Número de bolsas para pesquisas científicas cai 17,5% na gestão Bolsonaro

Em entrevista ao Valor, presidente da ABC sugere que o governo atua para inviabilizar recursos do FNDCT

A concessão de bolsas para pesquisa científica e para formação de docentes despencou no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) na comparação com a gestão anterior. Dados obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação revelam queda de 17,5% no número de bolsistas contemplados pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e de 16,2% pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

“O ex-ministro da Educação [Milton Ribeiro] chegou a dizer [em agosto do ano passado] que a universidade é feita para poucos”, lembra a presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), a biomédica Helena Nader. “A redução nas bolsas é uma política deste governo, que não entende a importância que é a educação e a ciência.”

A média anual de bolsistas do CNPq caiu de 88,9 mil no governo Dilma Rousseff (PT)/Michel Temer (MDB), de 2015 a 2018, para 73,3 mil na atual gestão. Uma redução de 17,5%. Na comparação com o primeiro governo Dilma (91,4 mil), a queda é de 20%.

Essa queda já havia se intensificado de 2015 para 2016 (de 105 mil para 91 mil), após o impeachment de Dilma. Em 2019, primeiro ano da gestão do Bolsonaro, caiu para 74 mil e no ano seguinte atingiu o menor patamar do período analisado (65,8 mil) antes de ultrapassar as 80 mil bolsas no ano passado.

Procurada, a entidade e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação não responderam até esta publicação. O CNPq já atribuiu a redução de bolsas ao corte orçamentário após o fim do programa Ciências sem Fronteiras, que financiou cerca de 93 mil bolsas de estudo para estudantes brasileiros no exterior de 2012 a 2016.

FNDCT

Primeira mulher a assumir a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em 105 anos, a bioquímica Helena Nader, convidada da Live do Valor dessa quarta-feira (20), defende o investimento em ciência como política perene de Estado. Ela alerta ainda para fenômeno crescente no financiamento do setor nos últimos anos: a substituição progressiva do orçamento regular de instituições por repasses inconstantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT). Para piorar o cenário, afirma, a gestão desse fundo está asfixiada por manobras fiscais do governo federal.

“O Brasil investe muito pouco em ciência e educação. E o investimento na cadeia de educação, ciência básica e aplicada e inovação seguem sendo cortados. A inovação no Brasil está em 60º lugar entre 200 países. Entretanto, entre os 10 bancos mais rentáveis do mundo, quatro estão no Brasil”, compara ela, para sublinhar a disparidade das opções do Estado brasileiro.

Sobre o FNDCT, ela projeta que o instrumento deve arrecadar entre R$ 8 bilhões de R$ 8,5 bilhões este ano por meio dos 14 fundos setoriais que o irrigam. O Fundo foi criado para atuar de forma suplementar no fomento à inovação, mas tem sido a tábua de salvação de universidades, institutos federais e mesmo projetos no âmbito das Forças Armadas, o que traz instabilidade e disputa irracional por recursos para o setor, diz a pesquisadora e professora titular da Escola Paulista de Medicina, na Unifesp.

Após experimentar a pior execução orçamentária dos últimos dez anos — R$ 3,3 bilhões discricionários (livres de gastos com pessoal), dos quais somente R$ 2,1 bilhões foram executados —, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) teve sua dotação reajustada para R$ 6,9 bilhões no Orçamento de 2022. O montante geral previsto para a pasta e suas autarquias, que inclui a folha de pagamentos, é de R$ 9,9 bilhões. Mas nem o mais otimista dos cientistas tem razões para crer que esse montante será de fato aplicado este ano.

Fontes: UOL e Valor