Segundo o documento, assinado por mais de cem entidades, proposta atenta contra princípios basilares da Constituição e fere autonomia universitária
O Fórum Nacional Popular de Educação divulgou nesta semana uma carta pública contra o projeto de lei que prevê o retorno das aulas presenciais em escolas e instituições de ensino superior durante a pandemia. O PL 5.595/20 também estabelece a educação como serviço essencial. Mais de cem entidades assinam o documento.
“A decisão da Câmara dos Deputados que aprovou o PL 5.595/20, forçando o retorno às aulas presenciais em instituições públicas e privadas de nível básico e superior, atenta contra princípios basilares da Constituição. Em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Além disso, o projeto fere os princípios da autonomia universitária (art. 207 da CF/1988) e subverte o conceito de atividade essencial definido em legislações anteriores, plenamente vigentes, com destaque para as leis 7.783/89 e 13.979/20″, destaca um trecho do texto.
Leia a carta na íntegra:
Entre os direitos sociais expressos no art. 6º da Constituição Federal (CF/1988), a educação aparece em primeiro lugar. Esta política primordial para formar os sujeitos em suas mais amplas perspectivas humanas, à luz de uma sociedade inclusiva, igualitária e de paz, conta com capítulo específico na Carta Magna, o que reforça seu caráter essencial.
Os direitos constitucionais, sobretudo nas dimensões fundamental (à vida e à liberdade), social (da coletividade), humanitária (que impede genocídios humanos, culturais e ambientais), democrática, entre outras, exigem sopesar as diferentes prioridades da sociedade em momentos de crise, como o atual, para melhor atender aos diversos fundamentos do Estado Democrático de Direito
A decisão da Câmara dos Deputados que aprovou o PL 5.595/20, forçando o retorno às aulas presenciais em instituições públicas e privadas de nível básico e superior, atenta contra princípios basilares da Constituição. Em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Além disso, o projeto fere os princípios da autonomia universitária (art. 207 da CF/1988) e subverte o conceito de atividade essencial definido em legislações anteriores, plenamente vigentes, com destaque para as leis 7.783/89 e 13.979/20.
Segundo o parágrafo único do art. 11 da Lei 7.783/89, as necessidades inadiáveis, também ditas essenciais, “são aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. Ora, no atual contexto da pandemia, são as aulas remotas que garantem as três condições de essencialidade da supracitada lei, podendo a presencialidade de quase 60 milhões de estudantes e trabalhadores em educação nas escolas e universidades comprometer, ainda mais, as já limitadas medidas de isolamento social requeridas pelas autoridades sanitárias do Brasil e do mundo para conter o coronavírus em nosso território.
A ausência de coordenação federal no enfrentamento da pandemia, com destaque para as medidas de isolamento social, de protocolos científicos sanitários e de vacinação – sendo notória a insuficiência de vacinas, inclusive para grupos prioritários, e sua distribuição desproporcional entre localidades de um mesmo estado da federação –, são fatores que comprometem políticas federativas homogêneas de largo alcance, a exemplo do retorno presencial às atividades educacionais. A falta de medicamentos essenciais, a compressão no sistema de saúde (manifestamente em UTIs), as altas taxas de infecção e mortalidade e a recorrente incapacidade do Estado em prover condições para superar a pandemia no curto e médio prazo reforçam a impertinência da proposta parlamentar aprovada pela Câmara dos Deputados.
Na tentativa de superar as contingências impostas pela União aos entes subnacionais e, consequentemente, à população brasileira – muitas delas alvos da CPI instalada nesta Casa –, o Supremo Tribunal Federal deu provimento à ADPF 672, reconhecendo e assegurando o exercício da competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras. E o PL 5.595/20 visa confrontar essa decisão do STF que concedeu protagonismo à autonomia federativa, cláusula pétrea da Constituição Federal, inclusive e expressamente, no que tange às atividades educacionais.
O negacionismo da doença (covid-19) e de medidas preventivas para sua contenção colocou o Brasil entre as nações com maior letalidade na pandemia. E para que a atual situação dramática não se acentue, as comunidades escolar e universitária sugerem aos senhores e senhoras senadores(as) a rejeição do PL 5.595/20, e trazer para discussão projeto voltados a implementação de políticas que garantam retorno seguro, financiamento para universalização das condições para o ensino remoto, buscando estabelecer aquilo que é essencial (e ainda omisso) nas orientações da União. O que o país precisa são de diretrizes científicas, mais investimentos e coordenação para enfrentar as condições epidemiológicas em cada território, estruturando as escolas com base nos métodos de testagem, rastreamento e isolamento social, buscando atender aos amplos requisitos sanitários que envolvem a garantia de equipamentos de proteção individual – EPIs nas escolas e nos lares da população.
O momento exige a escuta daqueles que estão na ponta dos processos de enfrentamento da pandemia, especialmente os especialistas em saúde pública e os gestores estaduais e municipais (Governadores, Prefeitos, Secretários de Educação, Saúde, Assistente Social, entre outros). Também precisam ser ouvidos os trabalhadores e as trabalhadoras em educação, estudantes e pais. Nos territórios onde as aulas presenciais retornaram têm se verificado a baixa adesão das famílias. E isso deve ser respeitado! Não se pode impor mais riscos desnecessários à população! A CPI da pandemia do coronavírus é um grave alerta contra o negacionismo dirigente de ações e de omissões do Poder Pública!
O PL 5.595/20 traz outro objetivo implícito que precisa ser desmistificado: a penalização sumária de trabalhadores/as que se opuserem às aulas presenciais sem as condições de segurança sanitária indispensáveis, no exercício de seu livre direito de organização e mobilização sindical. Trata-se de uma posição injusta, fundada numa falácia. Mesmo com mortes crescentes na categoria, em muitos lugares onde as aulas retornaram de forma presencial ou híbrida, professores e funcionários da educação têm cumprido suas obrigações, muitas vezes sem as condições previstas em protocolos sanitários e nas relações de trabalho. E é isso que precisa ser evitado! Antes de obrigar aulas presenciais é preciso garantir condições sanitárias, exames de diagnóstico sistemáticos em massa, celeridade na vacinação da população, investimento na infraestrutura física e acesso universal aos recursos tecnológicos e de conexão digital de qualidade em todas as unidades educacionais.
A educação brasileira requer mais cuidado e mais investimento!
Pela derrubada imediata do veto presidencial nº 10/2021, que possibilitará atender com mais qualidade a todos/as os/as estudantes do país durante a pandemia!
Mais vacinação para todos os brasileiros e as brasileiras, inclusive dos rincões do país!
Pela rejeição do PL 5.595/20 e pela aprovação de projeto de retorno seguro, como o PL 2949/20!
Pelo respeito à decisão do STF que conferiu ampla autonomia aos entes federados para organizarem medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus, inclusive de retorno às aulas presenciais!
O Senado é a Casa da Federação convocada para defender o pacto e a autonomia federativa!
Fonte: FNPE