Ao caminhar no campus, pode acontecer de um professor aposentado encontrar um professor da ativa. Ou, mesmo, um colega de um Centro pode se deparar com um colega de outro Centro, não importa. Pode ocorrer que nunca tenham se visto antes, mas possivelmente se reconheceriam. Uma espécie de amálgama os colocaria em sintonia: a nossa UFSC, o nosso fazer universitário. Por certo, uma conversa se travaria.
E sobre o que conversaríamos? Talvez sobre as condições de vida na atualidade. Invariavelmente abordaríamos nossas queixas: as perdas salariais de ativos e aposentados que nos empobreceram e nos endividaram; as massacrantes condições de trabalho a que os da ativa estão submetidos. Vamos encontrando, assim, pontos de identificações nas diferenças e nas semelhanças.
Acontecimentos da conjuntura política atual, certamente, comentaríamos. Falar desses tempos difíceis nos aproxima: violência e barbárie prevalecem? Cadê o lugar da cultura, da ciência, da ética e da civilização? Discutiríamos os persistentes passos de quem resiste, de quem, ao trabalhar sua depressão cívica, adere ao movimentar-se, ao colaborar, em solidariedade, em lutas coletivas em defesa das universidades públicas, da democracia, do meio ambiente, da inclusão social, a favor da vida. As recentes iniciativas que experimentamos nos animam, nos engajam.
Sem dúvida, comentaríamos a “Carta aos brasileiros e brasileiras”, relançada na USP, a exemplo daquela de agosto de 1977 que surgiu em meio às comemorações dos 150 anos de fundação dos Cursos Jurídicos no país, mas agora em outro contexto: foi lida solenemente em todo o país, no último dia 11 de agosto; foi assinada por mais de um milhão de brasileiros, entre eles, banqueiros, cientistas, empresários, professores; encheu auditórios, praças e motivou passeatas em defesa da democracia e do Estado de Direito. Realmente, o mês de agosto de 2022, que acabou de expirar, se mostrou exuberante em movimentos, diríamos.
Logo esbarraríamos em outro acontecimento: mais de cem ex-reitores das IFES também lançaram nota em que destacam a atmosfera de ameaça à democracia. Ex-reitores que afirmam terem tido a “oportunidade de viver intensamente nossas instituições”, que buscam colocar as “universidades a serviço da sociedade, do fortalecimento da esfera pública do Estado, do desenvolvimento humano, da natureza e da vida”; que destacam também o “cenário sombrio que se apresenta” em nossas universidades. Esta tem sido a tônica de inúmeras manifestações recentes sobre o complexo momento que atravessamos.
Bom, precisamos ir além das conversas em encontros ao acaso. É certo que não somos diferentes em nosso fazer de professores se nos comparamos a outros ofícios: o que se faz fica entranhado naqueles que fazem. Precisamos de um sobre-esforço para resistir diante da situação atual, o que exige ir além de nossas atribuladas atividades cotidianas. Luta, engajamento coletivo, vem se tornando imprescindível entre nós, professores das universidades públicas.
Nossos salários, nossas aposentadorias demonstram um desprezo estratégico do governo atual por nosso trabalho no ensino, na pesquisa, na extensão. A fragilização das nossas carreiras parece se colocar como alvo central desta estratégia de desmonte das universidades públicas. Ocorre a desvalorização do fazer universitário, sendo ele um elemento fundamental numa sociedade que busca sua emancipação, comprometendo todo o sistema de educação, de saúde, de ciência, tecnologia e de meio ambiente de uma nação, atentando diretamente contra sua soberania. Vemos, então, que nosso fazer acadêmico está num contexto de contradição em relação aos objetivos estratégicos do atual governo e de seus anseios míticos e antidemocráticos. E isto se apresenta também em outras esferas da vida em nosso país.
A crise climática e ambiental vivenciada aqui e no mundo representa grande desafio para as ciências e para o sistema de universidades públicas, seu berço em nosso país. As ameaças das mudanças climáticas, do desmatamento, da mineração ilegal, da urbanização, da poluição e contaminação do solo, água e ar representam questões que vão muito além das ciências ambientais. São complexidades que se avolumaram nos últimos anos, que acabam por erodir a segurança civil, hídrica, alimentar, resultando na consolidação da sexta extinção em massa, assim como em grandes tragédias humanitárias. Precisamos, portanto, de universidades públicas e de seu corpo docente atentos para seu compromisso ético e moral para com o enfrentamento destas urgências planetárias e pelo zelo intransigente com o direito das gerações atuais e futuras de desfrutarem de ambientes saudáveis e ecologicamente equilibrados.
Um sindicato de professores precisa ocupar em nosso cotidiano um espaço de permanente participação na construção e proposição de políticas públicas, colaborando com a sociedade para encontrar saídas ao colapso que se anuncia; se trata de um dever de nossa geração e categoria. Precisamos viabilizar rotinas e processos permanentes de diálogo interno e que ultrapassem os muros das universidades e possam ser considerados pela sociedade.
Como produtores de conhecimentos e de formação de profissionais diversos, precisamos contribuir no desenvolvimento de economias regenerativas e distributivas que favoreçam a manutenção e necessários avanços do pacto civilizatório no país, que leve em consideração a necessidade de uma transição ecológica socialmente justa e inclusiva. Neste processo, precisamos encontrar na melhor gestão do conhecimento – gerado pelos povos originários, tradicionais e pela ciência – os caminhos para um amplo diagnóstico das nossas realidades, colocando nossos saberes e práticas a serviço da construção coletiva e colaborativa de soluções.
Na atualidade, nos deparamos com a gestão de um governo que transita na contramão de nossas funções e obrigações legais, éticas e morais. De fato, observamos a incitação de mais e mais destruição e ruptura do pacto civilizatório democrático.
Diante destes acontecimentos, precisamos agir em defesa da democracia e do Estado de Direito. As universidades públicas no Brasil sempre foram guardiãs da democracia e é hora delas se colocarem nas fileiras da luta. E os docentes da UFSC são chamados a caminhar ao lado de estudantes e dos servidores técnico-administrativos em ações de defesa da educação, da ciência, cultura, da democracia e da soberania de nosso país.
É hora de nos unirmos nas diferenças e semelhanças, de cultivarmos a solidariedade e a realização de uma corrente que se empenha na construção de uma democracia que nos fortaleça, que promova prosperidade com responsabilidade ambiental e justiça social.
A nossa categoria se une às muitas manifestações da sociedade contra a barbárie e nos posicionamos em firme defesa da democracia.
*Por Adir Valdemar Garcia (EED/CED), Adriana D’Agostini (EED/CED), Adriana Mohr (MEN/CED), Alberto Elvino Franke (GCN/CFH), Alessandra Fonseca (OCN/CFM), Ana Claudia Rodrigues (BOT/CCB), Ana Maria Baima Cartaxo (aposentada), Armi Maria Cardoso (aposentada), Astrid Baecker Avila (EED/CED), Beatriz Staimbach Albino (CA/CED), Carolina Picchetti (MEN/CED), Célia Regina Vendramini (EED/CED), Cynthia Machado Campos (aposentada), Douglas Francisco Kovaleski (SPB/CCS), Edivane de Jesus (DSS/CSE), Eliana Bahia Jacinto, (CIN/CED), Ewerton Vieira Machado (aposentado), Francisco das Chagas de Souza (aposentado), Graziela Del Monaco (EDC/CED), Iracema Soares de Sousa (DEF/CDS), Jocemara Triches (EED/CED), José Antônio Ribas Ribeiro (aposentado), José B. Barufi (BOT/CCB), Leonardo Rorig (BOT/CCB), Lilane Maria de Moura Chagas (MEN CED), Lino Peres (aposentado), Makeli Garibotti Lusa (BOT/CCB), Maria da Graça Nóbrega Bollmann (aposentada), Maria Helena Michels (EED/CED), Maria Odete Santos (aposentada), Maria Regina de Ávila Moreira (DSS/CSE), Maria Teresa dos Santos (DSS/CSE), Mario Luiz Vincenzi (aposentado), Mauro Titton (MEN/CED), Nise Jinkings (MEN/CED), Olinda Evangelista (Aposentada), Paulo Horta (BOT/CCB), Paulo Marcos Borges Rizzo (aposentado), Paulo Pagliosa (OCN/CFM), Paulo Pinheiro Machado (HST/CFH), Paulo Ricardo do Canto Capela (DEF/CDS), Patricia Laura Torriglia. (EED/CED), Regina Célia Grando (MEN/CED), Rodrigo Diego de Souza (EDC/CED), Rosalba Maria Cardoso Garcia (EED/CED), Samuel Steiner dos Santos (ARQ/CTC); Sandra Luciana Dalmagro (EED/CED), Soraya F. Conde (EED/CED), Suzani Cassiani (aposentada), Terezinha Maria Cardoso (aposentada), Tiago Montagna (FIT/CCA), Valdir Alvin da Silva (CNM/CSE), Vania Maria Manfroi (aposentada), Valeska Nahas Guimarães (aposentada)