho do professor. Este contexto contribui para que os professores estejam cada vez mais vulneráveis a perseguições político-ideológicas, a tentativas de criminalização e para um aumento de situações violentas em sala de aula. Enquanto o debate sobre a “doutrinação” ganha destaque, os verdadeiros e urgentes problemas enfrentados por gestores, professores e alunos nas escolas e universidades são deixados em segundo plano. Uma pesquisa recente mostrou, por exemplo, que metade dos colégios brasileiros sequer tem rede de esgoto e 26% não tem acesso à água encanada.

MITO 7: AS COTAS SOCIAIS E RACIAIS SÃO INJUSTAS PORQUE TIRAM VAGAS DAS PESSOAS QUE NÃO SE ENCAIXAM NESSES CRITÉRIOS

O objetivo de políticas afirmativas como as cotas é corrigir distorções no acesso ao ensino superior público resultantes de desigualdades estruturais e históricas na sociedade. É um erro assumir que as cotas “tiram” vagas daqueles que não se encaixam nos critérios raciais e sociais. Os dados sobre o ensino superior público no Brasil mostram que, desde que as cotas começaram a ser implementadas, o número de vagas da chamada “livre concorrência” aumentou em 15%. Isso significa que, nas últimas duas décadas, o acesso ao ensino superior público foi expandido a todos os perfis de estudantes, independentemente dos critérios para se candidatar às cotas. As cotas sociais e raciais para o acesso ao ensino superior público foram implementadas pela primeira vez pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 2000. Em 2004, a Universidade de Brasília (UnB) se tornou a primeira universidade federal a instituir o mesmo sistema. Em 2012, a chamada Lei de Cotas finalmente estabeleceu regras únicas para a adoção de cotas raciais e sociais pelas universidades e instituições federais.

MITO 8: É A ELITE QUE FREQUENTA AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS. SÃO PESSOAS QUE PODEM PAGAR MENSALIDADE PARA AUMENTAR O ORÇAMENTO DESSAS INSTITUIÇÕES

Ao contrário do que diz o senso comum, a maior parte dos estudantes das universidades federais (51%) tem renda familiar de até três salários mínimos, como indica a última Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação, divulgada em 2014. O estudo revela a tendência de transformação nas condições socioeconômicas dos estudantes de universidades federais na última década decorrente da entrada progressiva de alunos de renda familiar mais baixa no ensino superior público em todas as regiões do país. No caso desses estudantes, a cobrança de mensalidade representaria uma barreira no acesso ao ensino superior. A decisão de cobrar mensalidade poderia contribuir para que as universidades públicas tivessem como prioridade a admissão de estudantes de renda mais alta, em vez de investir na diversificação do perfil socioeconômico de seus alunos através de ações afirmativas específicas, como as cotas. Uma das possíveis alternativas para aumentar o orçamento das universidades federais e das demais públicas seria a realização de ampla reforma tributária, que corrija distorções no pagamento do imposto de renda para as camadas mais ricas da população.

MITO 9: A UNIVERSIDADE NÃO DEVE SER PARA TODOS

Declarações como essa transmitem uma visão política de que o ensino superior público deve ser destinado apenas à elite intelectual do país. A ideia de que somente pequena parcela da população teria vocação ou disponibilidade para estudar em uma universidade revela uma concepção limitada sobre o papel da formação acadêmica na vida em sociedade. Para além de conquista pessoal sonhada por tantas famílias em todo o país, a entrada na universidade é oportunidade para o estudante desenvolver a personalidade, expandir conhecimentos, descobrir outras realidades e perspectivas e se preparar para o mercado de trabalho. Além disso, um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que quem conclui o ensino superior pode até triplicar sua renda. Esse tipo de visão elitista tampouco condiz com a realidade da maioria dos países desenvolvidos no mundo, que, em geral, apresentam proporções de adultos com ensino superior completo muito acima do percentual brasileiro. O acesso ao ensino superior é um direito de todos os cidadãos e deve ser sempre assegurado e expandido.

MITO 10: MEDIDAS COMO A “LAVA-JATO DA EDUCAÇÃO” SÃO NECESSÁRIAS PORQUE HÁ MUITA CORRUPÇÃO NAS UNIVERSIDADES

Como em qualquer outro setor, a educação pública também está sujeita a casos de corrupção e desvios de verbas que devem ser investigados e responsabilizados com rigor, agilidade, transparência e em acordo com o devido processo legal. No entanto, iniciativas penais populistas como a “Lava-Jato da Educação” podem induzir, na prática, à perseguição e à censura contra instituições e pessoas críticas às posições políticas e ideológicas do atual governo. O combate à corrupção não pode se sobrepor ou ameaçar a liberdade acadêmica e de pensamento. O ex-presidente Jair Bolsonaro já declarou que considera o ambiente acadêmico infectado “pela ideologia de esquerda” que “enaltece o socialismo e tripudia o capitalismo [sic]”, uma mensagem perigosa que indica disposição em retaliar quem pensa diferente.

Fonte: Observatório do Conhecimento