Norma de dezembro de 2019, que fala sobre aprendizagens essenciais, deve ser implementada até este ano; medida vem recebendo críticas
Uma medida que trata de diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial de professores para a educação básica vem gerando preocupação entre especialistas em educação no país. Na visão dos docentes, a resolução n.2 de dezembro 2019, que institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), amplia a influência do capital privado, enfraquece a rede pública e desprivilegia a formação acadêmica inicial. Para esses especialistas, a norma segue em prol de uma ênfase técnica e de uma padronização de currículos e avaliações.
“A resolução produz uma desqualificação na formação inicial dos professores, direcionando para uma formação tecnicista e pragmática”, alerta a professora aposentada da Faculdade de Educação da Unicamp e integrante da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação (Anfope), Helena Costa Lopes de Freitas. “Com essa resolução, as universidades não têm mais autonomia didático-científica e pedagógica para a definição da organização dos seus cursos”, complementa a professora emérita do Colégio de Aplicação da UFSC e do Centro de Ciências da Educação, Leda Scheibe.
Antes dessa norma de 2019, estava em voga a resolução de 2015 que, segundo as especialistas em educação, foi elaborada após uma extensa discussão e debate com os professores. Mas, as mudanças começaram em 2016, quando Michel Temer assumiu a presidência. Em 2017, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), que buscou padronizar os currículos de educação básica e alinhar a avaliação censitária dos estudantes nos exames nacionais, do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), a processos de responsabilização de escolas, professores e gestores. Ou seja, o resultado nas avaliações passariam a determinar políticas de punição e premiação de escolas.
A implementação das diretrizes de 2015 foi, então, postergada e posteriormente revogada pelo Conselho Nacional de Educação, que aprovou, em 2019, a nova resolução, estabelecendo o prazo de dois anos para implementação – que se encerra no fim deste ano. Essa última resolução alinha a formação de professores à Base Nacional (BNCC), estendendo essa padronização curricular e de avaliação a todos os níveis de formação, tanto à continuada, no âmbito da escola, com os materiais didáticos prontos, como à Pós-Graduação, no que é chamado de “coerência sistêmica” da formação.
A professora Helena, da Anfope, acredita que as ações fazem parte de todo um movimento que tem como objetivo enfraquecer a formação docente e especialmente a educação básica e a escola pública. Ao padronizar currículos e avaliações, o intuito é entregar para a iniciativa privada escolas que não tenham o rendimento adequado nesses quesitos pré-determinados. “O objetivo final é a destruição da escola pública, tirando recursos públicos das escolas e entregando para a iniciativa privada”, destaca. “Isso faz parte da lógica de governo de enfraquecer o serviço público e dizer que a escola pública é ineficaz. É a lógica do capital se impondo sobre a educação pública”, afirma.
Para a professora Leda Scheibe, a atual reforma no campo da formação é uma afronta à educação emancipatória e consolida a influência de uma lógica empresarial privatista. “É uma medida de direita, com apoio do empresariado, e que faz parte de um projeto econômico que tem a ver com este governo, com reforma da previdência, de leis trabalhistas”, reitera. De acordo com Leda, a resolução reduz a formação de docentes a uma especificidade técnica, colocando em segundo plano a competência profissional intelectual que proporciona a autonomia frente às decisões relacionadas ao ensino.
Outra grande reclamação de especialistas é a falta de proposição de debates relacionados à resolução de 2019. “Não teve uma divulgação ampla, e agora é que estão surgindo as discussões”, expõe o professor de Geografia Econômica e Social da UFSC, José Messias Bastos. Para ele, é um momento muito ruim de fazer reestruturação dos cursos, “estamos durante a pandemia, tudo tem que ser por vídeoconferência, não é um debate arejado, democrático”, avalia.
A professora Helena reforça que o surgimento da pandemia logo após a aprovação da resolução inviabilizou qualquer possibilidade de discussão curricular. “Por isso, nós da Anfope e diversas entidades de educação estamos pedindo o adiamento do prazo de implementação da resolução”. Para ela, é preciso trabalhar contra a norma, que é um golpe na formação dos estudantes futuros professores. “É uma redução da formação humana integral”, afirma.
No último dia 5, a Apufsc encaminhou ao Pró-Reitor de Graduação da UFSC, Daniel de Santana Vasconcelos, um ofício em que expõe preocupação com a resolução de 2019. Para o Sindicato, a resolução acaba por “secundarizar a formação acadêmica inicial e a própria ciência”. Além disso, de acordo com a Apufsc, “a linha que estrutura o novo percurso formativo, de base prescritiva e impositiva, aumenta o controle sobre o ensino”. O Sindicato pede mais debates e sugere sugere que o assunto seja discutido no Fórum das Licenciaturas.
Implementação esbarra em dificuldades práticas
Há também dificuldades práticas em fazer as adequações propostas com a resolução. No curso de Geografia da UFSC, por exemplo, para atender a todos os requisitos, analisa-se a possibilidade de ampliar o tempo de duração do curso para cinco anos. Para o professor do curso, José Messias, isso reduziria o interesse dos alunos. Além disso, ele acredita que a nova norma tem problemas. “Ela não conserta os defeitos da resolução de 2015, com um excesso de Pedagogismo, e piora no sentido de levar em consideração uma educação privada e elitista”, destaca.
Ele também critica a pressa exagerada em implementar a resolução. “A ciência só avança no debate, na troca de ideias, de experiências, porque as experiências vão se somando”, considera.
Pró-reitoria da UFSC vai propor diálogos sobre resolução
À Apufsc, o pró-reitor de graduação da UFSC, Daniel de Santana Vasconcelos, informou que está se inteirando sobre a questão e, desde que assumiu o cargo, em janeiro, ainda não teve conversas específicas sobre o tema. Mas ele defende uma postura de conversa sobre a resolução. “Precisamos de um diálogo, ouvir os envolvidos, pensar nos encaminhamentos a serem tomados sobre esse assunto”, afirmou o professor.
Imprensa Apufsc