Por José Guadalupe Fletes*
Foi numa sexta-feira, 13 de agosto de 1982, às 13:00h, quando dois camburões da Polícia Federal com o delegado João de Deus Cardoso à frente, vindo de Curitiba para essa ação, invadiu (isso mesmo, invadiu a pontapés) a casa, apresentando a minha companheira, Margarete Corrêa, um mandado assinado pelo Min. da Justiça (Ibrahim Abi-Ackel) de apreensão e busca de material considerado “subversivo”.
O material a que se referiam era sobre “A guerrilha do Araguaia” publicado pela editora Anita Garibaldi, que relata o movimento de luta armada do PC do B entre 1972 e 1975 na divisa dos estados de Tocantins e Pará. O movimento guerrilheiro era contrário à ditadura militar implantada no Brasil, através de golpe, em 1964.
Recebi o telefonema de minha companheira, que se encontrava com minhas filhas (Libertad com 7 anos, Marsella com 5 anos, Luana Domitila com 1,5 anos e Dina com 5 meses) me avisando da invasão e imediatamente comuniquei a secretaria de meu departamento de estatística da suspensão da aula que ministraria às 13:30 para os cursos de engenharia.
Tomei a iniciativa de ligar à associação dos professores – Apufsc e falei com o Presidente à época (Prof. Raul Gunther – R.I.P) que imediatamente encaminhou o diretor jurídico da entidade (à época o Prof. Ubaldo Balthazar, hoje ex-reitor), bem como ao Sindicato dos Engenheiros (SENGE) cujo presidente, o Eng. Alberto Ganzo Fernandes, meu ex-colega na Pós-graduação, enviou um advogado, para me acompanharem e mediarem a minha prisão.
Também compareceram em casa, no conjunto Guarani no Córrego Grande, advogado representando a OAB e ainda um procurador da UFSC enviado pelo Reitor Prof. Ernani Bayer.
Chegando em casa, recebo voz de prisão, ao qual os quatro advogados presentes, conversam com o delegado e acordam que eu não iria no camburão da PF e sim com o procurador geral da UFSC para me apresentar na Delegacia no Estreito e ficar arrestado para ser transferido a Curitiba, segundo informara o delegado João de Deus.
É digno de registro a solidariedade que recebemos de alguns vizinhos, que corajosamente nos prestaram todo apoio a minha família enquanto era conduzido para a delegacia da PF. Se encontravam, me aguardando na delegacia o Dep. Estadual Roberto Motta (“Motinha” – R. I. P) e um representante do Dep. Federal Nelson Wedekin que se colocaram à disposição para me dar o apoio político e jurídico necessário.
Permaneci das 15:30 às 19:30 na delegacia da PF para identificação e um primeiro momento de interrogação, pois a intenção deles era me transferir para Curitiba e ter o interrogatório completo naquela delegacia para posterior expulsão aplicando a Lei dos Estrangeiros.
Destaco ainda que, enquanto permanecia depondo na PF, iniciativas de resistência denunciando minha prisão apareceram, carta aberta da APUFSC e do DCE da UFSC, apoiada pela UCE, bem como da reprodução por parte de um colega de departamento (Luiz Fernando Melgarejo) de poesia NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI de Eduardo Alves da Costa “Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na Segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”
Fui informado que iria ser liberado, após contato do reitor Prof. Ernani Bayer com o Ministério da Justiça. Até hoje nunca soube o que foi definido. Apenas fui chamado para continuar o interrogatório na segunda-feira (16/8) às 14h. Na saída, meus colegas me lembraram de um ato que estava acontecendo na Assembleia Legislativa em defesa da democracia e ao qual nos dirigimos, pois considerei que o medo não devia tomar conta de quem está sendo acusado de “subversão”.
No sábado, 14/8, participamos de manifestação no calçadão de ato em defesa da democracia e por eleições diretas que à época mobilizava a cidadania e pelo fim da ditadura militar, não apenas no Brasil, mas em muitos países da América Latina (Bolívia, Peru e Colômbia).
É de ressaltar o depoimento de segunda-feira (16/8), o qual foi realizado com base em dossiê que a PF dispunha, recheado de fotos e documentos que atribuo à Assessoria de Segurança e Informações (ASI) da UFSC, pois constavam detalhes de quem era perseguido em todos os ambientes em que circulava dentro da universidade.
Perguntaram sobre as assembleias e atos públicos em que participava ativamente com intervenções consideradas ideologicamente subversivas, de relações que mantinha com colegas e amigos professores, técnicos-administrativos e estudantes, de reuniões no Bar do Básico e até no Comando Local de Greve.
Queriam que delatasse colegas como militantes em partidos considerados clandestinos ou de movimentos de esquerda. Queriam que admitisse que integrava os quadros do PC do B e que o material que tinham recolhido em casa era todo considerado altamente perigoso, alegando inclusive que tinha contatos internacionais com movimentos no México, Colômbia, Bolívia, Peru, Uruguai, Argentina e Chile.
O interrogatório de segunda foi acompanhado pelos quatro advogados antes citados e durou das 14 às 20h, mostrando documentos e fotos que constavam do dossiê nas mãos do delegado da PF, mas que considerei, nos meus comentários junto ao delegado da PF, impreciso e repleto de erros dos relatos realizados por amador da área de informações.
Lembrando esses fatos ocorridos há 40 anos, me faz refletir de como os tempos pouco mudaram, pois convivemos numa conjuntura em que a democracia está em xeque diante de ataques aos princípios básicos do estado democrático de direito e ainda com a propagação de ódio e violência por parte do maior representante do país.
Como disse Isidora Dolores Ibarruri Gómez (La Pasionária): “OS FASCISTAS, NO PASARÁN!”.
*Professor do Departamento de Informática e Estatística (INE/CTC) e Diretor de Assuntos de Aposentadoria da APUFSC (2020-2022)