Por Renato A Rabuske*
Antes de mais nada cumprimento a todos os leitores deste portal, que sobreviveram à pandemia da covid-19, que assola o planeta. E aos colegas, que por infelicidade tiverem perecido, seja por causa da covid, seja por qualquer outra razão, porque a saudade é a mesma, que descansem em paz, e aos familiares minha solidariedade.
Assim, forçados que fomos a um recolhimento por esta pandemia, aproveitei este tempo para novas leituras, e para rever o conteúdo de um livro, que eu tinha escrito, sobre a existência de Deus e as verdades do cristianismo, que espero seja lançado proximamente. A elaboração deste livro me proporcionou uma visão mais ampla sobre o pensamento em torno do tema Deus, reinante, e sobre os fundamentos que sustentam esta crença, que gostaria de dividir com todos os que se interessam pelo assunto.
A existência de Deus é um assunto implicante, porque não há provas cabais de sua existência, o que para muitos é suficiente para negá-la. A ciência, que virou guia de vida para grande parte da humanidade, que põe o ser humano como fim último, não reconhece o reino espiritual, por isto nega um Deus com tal natureza, porque não vê uma causa que lhe tenha dado origem. Mas a crença em Deus, em deuses, em espíritos, é muito antiga, tendo provavelmente acompanhado a humanidade desde sua origem, e por isto deve ter uma outra explicação, fora da fantasia humana.
Também, durante esta pandemia, observei um intenso fervor religioso, que me impressionou muito, algo que nunca tinha visto antes. Pessoas que não frequentam igrejas rezam, invocam o auxílio de Deus para seus doentes, e fazem promessas. Eu também rezei, assim como rezo diariamente, pedindo que a vontade de Deus seja feita, na terra e no céu, como diz o “Pai Nosso”. Mas o Deus em que acredito não é um negociador de graças, a ser invocado apenas quando lhe queremos pedir algum favor. O Deus em que acredito é aquele que, por seu desígnio, possibilitou que tudo existisse, e que não intervém, à toa, para resolver os problemas que nós mesmos criamos.
E um tal Deus existe? A religião, refiro-me à religião cristã, sempre apresentou provas da existência de Deus, porém de ordem metafísica, hoje muito contestadas. Assim sobrou-lhe a revelação, cuja credibilidade está diretamente ligada à credibilidade de suas fontes, as Sagradas Escrituras, que são de cunho estritamente religioso.
Mas o que explica a crença em Deus, fenômeno observável na humanidade desde os tempos mais remotos, senão a sua real existência? Porém, o Deus que sempre foi invocado, que agora invocam, e que eu também invoco, é de fato uma realidade existente, ou não passa de uma ideologia, longamente cultivada? É claro que precisei responder esta pergunta para mim mesmo, caso contrário já não estaria mais rezando, e por isto pretendo mostrar também aos leitores o que me deu equilíbrio nesta questão. Porém, também encontrei outros, apresentando arrazoados em contrário, visando contradizer esta crença. O título da bibliografia nº 2 é um exemplo cabal disto.
É claro que a busca por uma resposta a esta questão não é exclusividade minha, mas também já foi, e ainda é preocupação de muitos, dos ligados às ciências, de quase todos os ligados à filosofia, e com certeza de todos os que defendem as verdades do cristianismo. E ao analisar o pensamento dominante, à respeito, nestas três áreas, constatei que todas centram sua atenção num ponto comum, o início do Universo, que parece esconder a resposta tanto procurada. É claro que esta convergência é, de forma estranha, motivada pela explicação bíblica da criação, que é sempre contraposta com a teoria da evolução das espécies, de Darwing, e com a teoria do big bang, como se isto fizesse algum sentido. E há quem se delicie com o “banho” que estas teorias, novas, dão na versão da criação do Gênesis da Bíblia, concluindo de imediato que Deus está sobrando nesta história, o que é logo tido como uma prova de que ele não existe.
Embora pela minha formação acadêmica eu me prenda muito à ciência, é bom ver antes o que a filosofia, sempre considerada a mestra da vida, tem a dizer à respeito. Mesmo que o muito respeitado cientista Stephen Hawking tenha dito que a filosofia, neste assunto, perdeu o bonde da história, temos de ressaltar que quase todos os filósofos, pelo menos os que eu analisei, se dedicam ao problema inicial, e grande parte deles afirma que tudo veio do nada, sendo que muito poucos põem Deus nesta jogada.
E é assim, então, que na filosofia, contrariando o ditado, que do nada não pode provir coisa alguma, boa parte dos filósofos defende que do nada brotou um universo inteiro. Mas isto criou dificuldades nas explicações, como o paradoxo entre o ser e o nada de Hegel, ou a necessidade de descobrir uma razão maior para algo existir, uma exigência de Grünbaum, ou equacionar as antinomias de Kant, ou então, explicar a Nietzsche por que Deus pode existir, mesmo sem ter garantia sobre as intenções de suas criaturas, que gozam do livre arbítrio. Porém, convencer a todos, claro, é uma tarefa impossível a qualquer mortal, por que a origem natural do universo está para o ateísmo, assim como a sua criação por Deus está para as religiões espirituais. É dogma de fé.
Mas a razão se alimenta de razões, de provas, e é na ciência que mais podemos aproximar-nos delas, no caso em questão analisando o que podemos extrair da teoria da evolução das espécies, muito defendida por Richard Dawkins (2), ou vendo a teoria do big bang (1), apenas para citar as duas mais lembradas. E alguma destas teorias explica satisfatoriamente a origem do universo, a partir do nada? Não vi ainda nada que convencesse, mas com certeza há aqueles que queiram discordar, e por isto vou repassar esta questão, de uma forma bastante resumida.
A ciência avançou muito em suas descobertas, e teorias, e creio não ter deixado mais muito espaço para discordar de seus resultados, tornando-se até quase um consenso geral que o big bang deu início ao universo, de forma natural, sob o comando das leis da natureza. Esta hipótese até já teve sua possibilidade demonstrada, matematicamente, por três físicos chineses, façanha publicada na revista Physical Rewiew, o que lhe imprime bastante credibilidade. Estes físicos resumiram sua demonstração da seguinte forma: A partir de flutuações quânticas de um falso vácuo, metainstável, que é um estado que não se sustenta por muito tempo, um desfecho natural foi a criação de uma pequena bolha de vácuo verdadeiro, que inflou agressivamente por uma fração de segundo, de pequena ficando grande, e dando origem a um universo bebê. A velocidade da expansão desta bolha, acima da velocidade da luz, separou pares de partículas virtuais, transformando-as em partículas reais, assim possibilitando a formação da matéria, para que tudo que existe se formasse.
Se você, leitor, não entendeu isto, não se perturbe, pois não é nada simples entender estes resultados, e menos ainda entender as teorias que os produziram. Entender a física atômica, a física quântica, não é para muitos, pois ela até contraria o senso comum de nós entendermos as coisas. Mas teorias importantes precisam ser postas ao nível de conhecimento do público, caso contrário viram dogmas, que você aceita apenas se coincidirem com tua crença. E há livros que aproximaram estas “complicações” ao conhecimento mais popular, como é o caso da bibliografia nº 1, uma das que me foram de muita utilidade.
E duas coisas chamam a atenção nesta narrativa da ciência, a origem do universo a partir do vácuo, um falso vácuo, metainstável, e a intervenção das leis da natureza. Estas duas exigências não fazem parte da hipótese da criação do mundo por Deus, porque a criação divina implica que tudo surgiu do nada. O que a ciência explicou, até agora, é apenas a possibilidade de o big bang ter ocorrido, a partir de uma determinada situação inicial, que no dizer de Stephen Hawking, foi altamente improvável (1). E mais, para que o big bang se realizasse, precisou contar com as leis da natureza, que como explica o mesmo Hawking, levam este nome porque emanam da natureza.
Temos, então, como bem claro, que o big bang não ocorreu a partir do nada, simplesmente porque quando nada existia não havia ainda leis da natureza, que possibilitassem este fenômeno. Mas o big bang ocorreu, e então já devia haver algo, de onde emanaram as leis que o regeram. Mas assim mesmo a ciência proclamou que tinha descoberto como o universo iniciou a partir do nada. Stephen Hawking, confrontado com isto, disse, que era uma desculpa melhor do que Deus. Mas ninguém é obrigado a acreditar em Deus, e nem sei se o já falecido Stephen Hawking acreditava, porém fica muito feio querer convencer os outros usando falcatruas.
A ciência, então, apenas demonstrou a possibilidade de o mundo ter crescido a partir de um vácuo, por força das leis da natureza. Mas o vácuo é algo, e está longe de ser nada, que é a ausência de ser. À respeito diz o físico David Deutsch, da universidade de Oxford: Quando falamos de uma partícula e de uma anti-partícula, aparecendo no vácuo, não é de forma alguma como se passassem a existir do nada. O vácuo quântico é algo extremamente estruturado, que obedece a profundas e complexas leis da física. Não é o nada no sentido filosófico. Um vácuo quântico tem estrutura, e existem coisas acontecendo nele. O big bang aconteceu, mas não responde à questão da existência (in 3).
E quanto à segunda pergunta, é importante a ciência demonstrar que o mundo surgiu do nada? Se a ciência quiser realmente explicar a origem das coisas, é absolutamente necessário que ela explique como o mundo surgiu do nada, pelas forças da natureza, que segundo a ciência, é a força criadora de tudo. O nada não é objeto da ciência física, e nem é detentor de leis físicas. E as leis físicas emanam de algo que já existe (1). De onde, então, emanaram as leis naturais que possibilitaram o início ao universo, se nada ainda existia? Não adianta atribuí-las a instâncias anteriores da evolução do universo, porque esta recorrência não é infinita, por que o universo não é eterno. Se fosse eterno, nossa vez de existir nunca chegaria! Mas estamos aqui!
Os bons resultados propiciados pelos avanços da ciência sempre são úteis, e como se vê, até foram muito bem aproveitados pelo proselitismo materialista, que neles viu a sua melhor resposta à narrativa da criação do Gênesis da Bíblia, aproveitando também esta argumentação para negar a existência de Deus, pois estaria provado que ele sobra nesta história.
Mas ao recorrermos à Bíblia, é preciso antes deixar claro que ela, além de ser um livro religioso, é também a expressão do nível de conhecimento de um povo, a três ou quatro mil anos atrás. Com certeza, hoje, nenhum povo civilizado proporia uma tal narrativa. A teoria da evolução e a teoria do big bang, com certeza, seriam aí incluídos. Mas não queremos reescrever a Bíblia, e sim ver o que ela quis dizer com seu relato da criação do mundo, que assim inicia: “No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra, porém, estava informe e vazia, e o Espirito de Deus pairava sobre as águas”.
O cerne desta afirmação bíblica é que o início foi dado por um ser externo, um criador, e não por leis que regem uma evolução, que pressupõem já alguma existência anterior. Criação, no sentido bíblico, é um surgimento a partir do nada filosófico. Este é o ponto central da questão. E isto nos leva de volta, de novo, à visão da ciência, que como observamos acima, não explicou ainda como o mundo surgiu do nada absoluto. E como o mundo não é eterno, e nem pode ser, este passo inicial, impossível na natureza, é absolutamente necessário.
Esclareço que sou evolucionista, e que, no que concerne à teoria do big bang, e da possibilidade de um multiverso, defendo o ponto de vista da ciência, mas com esta importante observação, estas teorias explicam o big bang, mas não explicam a parte do surgimento do universo que precedeu este fenômeno, e o possibilitou.
Este raciocínio é simples e intuitivo. As duas teorias, como já ficou claro acima, pressupõem condições para as suas aplicações – a teoria da evolução pressupõe uma base, a partir da qual, ou sobre a qual a evolução possa processar-se, e a teoria do big bang, de forma semelhante, exige algo, um vácuo, ou um falso vácuo, perfeitamente definível na física, a partir do qual, e sobre o qual as leis físicas possam atuar. Então, se houve a evolução, e penso que houve, e se ocorreu o big bang, e parece que ocorreu, então também as pré-condições destas duas teorias foram antes concretizadas. Não dá para invocar leis da natureza que ainda não existem. Isto se chamaria de milagre, que só Deus pode realizar. Então, em última instância, apenas um poder de natureza não material pode explicar o real início de tudo. E esta exigência, lógica, torna Deus uma exigência real, e constitui uma forte evidência em favor de sua existência.
Esta conclusão, caro leitor, não deu início à minha adesão ao cristianismo, mesmo por que só recentemente cheguei a ela, e já sou cristão há muito tempo. Mas confesso que até em relação à revelação bíblica eu estava desatualizado. Só recentemente me dei conta que a Bíblia, além de em seu primeiro livro revelar o início do mundo, em seu último, antecipando-se novamente à ciência, também revela o seu fim. Fica ainda sem resposta a razão da existência de tudo, o mistério de Deus, que, conforme a mesma Bíblia, será revelado apenas no fim dos tempos.
O fim do mundo, ou fim dos tempos, também entendido pela religião como a volta do Filho do Homem, Jesus Cristo, como referido na Bíblia, está descrito no Apocalipse, último livro da Bíblia, que contém a descrição de visões reveladoras à respeito, dadas ao Apóstolo de Jesus João. Estas revelações, consideradas enigmáticas, já provocaram muitas discussões, e parece que poucos viram nelas algo de especial. Mas ao rever estas revelações, depois de ter lido a versão da ciência sobre a origem do mundo, fiquei impressionado como esta descrição se aproxima das realidades que a ciência de hoje defende.
A volta do Filho do Homem aparece também anunciada em vários lugares do evangelho, sendo depois também pregada pelos Apóstolos de Jesus, como se pode ler no livro Atos dos Apóstolos (1,11). Mas como já disse, é no Apocalipse, em especial a partir do sexto capítulo, que este assunto recebe contornos de sua possível realidade. Diz: “Houve um grande terremoto; o sol escureceu; as estrelas se precipitaram sobre a terra; o céu afastou-se como um livro que é enrolado” (Ap 6,12 e sgs), e, “já não haverá mais tempo, pois pelo contrário, ao som da sétima trombeta, o mistério de Deus estará consumado” (Ap 10,5-7).
O que aproxima este anúncio à ciência de hoje é que o tempo vai ter fim, depois que o espaço se enrolar como um livro (um rolo na época da profecia). Pela ciência de hoje, o universo é aberto, e pela relatividade geral o espaço-plano é curvado, ligeiramente hiperbólico, distorcido pela massa e pela energia nele contida, sendo espaço e tempo inseparáveis (1). Mas no fim do mundo, conforme a revelação, o espaço sumirá, se enrolando como um livro daquela época. Esta é uma imagem entendível, e até admissível, considerado o conceito espaço-tempo da ciência, embora não possamos imaginar qual poder possa realizar tal feito. Mas supor que o poder que abriu o espaço, na criação do mundo, também tem o poder de fechá-lo, no fim, não é abusar da imaginação. E mais, o fim do tempo, como o anunciado, também é consequência do fim do espaço, o que também coincide com a ciência de hoje.
E a pergunta que em mim não se cala, é, como alguém, que nem João, podia escrever isto há dois mil anos atrás, se não fosse através de uma revelação, como ele afirmou? Minha conclusão é que não há contradição entre religião e ciência. E dá para ter uma fé mais fortalecida com o apoio da ciência. A razão não afasta Deus, pelo contrário o vê como necessário para a origem das coisas. Deus definitivamente não é apenas uma ideologia.
Bibliografia
- Stephen Hawking e Leonard Mlodinow – O Grande Projeto – Ed. Nova Fronteira Participações S.A. – RJ – Original 2010.
- Richard Dawkins – Deus, um delírio – 23ª reimpressão – Companhia das Letras – SP – 2007.
- Por que o mundo existe? Um mistério existencial – Jim Holt – Intrinsica – 2012.
*Professor Titular Aposentado da UFSC.