Autor do documento, Alexandre André dos Santos, enviou nesta quinta (5) requerimento ao presidente do órgão pedindo pela publicação
Responsável pela formulação de estudos e pesquisas educacionais no país, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sofreu nesta semana mais uma interferência política em sua atuação. Um artigo assinado pelo pesquisador do órgão Alexandre André dos Santos que demonstra resultados positivos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), implementado durante o governo Dilma Rousseff (PT), teve a publicação barrada, transgredindo os procedimentos técnicos adotados pelo órgão até aqui.
Nesta quinta-feira (6), o pesquisador concursado do Instituto enviou um requerimento ao presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro, pedindo pela publicação do artigo intitulado “Avaliação Econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”. Foram quatro meses de investigação sobre o Plano que recebeu um investimento de R$ 2,6 bilhões e foi uma das bandeiras do governo Dilma. No estudo, Santos demonstra que o Pnaic, implantado em 2012, trouxe impactos positivos para a aprendizagem de matemática e linguagens. O programa atingiu o objetivo de acelerar a alfabetização das crianças na idade correta e o retorno econômico do programa mostrou um efeito positivo do investimento. Como ele complementa, também contribuíram para o sucesso do Plano o apoio das universidades federais e o estímulo à adesão de professores por meio de bolsas.
“O estudo trata de uma política que recebeu grande investimento e é importante para a sociedade saber sobre a qualidade do serviço público”, expõe. Para ele, essas discussões são ainda mais relevantes neste período de pandemia. “No momento em que enfrentamos uma dificuldade absurda para garantir a aprendizagem, um estudo dessa natureza pode ajudar a entender caminhos possíveis para recuperarmos o que perdemos no período sem aulas presenciais. Imaginamos que a publicação ia dar vazão a esse debate”, complementa.
O artigo foi elaborado em parceria com o pesquisador da FGV Renan Gomes de Pieri, utilizando bases com professores de todo o país e passou por todo o processo padrão para a divulgação em “Textos para a discussão”, do Inep, sendo submetido inicialmente em 19 de agosto de 2020. O material passou por dois pareceristas, que foram favoráveis à publicação. No último dia 30, Santos recebeu a última versão do texto, já diagramado, com a informação de que a publicação seria feita no dia 3 de maio, o que não ocorreu. “E então veio a vaga alegação de que vão criar um novo comitê editorial para submeter os artigos. Mas não há nenhum documento técnico que dê sustentação a isso”, destaca.
Ele informa que, a partir daí, seguiram-se conversas atravessadas e informações desencontradas. Diante disso, o pesquisador decidiu elaborar o requerimento, em que pede pela publicação do documento. E, caso isso não seja feito, que ao menos o documento saia da classificação de “documento preparatório para publicação”. “Essa classificação me proíbe de qualquer divulgação do estudo”, informa o professor.
Para o pesquisador, a não-publicação do material atinge os preceitos democráticos. “A censura no artigo vem no contexto de um processo de desmonte do Inep e fere os preceitos democráticos e republicanos”, destaca. No mês passado, servidores do Inep já tinham elaborado uma carta em que destacaram a importância da independência política no órgão que é vinculado ao Ministério da Educação. A carta trata ainda do risco de nomeações ideológicas no órgão, que já teve quatro mudanças de comando durante o governo Bolsonaro.
“Se discordam do resultado do estudo, que façam outro, com base científica; o debate da ciência é dialético. Tem que seguir essas balizas, para respeitar a técnica, a ciência, a boa pesquisa e seguir os preceitos democráticos”.
O prazo para resposta ao requerimento de Santos à presidência do Inep é de cinco dias úteis, podendo ser de 10 dias úteis, mediante justificação.
O que diz o Inep
Em nota, o Inep informa que não houve a negativa sobre a publicação do artigo. O Instituto esclarece, no entanto, que a diretora de Estudos Educacionais, Michele Melo, que assumiu dia 26 de abril, manifestou a Santos que “a publicação não seria feita na data prevista, em 3 de maio, e daria continuidade ao processo após ler os documentos necessários”. Perguntado sobre quando o artigo será publicado, o órgão diz que “desde então, tem sido analisado qual seria a melhor formar de viabilizar a publicação do conteúdo”. De acordo com o Inep, a instalação do Comitê Editorial é uma iniciativa da diretora, com o objetivo de “reforçar o processo de publicações do Instituto e garantir a excelência no processo e o resguardo institucional referente aos conteúdos a serem publicados”.
O Inep ainda destaca que o autor do artigo poderia ter informado sobre a questão via o canal interno “Fale com o presidente”, criado dia 30 de abril.
Imprensa Apufsc