Mestre atuava na UFSC desde 1990
Faleceu, na última quinta-feira, 22 de julho, aos 57 anos, o educador Valmir Ari Brito, conhecido nas rodas de capoeira como mestre Jimmy Wall. Estudioso das manifestações populares, corporeidade negra, cultura e educação afro-brasileira, o mestre de capoeira também foi mestre em Educação diplomado na UFSC, e atuava na instituição desde os anos 90 com atividades científicas, de formação, culturais e de extensão.
Valmir é lembrado por sua atuação nos grupos e associações de Capoeira Angola que se formaram na UFSC ao longo dos últimos 30 anos e, quando o convívio presencial voltar à vida universitária, sua ausência será sentida nos vários projetos dos quais participava na Universidade. Era presença frequente nas rodas do Grupo de Capoeira Angola Palmares no centro de Florianópolis, na Praça da Cidadania e no Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da UFSC.
Sua formação na UFSC incluiu o mestrado, concluído em 2005, e uma especialização em Gestão do Cuidado para uma Escola que Protege, em 2011, ambas formações pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). No Centro de Ciências da Educação (CED), contribuía com o Grupo de Estudos Biográficos Sartreanos (GEBios) e com o Grupo de Estudos Alteritas: Diferença, Arte e Educação. No Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), era pesquisador do Núcleo de Estudos de Identidades e Relações Interétnicas (NUER). Além disso, ofereceu oficinas e vivências em disciplina optativa do Centro de Desportos (CDS).
Sua dissertação de mestrado aborda o branqueamento da capoeira. Em “A (in) visibilidade da contribuição negra nos grupos de capoeira em Florianópolis”, Valmir aponta que “os mestres dedicam o maior tempo das aulas às práticas corporais, reservando um tempo mínimo para a história do negro e sua contribuição para a história da capoeira. (…) A invisibilidade desses elementos culturais afro-brasileiros que permeiam a capoeira distanciam os praticantes da compreensão e reflexão sobre a mesma e sua importância no cenário nacional e internacional,” escreveu.
“Mestre Jimmy se confundia com a vida da cidade, onde as rodas de capoeira no mercado público tiveram sua maior expressão. Enfrentou as proibições pela polícia e as tentativas de branqueamento da cidade e da capoeira. Militante do movimento negro, reverenciava a ancestralidade por meio da capoeira e da sua religião de matriz africana”, salientou a professora Joana Célia dos Passos, do Departamento de Estudos Especializados em Educação.
A professora Ilka Boaventura Leite, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), coordenadora do NUER, lembra que o mestre era pesquisador atuante. “Uma pessoa muito dedicada, assíduo frequentador, interessado em tudo que tinha a ver com África e Estudos afro-brasileiros. Era uma pessoa muito afetuosa com todos os estudantes mais jovens, sempre trazia contribuições relacionadas a suas leituras e vivências. Apoiava pessoas com fragilidade social através da capoeira e via na capoeira uma forma de retirar as pessoas, sobretudo jovens, das atividades de risco e marginalidade social. Sempre muito religioso, preocupado com as práticas religiosas de matriz africana, foi consultor do projeto que coordenei realizado pela UFSC em convênio com o IPHAN (livros disponíveis no site)”.
Um dos ex-alunos do mestre Jimmy, Fábio Garcia atualmente é escritor, mestrando do PPGE e fundador de uma editora que prioriza livros de autores negros, a Editora Cruz e Souza. Fábio salienta que só é escritor hoje graças à consciência negra, despertada nele pelo mestre de capoeira. “No ginásio Alberto Campos, no Estreito, ele iniciou centenas de jovens no universo da capoeira. Ao final de cada treino havia as rodas de conversas…e o mestre sempre dizia ‘não quero aluno burro, vão estudar’”, relata Fábio, sobre as aulas de capoeira em 1995 com o mestre Jimmy.
O professor Fábio Machado Pinto, o Bagé na capoeira, recentemente foi redistribuído para a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), mas lecionava na UFSC desde 1996 e continua na instituição como professor voluntário do PPGE. Orientador de mestrado de Fábio Garcia, o professor Fábio convivia com Valmir em diversas atuações no CED e CDS. “Jimmy foi um camarada muito especial, sua marca sempre foi: uma fala impactante, a pausa, uma gargalhada matreira. Trilhamos juntos muitos caminhos, nos afastamos, reencontramos, trabalhamos, escrevemos artigos, realizamos rodas, oficinas, cursos, formação de professores e educadores populares, rimos, lutamos, apanhamos, batemos, entrevistamos, pesquisamos… o cultivo de uma boa amizade, até o fim”, escreveu em uma rede social.
O professor reitera que são tantas as contribuições de Valmir à Academia, em especial à UFSC, que fica difícil resumir. Pelo relato dele, onde havia a oportunidade de ensinar sobre a capoeira, sobre a cultura e educação afro-brasileira, o amigo era presença confirmada. Sua atuação foi reconhecida, em 2015, pela Câmara Municipal de Florianópolis, com a outorga da Medalha Cruz e Souza.
>> depoimento de Valmir Ari Brito ao receber a Medalha Cruz e Souza
“Foi, de fato, um daqueles que lutou por uma relação mais forte entre a ciência e a cultura popular. Jimmy fez uma trincheira nesse campo e eu pude participar com ele. Realizamos pesquisas e estudos, além de eventos sociais, culturais e acadêmicos. Em 1999 iniciamos a primeira pesquisa histórica sobre a capoeira da Ilha. Organizamos muitos eventos juntos, ensinamos professores da rede pública, mostramos a capoeira nas escolas e comunidades, escrevemos livros e artigos, conferências em eventos de todo o tipo, escrevemos manifestos pela autonomia da capoeira frente a Educação Física, enfim… Foram inúmeros trabalhos”, complementou.
Valmir também participou de obras importantes para os estudos da área, como livros, documentários e pesquisas históricas, como a “Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil”, e com conhecimentos que ajudaram a embasar o argumento para que, em 2015, o CED concedesse o reconhecimento de Notório Saber ao Mestre Nô, por sua atuação como educador popular e mestre de capoeira.
A professora Ilka e o professor Fábio destacam que Valmir pretendia fazer doutorado na UFSC, e já estava tentando há alguns anos ingressar nos programas. Infelizmente, uma doença autoimune que, desde 2017, debilitava a saúde do educador, interrompeu seus planos. Valmir veio a falecer em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico, no Hospital Universitário da UFSC. O mestre deixa dois filhos, e quatro netos. Recebeu as homenagens dos amigos em uma cerimônia reservada no último sábado, 24 de julho.
Fonte: Notícias da UFSC