Por Armando de Melo Lisboa
“A impunidade e a banalização da propaganda contra a saúde pública anunciam um futuro dramático para a saúde da população brasileira, favorecendo a expansão do charlatanismo…”
Faculdade de Saúde Pública da USP, “Nota Técnica”
Como num teatro do absurdo, Chapecó é apresentada como um caso de “sucesso” no enfrentamento da Pandemia. Ora, mesmo sendo a quinta maior cidade de SC, ascendeu em 2021 para a de maior letalidade per capita entre as cidades catarinenses acima de 200 mil habitantes, ocupando ainda a terceira posição em números absolutos de óbitos. Este feito é conquista do novo prefeito João Rodrigues, que a administra desde primeiro de janeiro deste ano.
Ao longo de 2020 Chapecó sempre se manteve como a décima no total de mortes pela Covid-19 em Santa Catarina. Apenas em 2021, com a nova gestão municipal, os falecimentos pela pandemia explodiram, crescendo muito acima da média estadual. De todos os 544 óbitos em Chapecó pelo coronavírus (dados de 7 de abril[1]), 3/4 ocorreram em 2021. As centenas de mortes colhidas, exorbitando o padrão estadual, escancaram a catastrófica política de João Rodrigues.
Em cada mil brasileiros, 1,57 já foram vitimados pela pandemia. A média catarinense segue levemente abaixo: 1,53 mortes. Todavia, em Chapecó faleceram 2,42 para cada mil habitantes. Se o Brasil seguisse o índice chapecoense, teríamos hoje mais de 510 mil mortos oficiais.
Ainda assim, para o Presidente Bolsonaro Chapecó faz um “trabalho excepcional” contra a pandemia… Esta fala presidencial deu ressonância ao vídeo do prefeito Rodrigues que, no domingo 4 de abril, anunciou o fechamento do CAAC (Centro Avançado de Atendimento Covid-19), uma unidade de tratamento semi-intensivo de saúde improvisada no Centro de Eventos de Chapecó.
De fato, o último Boletim Necat/UFSC s/a Covid-19 em SC[2], mostra, na semana passada (de 26/3 à 2/4), uma retração no número de novos casos na cidade de Chapecó em patamar abaixo da média estadual. Todavia, a pandemia dista de estar sob controle naquele município, pois, apesar da redução do contágio, na semana em pauta foram registrados 471 novos casos. Ainda não há o que comemorar. Vale o alerta do governador (bolsonarista) do Estado do Amazonas, e também do general Paulo Sérgio, novo comandante do Exército: com a pandemia fora de controle em um par de meses enfrentaremos uma “terceira onda”…
Não é momento de festejos: os hospitais de Chapecó, da região, bem como de toda Santa Catarina, permanecem com as UTIs lotadas, tendo centenas de pacientes na fila de espera por leito de UTI. Caso houvesse uma logística exemplar no combate à pandemia, caberia disponibilizar o CAAC para minimizar o colapso do sistema de saúde catarinense que perdura há mais de mês. É bom lembrar que, em Santa Catarina, este colapso iniciou pela Região Oeste, sendo que no momento mais crítico da crise sanitária em Chapecó, no início de março, muitos pacientes foram transferidos, inclusive via aérea para outros estados. Agora é hora de Chapecó retribuir todo apoio recebido. A ausência de uma estratégia de cooperação por parte de Chapecó é lamentável, reflexo da inexistência de uma coordenação nacional efetiva.
Ocorre que no vídeo o prefeito Rodrigues atribuiu o “sucesso” ao tratamento precoce. Omitiu que impôs um lockdown parcial entre 22 de fevereiro e 8 de março. As circunstâncias o obrigaram a adotar restrições mais fortes, pois estava diante de um cenário cada vez mais funesto no sistema de saúde de Chapecó ao longo de fevereiro. Esta tragédia, por sua vez, foi fruto da política de liberação das aglomerações e da ampla distribuição de fármacos sem eficácia comprovada com que iniciou seu mandato.
O engodo de Rodrigues revela sua intenção e um alvo certo. Com a apologia ao “tratamento precoce”, fez desta cidade a bola-da-vez do kit-ilusão. A repercussão imediata das declarações do prefeito Rodrigues gerou uma repentina visita de Jair Bolsonaro à Chapecó em 7 de abril, exatamente nos dias em que Santa Catarina quebra, sucessivamente, macabros recordes diários de mortes[3], como se aqui fosse encontrar uma situação exemplar e diferenciada da nacional.
No enfrentamento de pandemias, só o caminho indicado pela ciência é confiável, pois é o único que minimiza as perdas de vidas e permite a robusta retomada econômica o mais breve possível. Quaisquer outros caminhos são enganações, muitas vezes politizadas com “p” pequeno, ou seja, voltados a ganhos paroquiais e mesquinhos, como o discurso Prefeito de Chapecó, movido por cálculo oportunístico e em busca de vantagens político-pessoais.
Ao dar visibilidade à postura distorcida e ideológica de Rodrigues, espelho da sua, Bolsonaro encobre, mais uma vez, as boas práticas que seguem o caminho da ciência e, mesmo no Brasil, obtém resultados bem melhores no controle da pandemia, como Araraquara e Taubaté (SP), Petrolina (PE) e Ribeirão das Neves (MG), estas três últimas com as menores taxas de óbito por Covid-19 entre os maiores municípios brasileiros.
Nesta altura da pandemia, insistir em atalhos não comprovados pela ciência apenas prolonga indefinidamente o colossal sofrimento, sucateando ainda mais a já debilitada economia. Rodrigues, ao optar pela “politização” do combate à pandemia, se alia à necropolítica genocida que produz, aos milhares, mortes evitáveis de brasileiros.
Armando de Melo Lisboa é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais do Centro Socioeconômico (CNM/CSE) da UFSC e ex-diretor da Apufsc-Sindical (2006-2010)
[1] https://www.chapeco.sc.gov.br/download/2246/DocumentoArquivo
[2] https://drive.google.com/file/d/1p22I0JJB6-nQYEE0Koxr42L39tsgYR69/view
[3] 226 óbitos registrados nas últimas 24 horas (em 6 de abril): http://www.coronavirus.sc.gov.br/boletins/