Apesar do desejo de muitos, o Brasil não é e não será o país da ignorância, da indigência intelectual, do ódio
Inicio essa coluna parafraseando um texto do poeta Carlos Drummond de Andrade: de boas notícias, estamos todos precisados. E é exatamente uma boa nova que trago aqui: segundo a pesquisa “Educação, Valores e Direitos”, coordenada pela ONG Ação Educativa e pelo CENPEC, a maioria dos brasileiros é contra a agenda ultraconservadora na educação, que tem como carros-chefe a defesa da educação domiciliar e a militarização das escolas, como também ataques à política de cotas, à promoção da igualdade de de gênero e à educação sexual.
No levantamento, foram ouvidas 2.090 pessoas, situadas em 130 municípios de pequeno, grande e médio portes, entre os dias 8 e 15 de março de 2022. O nível de confiança é de 95%. A pesquisa buscou compreender qual a capilaridade e a adesão da população à agenda conservadora, sobretudo, no âmbito educacional. Os resultados são animadores, numa época em que o país é bombardeado pela violação de direitos e pelo sucateamento da educação pública em favor dos interesses da iniciativa privada.
Em relação à educação domiciliar, que tem sido apresentada como uma das prioridades do Governo Federal, os resultados da pesquisa apontaram “um grande apoio à visão da educação como um direito das crianças e adolescentes, independentemente do desejo dos pais, demonstrando que a população entende que o espaço escolar é importante para a socialização das crianças e jovens, inclusive para a convivência de crianças com deficiência”.
No que tange à militarização das escolas, outra bandeira do atual governo e de parlamentares que reivindicam o enfraquecimento dos princípios da Constituição cidadã, ficou explícito que a maioria dos brasileiros não é favorável à educação por meio da repressão.
Segundo o levantamento, 56,3% dos entrevistados confiam mais em docentes do que em militares para atuar nas escolas. A pesquisa revelou ainda que entre os participantes, há o entendimento de que os problemas relacionados à educação se dão em razão “da ausência de investimentos nas escolas públicas, dos baixos salários e da desvalorização docente”.
Em um contexto no qual educadores que promovem iniciativas que visam a superar as violências e desigualdades que permeiam a vida de meninas e da população LGBTQIA+ vêm sendo perseguidos e criminalizados, sob o argumento falacioso de “defenderem a ideologia de gênero”, a pesquisa traz uma grata surpresa: 73% dos entrevistados são a favor da educação sexual nas escolas, partindo da compreensão de que discussões relacionadas a esse tema ajudam crianças e adolescentes a se prevenirem contra abusos sexuais.
A respeito do enfrentamento ao racismo, outro dado extremamente importante: 90,2% defendem que a discriminação racial deve ser discutida pelos professores nas instituições de ensino. Pensando nesses números, Denise Carreira, doutora em Educação e uma das coordenadoras da pesquisa, assevera: “A população é menos conservadora e mais progressista do que alardeado por movimentos ultraconservadores. O nível de adesão a essas agendas antidireitos é limitado e não se sustenta quando confrontado com situações cotidianas e familiares”.
Neste cenário de tantas ameaças e destruição, a pesquisa “Educação, Valores e Direitos” apresenta-se como um verdadeiro bálsamo, um lenitivo. Fica uma certeza: nem tudo está perdido. Apesar do desejo de muitos, o Brasil não é e não será o país da ignorância, da indigência intelectual, do ódio.
Fonte: Carta Capital