Lei de Cotas: UFSC tem porcentagem de estudantes negros equivalente à população negra catarinense

Universidade teve pico de ingressantes em 2016, quando a Lei de Cotas nº 12.711 foi completamente implementada

Por conta do caminho trilhado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 2008, com a implementação da primeira política de Ações Afirmativas para graduação da universidade, atualmente a instituição apresenta uma porcentagem equivalente de negros a da sociedade catarinense, cerca de 20% dos estudantes. Contudo, a professora de inglês do Colégio de Aplicação e líder do movimento Alteritas, Maristela Campos, enfatiza que não é só uma questão de números: “É muito mais que isso, é um comprometimento de transformação social. É como ele (estudante) é contemplado para além de estatísticas”.

Ela defende que as cotas são um grande processo educativo da universidade e da sociedade: “Não é somente para quem está chegando através das ações afirmativas. O corpo docente vai precisar passar por um processo educativo diferente, porque é um grupo social com o qual não estavam acostumados a trabalhar”. A diversidade e seu impacto na mudança de currículos e na forma de ensinar também contribui para que a hegemonia de determinados conhecimentos seja rompida, explica a professora.

Além de Maristela, o grupo Alteritas conta com mais 23 participantes. Atualmente algumas pesquisas contam com a orientação da vice-reitora Joana Célia dos Passos, que também integra o grupo (Foto: João Mesquita/Apufsc)

Na UFSC, o efeito das ações afirmativas é evidente, visto a partir da composição racial acadêmica. A universidade apresenta dois picos de ingresso de alunos por meio da Lei de Cotas, o primeiro em 2008 e o segundo em 2016, quando a Lei Nacional foi completamente implementada. Apesar do indiscutível sucesso, o professor Marcelo Tragtenberg argumenta que o sistema ainda é insuficiente, pois não atinge o setor privado. “Só ¼ do ensino superior é público, uma parte disso são federais. Então você teria que modificar a estrutura do ensino privado, para ter cotas muito maiores, para ter igualdade racial, por exemplo”. 

Pesquisador da área desde os anos 2000, o professor faz parte de um Consórcio de Pesquisa coordenado pelo Afro-Cebrap e pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), que avalia o tema no Brasil. Durante a mais recente pesquisa em que ele vem trabalhando, em conjunto com o prof. Antonio Boing do Departamento de Saúde Pública,  descobriu que, na UFSC, de 2008 a 2012 apenas uma pessoa preta e 13 pardas se formaram em Medicina. Já de 2017 a 2021, com a Lei em vigor, 37 pretos e 68 pardos concluíram o curso, cerca de 20% dos graduados em medicina. 

A partir de 2012, com a Lei de Cotas aprovada, a UFSC aumentou ano a ano o número de vagas para cotistas, chegando em 2016 ao patamar total (Arte: Karoline Bernardi/Apufsc)

A líder do Alteritas, grupo que também se dedica a projetos voltados para as ações afirmativas e étnico-raciais, destaca o prejuízo dessa defasagem em anos anteriores. Ela diz que quando não há negros, indígenas e pessoas transsexuais se formando, principalmente nos cursos de saúde, as especifidades dessas populações tendem a ficar desassistidas. Por esse motivo, além de preocupar-se com o ingresso, é necessário garantir o acolhimento dos estudantes. “Não é só permanecer na questão material, é também o quanto essa universidade é capaz de compreender esse público diverso”. 

A permanência é um dos assuntos que a pró-reitora de Ações Afirmativas e Equidade garante ser de extrema importância para a nova gestão da UFSC. Leslie Sedrez Chaves adianta que o objetivo é ampliar os direitos dos acadêmicos, mas caso isso não seja possível por conta do orçamento, ao menos os que já existem, como moradia estudantil, auxílio-alimentação e bolsas de extensão, precisam ser preservados.

Karoline Bernardi
Imprensa Apufsc

::: Leia também:
Nos 10 anos da Lei de Cotas, UFSC cria Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade
Lei de Cotas: UFSC pretende ampliar política também para o ensino básico