Reforma administrativa foi aprovada em Comissão Especial e agora aguarda votação da Câmara
Na manhã do terceiro dia do Seminário Proteção do Trabalho como estratégia para a saúde como bem comum: democracia e defesa do SUS para todas as pessoas, promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Organização Pan Americana de Saúde (Opas), ocorreu a roda de conversa com o tema Re(De)forma Administrativa: Como ficam os serviços públicos com o ajuste fiscal proposto que reduz o estado?
Mediado pela presidenta do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo, Fernanda Magano, a conversa contou com a participação da deputada federal Alice Portugal, de Gilberto Barichello, diretor presidente da Fundação Municipal de Saúde de Canoas (RS) e de Fausto Augusto, representante do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas (Diesse).
Direitos como mercadoria
Fausto abriu os trabalhos fazendo uma contextualização histórica recente do que qualificou como “transferência dos recursos do Estado para a iniciativa privada”. Segundo ele, esse movimento tem como principal marco emblemático a Emenda Constitucional 95, de 2016, que estabeleceu o teto para os gastos públicos por 20 anos. “O teto não permitiu que se expandisse uma política pública de assistência social relativamente barata”, afirmou, considerando esse engessamento uma das causas do aumento extremo da pobreza no último período. “Quando se discute a PEC 32 [reforma administrativa] não podemos esquecer da emenda 95, que é, de certa maneira, a mãe das reformas”.
Em 2017, outra reforma, a trabalhista, impôs pesados prejuízos à população trabalhadora. Para o técnico do Dieese, os principais objetivos eram enfraquecer o poder do movimento sindical, retirando o monopólio da negociação (que passa a ser feita diretamente entre empresa e empregado individual); e promover terceirização indiscriminada, com a quebra do conceito de atividade-fim e ampliação do poder do mercado. “A desconstrução do movimento sindical é, de longe, a principal intenção da reforma trabalhista”, afirmou Fausto Augusto.
Governo Bolsonaro
Em 2019, já sob o atual governo, aprofunda-se o modelo de privatização do Estado. Acontece a reforma da Previdência. “Quando Guedes [Paulo Guedes, ministro da Economia] apresenta a proposta de reforma, ele busca implementar o modelo chileno de Seguridade Social, isso significa privatização da Previdência, da Saúde e focalização da Assistência Social. A ideia [de Guedes] sempre foi essa: a de que a questão previdenciária é um problema individual. Na Saúde, a mesma coisa, quem tem condições paga pela saúde privada, quem não tem, o governo dá um voucher para ser utilizado na iniciativa privada”. Felizmente, lembrou o palestrante, a sociedade conseguiu barrar o sistema de capitalização.
Para Fausto Augusto, todas essas reformas caminham na direção da privatização do Estado e transferência dos recursos públicos por meio de vários movimentos: a contratação de serviços da iniciativa privada (por meio de modelos como o das Organizações Sociais), o enxugamento dos recursos com medidas que visam diminuir a contribuição do setor privado (nesse momento, por exemplo, no Congresso, se discute a desoneração da folha de pagamento das empresas) e a transferência de fundos com os tais vouchers.
PEC 32
Para completar esse atual quadro sombrio está a discussão da PEC 32, que traz a iniciativa privada para dentro do Estado, acaba, na prática, com a estabilidade do servidor público e enfraquece ainda mais o Estado como regulador do mercado e da sociedade. Esse modelo ultraliberal, segundo Fausto Augusto, transforma direitos em mercadoria – a sociedade deixa de ser formada por cidadãos (que têm direito à cidadania) e passa a ser constituída por consumidores, quem tem dinheiro, tem direitos, os demais (cerca de 80% da população) virem-se.
Aposta na mobilização
Em sua intervenção, a deputada Alice Portugal fez um contundente ataque à PEC 32. “A proposta é péssima, nunca se viu um texto tão ruim e prejudicial aos trabalhadores, nem no governo FHC. É uma reforma extremamente cruel”, salientou a parlamentar.
Ela elencou vários pontos para os servidores e a sociedade se posicionarem contra a reforma administrativa. Entre eles, o fim da estabilidade, por meio de mecanismos como a obsolescência (quando uma função deixa de ser necessária), avaliações subjetivas de competência, possibilidade de o presidente da República extinguir órgãos e cargos “com uma simples canetada”, contratação temporária por até 10 anos, entre outras e, assim, enfraquecer o papel do Estado como indutor de políticas sociais, e o funcionalismo como carreira de Estado primordial para o desenvolvimento do país. “Essas teses são muito perigosas para o Estado brasileiro”, afirmou, “imagine se os datilógrafos tivessem sido demitidos em vez de serem requalificados como digitadores e outras profissões? Paulo Guedes não quer servidores com qualificação profissional”.
Segundo a deputada, no entanto, o governo está com dificuldade de obter maioria para a votação da PEC, o projeto já passou por todas as comissões e se encontra com o presidente da Câmara, o deputado federal Arthur Lira para colocar em votação, o que não foi feito ainda porque o governo teme uma derrota. “Temos, diariamente, duas mil pessoas aqui na frente do Congresso protestando contra essa PEC, a sociedade começa a entender o desastre que significa essa reforma e a pressionar os deputados em suas bases”, salientou Alice Portugal.
Para ela, os movimentos devem apostar na mobilização social como forma de evitar que essa PEC seja posta em votação. Ela acredita que no próximo ano, com a proximidade da eleição, será mais difícil a proposta obter maioria no Congresso, por isso, todas as atenções devem estar voltadas para barrar a votação da PEC ainda este ano.
Enfraquecimento da participação social
Gilberto Barichello, por sua vez, chamou a atenção para o “desmonte do conceito de saúde como direito”, embutido na PEC 32, o que leva à “quebra da cidadania” e irá provocar, segundo ele, uma grande fuga da inteligência institucional do Estado. Vai diminuir a eficiência estatal e aumentar a corrupção. “Quem garante a continuidade das políticas públicas não são os altos cargos, mas o serviço público do dia a dia, a inteligência institucional, que será fortemente afetada com essa reforma. No contexto desse modelo, órgãos como o Conselho Nacional de Saúde vão sumir”, alertou.
Para Barichello, o conjunto de reformas promovidas nos últimos anos fizeram a sociedade retroceder e deixar de exercer o controle social sobre as políticas de governo.
“Temos hoje 120 milhões de brasileiros em insegurança alimentar” e não se pode contar com a iniciativa privada para resolver isso, afirmou. Como exemplo da necessidade dessas políticas, citou que no Rio Grande do Sul, 80% dos leitos de UTI criados durante a pandemia foram nos hospitais públicos. Para ele, se dependesse do setor privado, a pandemia teria vitimado muitos mais brasileiros.
Fonte: Conselho Nacional de Saúde