Objetivo da universidade é que o documento seja apreciado pelo Conselho Universitário (CUn) ainda no mês de novembro. Casos recentes e recorrentes de racismo, xenofobia e neonazismo tornaram a aprovação da política urgente
Foram cerca de três horas de dicussão em torno da Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) na audiência pública realizada na última terça-feira, dia 1°. No evento, foi apresentada e discutida a minuta, que deve ser enviada ao Conselho Universitário (CUn) ainda no mês de novembro. Com recentes e recorrentes casos de racismo, xenofobia, machismo, transfobia, além da prisão de estudantes por práticas neonazistas, a implementação desta política se tornou uma urgência para a universidade. A Apufsc-Sindical participou da audiência, com a presença do presidente, José Guadalupe Fletes, e da secretária-geral, Viviane Maria Heberle.
O evento foi aberto por Leslie Sedrez Chaves, pró-reitora de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), que afirmou: “a UFSC também é um lugar de pessoas negras, indígenas, quilombolas, refugiadas, com deficiência, LGBTQIA+, e de todas as pessoas que desejam estar aqui e contribuir com a construção de um mundo mais fraterno e que valorize a vida. A UFSC é diversa e continuará sendo”.
O reitor Irineu Manoel de Souza enfatizou a urgência da aplicação desta política. “Estamos completando quatro meses de gestão e convivendo com situações que, quando éramos candidatos, não ocorriam com tanta frequência. Tínhamos todo um projeto. Não imaginávamos que chegaríamos na gestão e começaríamos a viver com situações de racismo diariamente, prisão de estudantes por participar de movimentos neonazistas”, lamentou. “Embora presentes na universidade, não conseguíamos enxergar de uma maneira tão brutal, tão presente, essas situações. Não é novidade, mas se destacaram diversos eventos dessa natureza que nos deixaram preocupados além do normal”, complementou o reitor.
Com esses fatos, a implementação da política se tornou uma prioridade. “A professora Joana [Célia dos Passos, vice-reitora] colocou que em novembro deveríamos apresentar uma proposta. Em razão de toda essa situação, tivemos que acelerar ao máximo, colocar como prioridade. Não é mais uma proposta: são práticas que serão realmente implementadas”. Irineu explicou ainda que a Reitoria recebeu documentos de diversos movimentos sociais solicitando um posicionamento , e a audiência é uma resposta: “sentimos a necessidade de tomar medidas de forma radical e imediata”.
A vice-reitora Joana Célia dos Passos afirmou que “é preciso que a universidade preste contas sobre o que tem feito pra enfrentar o racismo institucional”, e enfatizou: “É isso que a gente vai fazer a partir de agora”. A professora também citou os casos recentes ocorridos na universidade: “Não é curioso que o racismo se manifeste nos banheiros? Mas ele está em todos os lugares”.
Joana ponderou, porém, que “os racistas de banheiro nunca foram tão ativos como nos últimos dias”, e fez um pedido: “Eu quero aproveitar e fazer um apelo aos homens brancos: assumam esse lugar de protagonistas na luta antirracista. Porque o que está sendo pichado nos banheiros é dirigido às mulheres, aos negros, aos judeus”.
“Temos que fazer da UFSC um território livre de racismo e de manifestações de ódio”, finalizou a vice-reitora.
A diretora de Ações Afirmativas e Equidade da UFSC, Marilise Sayão, explicou a metodologia da elaboração do documento. Na sequência, foi feita a apresentação da história da Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional na UFSC e iniciou-se a leitura da minuta, que está dividida em sete capítulos.
Confira a minuta na íntegra:
Após a leitura, os presentes puderam participar e sugerir pontos a serem alterados ou acrescentados à minuta. Essas manifestações serão acrescentadas ao relatório final. Ao todo, foram realizadas 20 manifestações orais e entregues à equipe da organização da audiência oito manifestações escritas, que serão anexadas ao relatório final.
A expectativa é de que, até o dia 7 de novembro, esse relatório seja finalizado. Na sequência, será encaminhado, junto com a minuta, ao gabinete da Reitoria e ao CUn. “Até o dia 29 de novembro estará na mesa do Cun para aprovação”, afirmou Marilise.
Participaram da audiência representantes do Movimento Negro Unificado, de coletivos que atuam na universidade e entidades representativas, como a Apufsc-Sindical.
Assista à audiência:
Casos recentes de discurso de ódio registrados na UFSC
Em 28 de setembro, em uma postagem nas redes sociais, o projeto Integrar, de educação comunitária, relatou que “por volta das 13h40, uma companheira da Educação Escolar Quilombola e estudante do curso de Pedagogia da UFSC sofreu crime de racismo no Centro de Educação. O crime foi materializado nas paredes do banheiro feminino do Bloco A (CED)”. A Pró-Reitoria de Ações Afirmativas (Proafe) e a Coordenadoria do Curso de Pedagogia se manifestaram sobre o caso, emitindo notas. Eventos foram realizados na universidade para discutir e repudiar o crime. Um ato contra o racismo ocorreu no CED.
No dia 23 de outubro, o Fantástico noticiou que a polícia prendeu um grupo de jovens acusados de neonazismo em Santa Catarina. Dos seis suspeitos presos, quatro são alunos da UFSC: são estudantes dos cursos de Letras, Engenharias e Direito. Assista à reportagem na íntegra.
Nesta quinta-feira, dia 3, o colunista Renato Igor, do NSC Total, noticiou que a Polícia Civil está com uma carta apócrifa encaminhada na última sexta-feira, dia 28, ao Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da UFSC. O texto da carta prega o ódio contra gays, feministas, negros e “amarelos”. A carta foi impressa e tem como assinatura a abreviação SS, que representa o exército nazista na Segunda Guerra Mundial.
Manifestações neonazistas e misóginas já haviam sido encontradas no dia 24 de outubro no CCJ. No dia 26, o Centro Acadêmico XI de Fevereiro (Caxif), dos estudantes de Direito da UFSC, realizou um ato na universidade repudiando o caso.
Segundo o G1 SC, uma pichação com uma ameaça de morte a um aluno judeu e uma suástica foi encontrada em um banheiro do Centro de Ciências da Saúde (CCS) no campus de Florianópolis. A Polícia Civil informou na última terça-feira, dia 1º, que foi comunicada. Além disso, uma suástica e palavras em apologia ao nazismo foram pichadas em um banheiro do campus de Joinville, no Norte do estado, no dia 26.
Em nota publicada nesta quinta-feira, dia 3, a UFSC informou que está encaminhando à Polícia Civil todos os casos de nazismo e racismo que ocorrem nas dependências da instituição, uma vez que se tratam de crimes. Internamente, a universidade está registrando e mapeando todos esses episódios.
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Stefani Ceolla
Imprensa Apufsc