Neste dia da Ciência e do Cientista, pesquisador Roberto Lent reforça o alerta pela falta de apoio a setor no país, em artigo para O Globo
Hoje é o Dia do Cientista, criado em homenagem à fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, nesta data, em 1948. Quem é esse personagem, hoje admirado pela opinião pública, mas tão maltratado pelos governantes?
Em primeiro lugar, desfaçamos um mito. Cientistas não são necessariamente gênios. Einstein era, OK. Mas, em grande maioria, eles são apenas profissionais treinados para fazer perguntas e respondê-las com uma metodologia rigorosa. que envolve o cultivo da curiosidade, criatividade e raciocínio lógico.
Bem, essa é a primeira chave: os cientistas devem ser treinados. Por consequência, todo país deve dispor de um forte processo de formação de pesquisadores. O Brasil descobriu isso lá atrás, nos anos 1950, quando foram fundados o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). O CNPq se destaca pelo programa de bolsas de Iniciação Científica, que estimula alunos de graduação a estagiar em laboratórios de pesquisa. E a CAPES enfatiza bolsas de pós-graduação.
Um futuro cientista deve começar a ser estimulado quando criança, e aí já temos um problema. Poucas escolas têm laboratórios, e faltam professores bem treinados e remunerados. Tudo bem: na universidade, alguns poucos podem conquistar uma bolsa mensal de R$ 400 e tentar participar de um projeto de pesquisa. Alguns desistem no caminho, mas outros decidem seguir a carreira científica ao se formar e ingressam numa pós-graduação. Grande conquista: agora, aos 20 e poucos anos de idade, merecem uma bolsa de R$ 1.500 no mestrado, R$ 2.200 no doutorado. Formam-se mestres e doutores com 30 anos e… onde estão os laboratórios de pesquisa em que podem trabalhar como profissionais?
Eles existem, porque nestas sete décadas passadas o país construiu um sistema de pesquisa nas universidades públicas e poucas instituições privadas. Eles insistem, porque o orçamento deste ano é o menor do século 21. Uma alternativa para os sobreviventes: conseguir um pós-doutorado no exterior. Investimento importante para o país, se houver uma política de atraí-los de volta, nesta altura já bem formados como cientistas.
Quando eu cumpria essa fase nos EUA, na década de 1980, ficava admirado com o crescente número de chineses no “país inimigo”, que depois voltavam à China com recursos parrudos e crescentes. Os chineses não eram bobos, os americanos tampouco. A China financiava a formação científica de seus jovens contribuindo com a ciência dos EUA. Usava a ciência americana para formar seus cientistas. Um jogo de ganha-ganha que em algumas décadas construiu as duas maiores potências científicas do mundo.
Para resumir: essa generosa comemoração do Dia do Cientista deve servir de alerta. Não só não chegamos perto de ombrear o sucesso da China e dos EUA na construção de uma ciência robusta, como estamos agora em franco declínio, ameaçados de perder o que os governos de distintas bandeiras construíram como política de estado há várias décadas.
Artigo assinado pelo cientista Roberto Lent, publicado no Globo