Em documento divulgado nessa quarta-feira (15), a entidade afirma que “a pretexto de promover uma reforma administrativa, a proposta acarreta retrocessos sensíveis no aparelho de Estado”
Veja a carta na íntegra:
A SBPC manifesta sua oposição à PEC n° 32/2020 que, a pretexto de promover uma reforma administrativa, acarreta retrocessos sensíveis no aparelho de Estado. O primeiro ponto e mais significativo é a eliminação da estabilidade do funcionário público. É preciso lembrar que uma das conquistas éticas da Constituição de 1988 foi a exigência de concurso para ingresso no serviço público, implicando a estabilidade do servidor.
Ambas as medidas, concurso e estabilidade, garantem que o serviço público não seja refém do governo de plantão ou dos partidos que o compõem. Mas as várias mudanças propostas na PEC enfraquecem esses dois pilares da decência na gestão pública.
A PEC permite multiplicar contratos de gestão, que permitirão dispensar os concursos, bem como canalizar recursos públicos para órgãos não submetidos aos controles legais de praxe. Também admite exonerar servidores, mesmo nas carreiras ditas típicas de Estado. Mais grave, ainda, é que somente essas carreiras típicas – que não são definidas – teriam estabilidade, embora condicionada.
Isso significa que carreiras hoje protegidas de vendetas políticas e interesses partidários, como as de professores e pesquisadores, perderão a salvaguarda constitucional que se chama estabilidade. Pode-se imaginar facilmente o desastre que causará a instabilidade dos pesquisadores e professores para os órgãos públicos de educação e pesquisa – e, na verdade, para a educação e a ciência brasileiras.
No caso específico dos professores universitários, são eles que administram a vida acadêmica, ganham projetos por mérito, constroem ao longo de anos toda uma infraestrutura de laboratórios de pesquisa, formando inúmeros recursos humanos; no caso dos profissionais de saúde, são eles que permitem, graças a sua dedicação e às ciências da saúde, salvar vidas e debelar doenças. Estaríamos numa posição muito pior, na presente pandemia, não fossem o SUS e seus profissionais, não fossem o universo da pesquisa e educação e seus servidores.
Acresce que um dos prováveis efeitos da PEC será que professores iniciarão a carreira, no setor público, com salários inferiores aos atuais, tornando ainda menos atrativa uma profissão da qual depende o futuro de nossa sociedade.
Aliás, a PEC torna desnecessário o concurso para ingresso no serviço público – ou seja, favorece claramente a volta das nomeações partidarizadas. A cada troca de governo, seja federal, estadual ou municipal, serão despedidos inúmeros funcionários, para serem contratados aqueles que interessarem ao partido vitorioso nas eleições. Perde-se a noção de um public service profissionalizado, que sirva ao Estado e não aos partidos, o que é um dos segredos do sucesso das administrações nas nações desenvolvidas.
Finalmente, como mostra Nota Técnica elaborada no Senado Federal, o conjunto das medidas não garante nenhuma economia orçamentária – talvez acarrete justamente o contrário – e, além disso, favorece a corrupção. O governo sequer apresentou o impacto fiscal da medida, contando apenas com sua palavra de que a reforma tornará o Estado mais eficiente, ainda que especialistas no tema digam o contrário.
Por estas razões, a SBPC e demais sociedades científicas apelam à rejeição da referida PEC
Fonte: Jornal da Ciência