Opinião do vice-presidente do Conselho Estadual de Educação SP, publicada na Folha de S. Paulo, é que educadores já perderam as esperanças de mudanças sob o governo Bolsonaro
Confira a opinião de Hubert Alquéres, membro da Academia Paulista de Educação, vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro e vice-presidente do Conselho Estadual de Educação, publicada em edição desta quinta-feira do jornal Folha de S. Paulo:
“Até a metade a década de 1990 o Brasil não tinha um diagnóstico do seu sistema educacional. As políticas públicas voltadas para a área eram formuladas sem evidências ou instrumentos científicos. Essa realidade começou a ser mudada na gestão do ex-ministro Paulo Renato Souza, quando surgiu um sistema de avaliação no país – Enem (1998), Provão (1996), Saeb (na reformulação de 1995) –, e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) passou a ter um papel estratégico para a melhoria do ensino, sobretudo o básico, e para o acesso ao ensino superior. Desde o ano 2000 o país também participa do Pisa, exame internacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2007 surgiu o Ideb.
Mudaram-se governos, mas o sistema permaneceu e foi fortalecido com o tempo. Hoje há um largo consenso sobre a importância do Enem e da relevância da avaliação, ao contrário dos tempos de sua criação, quando sofreu resistências do corporativismo e do atraso de quem o considerava como obra do neoliberalismo.
A cultura avaliativa só não é unanimidade porque o viés ideológico de uma direita fundamentalista incrustada nos postos de comando do MEC a vê como instrumento do comunismo.
Na gestão de Milton Ribeiro, quarto ministro da Educação do governo Bolsonaro, o Inep passa por um desmanche, com o esvaziamento de suas funções e a debandada de quadros qualificados. A atualização do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico –Ideb, que avalia as escolas– saiu da alçada do instituto, migrando para o controle da Secretaria Executiva do MEC. O ministério também iniciou processo para elaborar uma prova de alfabetização, elemento vital para a credibilidade do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), sem a participação do Inep.
No momento, o grande foco do ministro da Educação é a aprovação de uma lei que viabilize o ensino domiciliar, o chamado “homeschooling”. Ribeiro defende que a missão de socialização das crianças e adolescentes desempenhada pelas escolas seja da “família, clubes, bibliotecas e até pelas igrejas, por que não”? E pensar que a Constituição define a educação como laica…
A prioridade dada ao tema é emblemática e escancara uma distorção: estima-se no Brasil a existência de 35 mil famílias dispostas a migrar para o ensino familiar –um universo de crianças bastante residual, se comparado com os 47 milhões de estudantes das redes municipais e estaduais do ensino básico.
Prioridades invertidas, visão distorcida por lentes ideológicas, que enxerga professores e livros escolares como instrumentos de lavagem cerebral e de propaganda do comunismo, levam a educação brasileira a se comparar ao cargueiro Evergreen, encalhado no Canal de Suez durante seis dias.
O canal no qual a educação está encalhada é o do lodaçal ideológico. Daí só sairá se a maré mudar. No governo Bolsonaro, impossível. Os educadores já perderam todas as esperanças de que alguma coisa boa saia de uma gestão que é a continuidade do weintraubismo por outros meios.”
Leia na íntegra: Folha de S. Paulo