Grupo comandado por professoras da universidades foi o primeiro de Santa Catarina a propor um projeto e um plano de trabalho para receber as alunas
“Uma sobe e puxa a outra”. A frase, um dos mantras de movimentos de mulheres pelo mundo, ilustra com perfeição o que um grupo de meninas faz, dentro dos laboratórios da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desde a segunda semana de janeiro. Clarissa, Amanda, Thifani e Vitoria trocaram as aguardadas férias escolares por jalecos, livros, vidrarias e experimentos que ajudam a entender um dos temas mais importantes da atualidade: o meio ambiente.
Elas estão em uma imersão conduzida por cientistas-mulheres que lideram pesquisas de impacto na UFSC. As jovens, todas entre 16 e 17 anos, participam do Futuras Cientistas, do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste, que foi acolhido pelo grupo ReAtividade na Ciência, que pretende discutir gênero e mostrar que a ciência é para todos e todas.
No Brasil, as mulheres pesquisadoras representam 40,3%, embora na população sejam mais de 51%. Os dados constam em relatórios da Unesco e são amplamente difundidos para registrar as desigualdades de acesso à carreira científica. O projeto, voltado para meninas do Ensino Médio, foi expandido pela primeira vez do Nordeste para outras regiões do Brasil, abrindo possibilidade para que mais jovens conheçam – e se reconheçam – na carreira científica.
“Fomos o único grupo relacionado de Santa Catarina a propor um projeto e um plano de trabalho para receber as estudantes”, explica a professora do Programa de Pós-graduação em Química, Daniela Zambelli Mezalira. Ao lado das colegas Juliana Paula da Silva e Tatiane Maranhão, realizaram um plano completo de atividades que envolve desde conhecer laboratórios da universidade, até oficinas e visitas técnicas. Intitulado Meio Ambiente em Foco, o projeto da imersão também trabalha com experimentação e com a busca de soluções científicas para problemas reais.
“Nós três somos de áreas diferentes na Química, por isso pensamos em um projeto que conseguisse trabalhar com nossas áreas de conhecimento. Aí veio a escolha pelo meio-ambiente”, conta a professora Juliana, que estuda Química Analítica. Junto com Daniela, que estuda energias renováveis, e Tatiana, que investiga a poluição, o trio atraiu parceiros e voluntários para a missão de apresentar um mundo novo a quatro jovens.
Mundo novo
“A ciência é muito ampla e envolve áreas que podem trazer muita satisfação. Quero ser cientista pois tenho muita vontade de fazer algo que resolva problemas da sociedade. Durante a pandemia deu para ver a importância da ciência para o mundo”, sintetiza Clarissa Pietrangelo, 16 anos, da Escola de Ensino Médio Luiz Henrique da Silveira, de Joinville. Ela ainda não sabe qual é a área científica que mais lhe atrai, mas não titubeou em trocar o descanso das férias pela oportunidade de aprender.
Também foi assim para Amanda Dalavequia, da Escola de Educação Básica São Cristóvão, de Capinzal. “Pode parecer loucura passar as férias estudando, mas entre viver esses dias sem fazer nada e viver esses dias com novas experiências, estar aqui é a melhor escolha”, comenta. “Sem contar que aqui temos a oportunidade de aprender, com experimentos, muitas coisas que aprendemos na teoria na escola”, conta.
Um desses experimentos foi realizado logo nos primeiros dias da imersão: a eletrólise da água. As estudantes produziram o hidrogênio molecular, H2, fonte de energia renovável que tem recebido atenção nos últimos anos. “Todas essas experiências permitirão que as participantes desenvolvam habilidades no laboratório, aprendam um pouco sobre o método científico e adquiram um senso crítico sobre algumas questões atuais que estão em foco, tais como fontes renováveis e poluição ambiental”, sintetiza o plano, assinado e conduzido pelas professoras da UFSC.
O experimento da eletrólise da água, nesse caso, foi uma introdução para que as jovens cientistas pudessem avançar, aprendendo a montar eletrodos para utilização em células à combustível de líquido direto e também montando células solares sensibilizadas por corantes. Além disso, como forma de avaliar a poluição devido a queima de combustíveis fósseis, montaram um equipamento para coleta de material particulado suspenso no entorno da UFSC.
“Minha função é não deixar sonhos morrerem”
A experiência de participar de uma imersão com inúmeras atividades científicas na UFSC envolve outros componentes para Vitoria Aparecida Recalcatti e Thifani Bruna de Lima, ambas de 17 anos e alunas da Escola de Educação Básica Mater Dolorum, de Capinzal. No caso delas, foi a professora de Química Karine Burgel Facin quem teve papel essencial para que elas pudessem viver o projeto.
Para Tiffany, uma oportunidade como essas deve ser aproveitada por possibilitar também que elas saiam de casa, da cidade e tenham a chance de conhecer outros lugares. Ela conta que sempre viu a UFSC como referência, embora ainda não saiba para que pretende prestar vestibular e se a instituição estará como primeira opção. “Na minha cidade não existe uma universidade como a UFSC, com a quantidade de opções e de cursos oferecidos”. Apaixonada pelas ciências humanas, ela está aproveitando a imersão para ajudar a definir o seu futuro.
Já Vitória está aproveitando para conhecer, na prática, como é a vida de uma cientista, além de estar mergulhando nas oficinas e na possibilidade de conhecer os laboratórios. “Eu não imaginava como era. Uma das coisas que mais me chamou atenção foi o laboratório do professor Eduard, que trabalha muito com Física, uma das áreas que eu mais gosto”, conta.
A professora Karine é só orgulho das jovens. Além de lecionar Química na escola – sempre priorizando o laboratório, uso de materiais alternativos e a ciência do cotidiano, ela também foi professora de um componente curricular do Ensino Médio chamado Projeto de Vida. Por isso, quando viu a divulgação do Futuras Cientistas, fez questão de repassar para as alunas que já manifestavam interesse nas ciências da natureza.
“Nesse disciplina, conversamos muito sobre objetivos, realizações e o que precisa para chegar ali”, conta. A ideia é mostrar às estudantes que elas “podem ser o que quiserem”, e que muito da construção do futuro, sendo cientistas ou não, depende das estratégias que traçarem.
Quando Tiffany e Vitória demonstraram que queriam vir para a imersão na UFSC, Karine não poupou esforços para empurrá-las rumo ao objetivo. Além de ajudá-las na inscrição, mobilizou a Câmara de Vereadores, a secretaria de Educação e o comércio local para angariar recursos. Com a professora Alessandra Gorini, fez uma vaquinha online. E assim o sonho virou realidade.
“Meu papel como professora é esse: não deixar os sonhos morrerem. Vejo muito potencial nos nossos alunos e a escola pública mostra isso para nós. Muitos acham que não podem ser o que quiserem, ou por orientação sexual ou pela cor de pele. Minha principal função é não deixar os sonhos morrerem”.
Karine também se mostra entusiasmada com as novidades que as pupilas trarão na bagagem. Segundo ela, a escola tem uma preocupação forte com as discussões ambientais e as estudantes, que sempre mostraram forte inclinação à área, poderão contribuir com debates e discussões importantes para a sociedade.
Ciência feita por mulheres para todos e por todos
Ciência feita por mulheres para todos e por todos é o nome do projeto de extensão da UFSC que abraçou a proposta do Futuras Cientistas. A iniciativa das professoras Daniela, Juliana e Tatina, que também contam com a participação de colegas de departamento e estudantes de graduação, tem o objetivo de desenvolver e estimular a troca de conhecimentos e experiências sobre a participação das mulheres na ciência.
Na prática, a equipe começou o trabalho de sensibilização de escolas em 2022, mas a meta é aprimorá-lo, justamente por entender que atingir o principal público-alvo – jovens estudantes – é um grande desafio. Por isso, a oportunidade de acolher o projeto Futuras Cientistas foi um passo de outros que virão – um deles é receber estudantes com mais frequência e sem a dependência de projetos externos.
O plano de atividades das estudantes na UFSC envolve um rico percurso por laboratórios e atividades práticas. Entre outras coisas, participaram de trabalhos sobre a química dos perfumes e da extração de plantas. Também farão oficinas de tingimento e visitarão uma fábrica de chocolates. “A ideia é proporcionar a elas toda a vivência do que é uma pesquisa”, conta Daniela.
O Futuras Cientistas é um programa que estimula o contato de alunas e professoras da rede pública de ensino com as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática para contribuir com a equidade de gênero no mercado profissional. Segundo o site do projeto, em 10 anos, 70% das participantes do programa foram aprovadas no vestibular. Destas, 80% escolheram cursos nas áreas de Ciência e Tecnologia.
Fonte: Notícias da UFSC