Nos 10 anos da Lei de Cotas, UFSC cria Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade

Em 2008, antes da Lei Federal, a universidade já criava sua própria política de cotas. Hoje, além da graduação, cursos da pós também têm reserva mínima de vagas para diferentes grupos sociais, e Secretaria de Ações Afirmativas é transformada em Pró-Reitoria

Neste mês de agosto, a Lei de Cotas, nº 12.711, completa 10 anos de vigência. Passado esse período, o texto sugere uma revisão. Mas além da incerteza se a pauta será colocada na agenda do Congresso Nacional, alguns parlamentares tentam propor alterações menos inclusivas para o sistema vigente no ensino superior público. Na contramão, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma das pioneiras no assunto, se preocupa desde 2008 com a implementação de políticas de ações afirmativas. A nova Reitoria acaba de transformar a Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades (Saad) em Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), reafirmando seu compromisso com o assunto.

A Lei de Cotas estabelece a reserva de 50% das vagas nos cursos da graduação para alunos de escola pública, negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência. A UFSC, de acordo com a Resolução Normativa 52, também oferece vagas suplementares para quilombolas, imigrantes, refugiados, negros e indígenas de qualquer origem escolar. A universidade, comprometida com as cotas, aprovou sua Política de Ações Afirmativas até 2026, baseada na Lei de Cotas e no exercício da autonomia universitária. Sendo assim, conforme sancionado pelo Conselho Universitário (CUn) na Resolução Normativa 131, a política interna da instituição tem revisão prevista em 2026.

Marcelo Tragtenberg, que ajudou a criar a Saad e esteve na Secretaria até 2021, explica que a política complementar da universidade é necessária porque a desigualdade racial impacta, principalmente, pessoas negras, independentemente da condição financeira.

Distribuição de vagas a partir da Lei de Cotas nº 12.711 (Arte: Karoline Bernardi/Apufsc)

Tragtenberg, que também é professor de Física da UFSC, defende que a realidade racial é muito mais complexa para se encaixar apenas na econômica. “O pessoal tem uma visão economicista com a questão racial. Acha que só negro pobre pode ser beneficiado, negro que tem carrão não é parado em blitz, não tem a concorrência de um negro numa sala de 40 brancos no ensino médio particular”. E completa: “é uma incompreensão muito grande achar que a descriminação só se dá sobre os negros de escola pública”. O docente pontua que, se de um lado há um consenso sobre a desigualdade socioeconômica, o mesmo não acontece do outro sobre a racial.

Na Câmara dos Deputados, o assunto também não é unanimidade. Das 140 proposições que tramitam na casa sobre a Lei de Cotas, algumas defendem o que os especialistas chamam de retrocesso, como reservar vagas apenas para alunos de baixa renda, sem recortes raciais. Mesmo com diferentes posições, não há, até o momento, a previsão de quando o texto original será reapreciado pelos parlamentares. A consultora legislativa da área de direitos humanos e cidadania do Senado, Roberta Viegas, afirma que mesmo que a revisão não ocorra em 2022, como pede o Art. 7º, o sistema permanece em vigor e só uma lei posterior poderá revogá-lo. 

Ela ainda ressalta que a revisão carece de uma grande discussão fundamentada, com dados claros, qualitativos e quantitativos. Porém, segundo a jurista, não há pesquisas extensas e aprofundadas do governo federal sobre os resultados de uma década da Lei. “É necessária uma ampla participação de diversos atores sociais para que se entenda o que já foi alcançado e onde ainda é preciso avançar”, aponta Viegas, que acredita ser difícil conseguir isso em ano eleitoral. 

Leslie faz parte da equipe da nova Reitoria da UFSC, nomeada no início de julho (Foto: Erick Vinícius/Apufsc)

Leslie Sedrez Chaves, que assume a direção da Proafe, na UFSC, enfatiza que é necessário estar sempre vigilante para que esses direitos sejam conservados. “A universidade se posiciona no momento em que cria uma Pró-Reitoria para Ações Afirmativas e Equidades. Com isso, ela está afirmando o compromisso de lutar por essa política, manter esse sistema, tomar todas as medidas necessárias para que ele se mantenha”.

 

 

Karoline Bernardi
Imprensa Apufsc

 

 

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