Professor e ex-vice-reitor da UFSC, Carlos Alberto Justos da Silva também falou à Apufsc sobre o ritmo de vacinação na capital
No momento em que Florianópolis acumula 827 mortes por Covid-19 e tem 15 pessoas na fila de espera por um leito de UTI, o secretário municipal de saúde, Carlos Alberto Justus da Silva, o Dr. Paraná defende a adoção de medidas mais restritivas em nível nacional e afirma que, para funcionarem como em outros países é preciso, primeiro, parar de negar sua efetividade. Ele diz, no entanto, que o Brasil não tem condições políticas e sociológicas para fazer um lockdown no momento e que Florianópolis não pode restringir atividades isoladamente, sem que haja um consenso com as cidades da região metropolitana.
Professor e ex-vice reitor da UFSC, Paraná disse que tratamento precoce para Covid-19 não tem qualquer evidência científica e reforçou que as medidas restritivas só serão obedecidas sob liderança de uma figura central, com autoridade nacional.
A aplicação da primeira dose da vacina está suspensa em Florianópolis desde sexta-feira passada, porque o estoque atual é suficiente apenas para imunizar quem já tomou a primeira dose em março. A orientação foi dada pelo Estado depois que o Ministério da Saúde reduziu a previsão de entregas de vacina para o mês de abril.
Até agora, 71,7 mil pessoas receberam a primeira dose da vacina em Florianópolis e 24,9 mil receberam a segunda dose.
Neste Dia Mundial da Saúde, o secretário falou com a imprensa da Apufsc-Sindical sobre o controle da pandemia na capital, vacinação e lockdown.
Florianópolis suspendeu a vacinação da primeira dose e segue aplicando apenas a segunda dose nos grupos prioritários. Qual a perspectiva para retomada da vacinação na cidade?
Temos pela frente um grupo de pessoas que precisa tomar a segunda dose da Coronavac, cujo prazo é de 21 dias. Como não recebemos doses novas, estamos mantendo o estoque de segunda dose para que essas pessoas não percam sua capacidade de imunização. Vamos fazer isso neste final de semana. Recebemos 4,2 mil vacinas para continuar a vacinação, mas como Florianópolis cresceu muito nos últimos anos com a migração, temos vacinado um percentual por faixa etária bem maior do que o previsto pelo IBGE. Quando recebemos as doses, fizemos essa reposição para garantir a segunda dose e ficamos sem vacina para a primeira dose nesta semana. Nossa expectativa é que na semana que vem chegue uma nova remessa de vacina e que consigamos retomar a primeira dose.
Quando teremos um ritmo de vacinação satisfatório?
Deve haver um adiantamento da vacinação nas próximas duas semanas, porque deve entrar uma quantidade maior de doses da Oxford/Astrazeneca. Com essa vacina, podemos usar todas as doses disponíveis, porque a segunda dose é feita só após três meses. Portanto, tudo o que chegar será usado para a primeira dose, diferente do que acontece com a Coronavac, em que precisamos separar metade para a segunda aplicação em 21 dias. Nossa expectativa é que até o fim do mês de maio, a gente tenha vacinado as pessoas com mais de 60 anos, o que vai nos dar tranquilidade para enfrentar o inverno. A gente espera atingir rapidamente na metade do segundo semestre a cobertura vacinal de rebanho, com 80% da população brasileira acima de 20 anos vacinada. Agora, estamos começando a campanha de vacinação para H1N1 e tem que haver um espaço de 15 dias entre as duas vacinas.
Quando os professores serão vacinados?
O Plano Nacional de Imunização é feito em Brasília. Aqui, por questões legais, respeitamos o PNI. Colocar os professores como grupo preferencial depende de uma definição do PNI.
Que medidas a prefeitura tem adotado para proteger os profissionais da saúde, especialmente neste período de agravamento da pandemia?
Desde o primeiro momento da pandemia, tratamos com rigor o protocolo sanitário. Nunca faltaram EPIs na rede municipal. Temos registrado um número relativamente baixo de casos entre profissionais de saúde e, quando vamos investigar, vemos que eles também têm uma vida familiar fora da instituição e correm os mesmos riscos da população, contaminando-se não exatamente no ambiente de trabalho. Temos a capacidade de isolar os profissionais rapidamente, inclusive quando seus contatos mais próximos estão com suspeitas.
Nesta semana, perdemos duas técnicas de enfermagem, que acabaram se contaminando entre a primeira e a segunda dose da vacina. Todos os que estavam na linha de frente já receberam a segunda dose, mas há um período de 3 a 4 semanas para ter a imunidade.
Casos como esses podem gerar desinformação, né?
Sim, começam a dizer que a vacina não tem efeito, o que não é verdade. É necessário um tempo para que a pessoa vacinada esteja de fato imunizada. O índice de proteção da Coronavac é de mais de 50%. As pessoas podem se contaminar mesmo vacinadas, mas não evoluem para estados graves. Isso não é uma falha da vacina, é uma limitação e o que se espera com ela é que não haja casos graves e óbitos. É importante dizer também que a pessoa vacinada pode contrair o vírus e contaminar outras pessoas. Por isso, enquanto não atingirmos a cobertura vacinal de rebanho, é preciso se cuidar.
No ano passado, Florianópolis foi referência no enfrentamento da pandemia, fechando atividades não essenciais, suspendendo transporte público. Tanto o senhor quanto o prefeito diziam na época que as medidas eram necessárias para evitar ao máximo que as pessoas precisassem de UTIs e respiradores. Agora, temos mais 800 mortos na cidade e uma fila de espera por leitos. Por que a postura de vocês mudou?
O que mudou foi a falta de regras nacionais adequadas. Florianópolis adotou como referência trabalhos científicos, de modo que conseguíssemos conviver com restrições sociais, mantendo a sociedade funcionando: quando a trasmissão subisse, haveria mais restrições, quando baixasse, haveria flexibilização, para que não houvesse um desgaste total. Nós fizemos isso, mas o que aconteceu foi que cidades como São José e Palhoça não fizeram. No fim de semana que aumentamos as restrições, tivemos o maior movimento nas pontes, com pessoas indo para lojas e shoppings abertas em São José. As pessoas começaram a migrar e o distanciamento social para nós foi nulo. Ao mesmo tempo, começou a haver uma forte pressão dos setores econômicos na cidade dizendo o que adiantava e o prefeito (Gean Loureiro) acabou voltando atrás, conversando com prefeitos da região para tentar buscar uma ideia de consenso na região metropolitana. Não adianta adotar medidas isoladamente. E eu digo mais: não adianta nem no Estado. É preciso fazer no país. Para que as medidas de restrição social tenham efetividade como em outros países, é preciso, primeiro, não haver negação de sua efetividade. Começou a haver uma disputa de narrativa. A partir de tudo isso, a cidade viu que não podia tomar uma decisão unilateral. A Grande Florianópolis tem 22 municípios, cada um com suas peculiaridades. Isso tudo começou a aflorar nas reuniões e tornou difícil adotar medidas mais restritivas, até pela disputa de narrativa em nível nacional. No Brasil, foi colocada uma questão entre saúde e economia, que nunca existiu. Tem que cuidar da saúde e da economia e não responsabilizar a saúde pela economia.
O senhor é a favor de lockdown?
Nós no Brasil avacalhamos a palavra lockdown. Nós nunca fizemos lockdown no Brasil nem aqui em Florianópolis. O lockdown é restrição total de circulação de pessoas, não é só fechar o ambiente, mas restringir e limitar a circulação. Nós nunca fizemos isso. Não há ambiente político e sociológico no país para fazer isso. O que a gente fez foi adotar medidas de restrição mais ou menos intensas. Acredito que na fase que está o país, nós precisamos restringir fortemente a circulação, mas não há condição sociológica para lockdown.
O que foi feito em Araraquara, por exemplo, não poderia ser reproduzido em outros lugares?
Quanto menor a cidade, mais fácil ter controle sobre a situação. Quanto maior a cidade ou a região, mais difícil. Exemplos como esse serviram para reforçar a importância do isolamento social. O mérito de Araraquara é mostrar que é viável, é possível, e dá resultado, enquanto se fala muito em tratamento precoce, que não tem qualquer evidência científica.
Mas se foi possível em Araraquara, sem consenso regional, por que não é possível aqui?
Araraquara não tem uma ponte ligando a outras cidades. No litoral de SP, algumas prefeituras fizeram barreiras sanitárias na rua e foram alvo de processos judiciais por estarem impedindo o direito de ir e vir. É muito difícil. Mas é só olhar a China, que conseguiu controlar a pandemia e fazer uma restrição total de entrada e saída, num país daquele tamanho. Se tiver uma autoridade, uma liderança central, você consegue ter efetivamente medidas restritivas sendo obedecidas. No Brasil, deturpamos até o que é serviço essencial para burlar as restrições.