Participantes lembraram da atuação do ex-reitor e refletiram sobre como sua morte ainda reverbera no Brasil atual
Um culto foi realizado na manhã desta-segunda-feira, dia 3, no Templo Ecumênico do campus Trindade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para lembrar os cinco anos da morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O evento, organizado pela Administração Central, foi celebrado pelo padre Vilson Groh, que afirmou que “a memória é um ato de voltar à raiz e recuperar a presença”. Padre Vilson enalteceu os feitos de Cancellier e sua grande contribuição para a produção do conhecimento.
“Cancellier era um homem simples, mas que tinha um grande capital: o pensar. Creio que sua preocupação era que os estudantes saíssem daqui com outra visão de mundo, uma visão humanitária, de justiça social”, disse o padre.
Irmão de Cao, como era conhecido o então reitor, Júlio Cancellier também participou do evento. “Falar, para nós, ainda é muito difícil, mas eu quero pensar. Pensar era uma das principais características do Cao. Desde o movimento estudantil, o Cao pensava na unidade. É na unidade do pensamento progressista que se faz a construção”, refletiu Júlio. Ele complementou: “Nosso principal patrimônio é o poder pensar. E quando esse direito foi tolhido, ao Cao não restou outra alternativa”. Júlio terminou sua fala usando uma palavra que o remete ao irmão: perspectiva. Conclamou a todas e todos a terem uma “perspectiva de futuro como seres que pensam a democracia”.
Áureo de Moraes, ex-chefe de gabinete da Reitoria, fez um dos discursos mais enfáticos da manhã, com um profundo questionamento à comunidade acadêmica: “Que respostas nós demos após a morte de Cancellier?” Para o professor, “a universidade não conseguiu sublimar aquela indignação e transformá-la em ação”.
“Sofremos ameaças, cortes, a pandemia. A indignação inicial se dissipou. Vivemos os últimos anos com ataques à ciência, à vida, às instituições”, disse Áureo, que acrescentou que “é impossível dissociar o que vivemos ontem [referindo-se ao primeiro turno das eleições no Brasil] do que vivemos cinco anos atrás”. O professor lembrou ainda os demais envolvidos na operação que resultou na prisão de Cancellier. “Ele foi a vítima mais evidente, mas outros colegas também foram. Tiveram as vidas destroçadas, expostas à opinião pública. E todos foram vítimas do estado”.
Áureo falou ainda das “mãos invisíveis que empurraram Cancellier”, e afirmou de maneira enfática: “Basta de um estado e de um governo que provoquem esses mesmos arbítrios”.
“Faltou que mãos fossem estendidas a ele”
Carlos Alberto Marques, presidente da Apufsc-Sindical, recordou que Cancellier era um filiado ativo, que defendia a importância do sindicato. Lembrou ainda que se conheciam desde o movimento estudantil. “Cao tinha comigo os mesmos princípios e valores. Sabíamos distinguir a divergência da inimizade”, afirmou. Bebeto disse ainda que as palavras de Cao remetem à justiça social e à democracia.
O presidente da Apufsc salientou que “aquele arbítrio está mais vivo do que nunca, e ameaça o futuro do Brasil”, e também pontuou: “Devemos olhar para nossa memória e consciência e ver o que faltou. Faltou que mãos fossem estendidas a ele”.
Ex-reitor da UFSC, Ubaldo Cesar Balthazar também discursou no ato. Lembrou que Cancellier foi um reitor “cujo maior prazer era estar na universidade”, e acrescentou que sua morte foi “um gesto de desespero de uma pessoa que foi proibida de entrar nesse local, que era sua casa”. Para Ubaldo, “Cao foi vítima de um sistema ditatorial, de um estado que se quer forte, mas não passa de um simulacro de estado”.
Joana Célia dos Passos, atual vice-reitora da UFSC, fez um discurso breve no qual recorreu ao poema “O estatuto do homem”, de Thiago de Mello. Em seu Artigo Quinto, o poema diz: “Fica decretado que os homens e mulheres estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa”.
O último a se pronunciar foi o reitor Irineu Manoel de Souza, que disse: “A comunidade acadêmica até hoje não entendeu esse episódio. O Cao foi vítima do estado brasileiro. Uma injustiça foi cometida”. Lembrou ainda que após a morte do então reitor, foi aprovada uma nova lei sobre abuso de autoridade no Brasil, que recebeu o nome de Lei Cancellier.
Stefani Ceolla
Imprensa Apufsc