A pesquisadora Larissa Mies Bombardi escreveu um carta aberta ao Departamento de Geografia da USP comunicando seu afastamento
“Completei 49 anos na última semana, 31 dos quais vividos no Departamento de Geografia”, começa a carta aberta escrita pela pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) Larissa Mies Bombardi. Em um desabafo de sete páginas, ela conta que decidiu sair do Brasil devido a intimidações por suas pesquisas envolvendo agrotóxicos. Entre abril e maio de 2019, Larissa publicou na Europa a versão em inglês do atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”. A pesquisadora diz que passou a ser intimidada pelo trabalho.
“Em junho de 2019, recebi indicação de lideranças de movimentos sociais para que eu evitasse os mesmos caminhos, para que eu alterasse os meus horários, para que alterasse a minha rotina, de forma a me proteger de possíveis ataques dos setores econômicos envolvidos com a temática sobre a qual eu me debruço”, relata a professora em carta obtida pelo UOL.
“Eu me perguntava: como uma mulher, mãe de dois filhos, única responsável pelas crianças e pela rotina das crianças poderia mudar algo na rotina?”, relata a pesquisadora na carta. E continua: “Nesse mesmo mês, uma série de outras intimidações ao meu trabalho passaram a acontecer, especialmente após a maior rede de supermercados orgânicos da Escandinávia ter boicotado os produtos brasileiros, a partir do conhecimento do conteúdo do Atlas, lançado no mês anterior em Berlim”.
O Atlas, que já havia sido publicado em português em 2017, detalha o uso de agrotóxicos em cada região e estado brasileiro, traz dados de morte por intoxicação em cada local, quais países europeus importam produtos brasileiros com agrotóxicos e expõe a presença de resíduos agrotóxicos nos alimentos e água potável em comparação com o limite europeu. Entre os riscos à população brasileira, a pesquisa destaca: “contaminação ambiental, intoxicações, tentativas de suicídio, malformações congênitas e doenças crônicas”.
Na carta, Larissa conta que buscou a ajuda de colegas e também da diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, professora Maria Arminda Arruda. Por orientação deles, desistiu naquele ano de participar de uma palestra para a qual havia sido convidada pelo Ministério Público de Santa Catarina. Tanto Maria Arminda quanto o reitor da USP, Vahan Agopyan, sugeriram que Larissa saísse do país por um tempo. O reitor, inclusive, ofereceu a Guarda Universitária para fazer a segurança dela dentro do campus, o que Larissa recusou.
Além dos colegas da USP, ela conta que recebeu apoio do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e também de parlamentares de Bruxelas, onde foi convidada para um evento em dezembro de 2019. “Desde então eu tenho tentado me estruturar para me proteger e aos meus filhos”. Ela planejava deixar o país desde março de 2020, mas adiou devido à pandemia.
Em agosto daquele ano, sua casa foi assaltada e levaram seu computador. “Era um laptop antigo de baixíssimo valor, mas que tinha todo o meu banco de dados. Felizmente eu tinha um ‘back-up’ em outro local, em um HD externo escondido, que não foi encontrado.” Inicialmente ela não suspeitou que o assalto pudesse ter ligação com seu trabalho, mas, após o questionamento de um parente, passou a pensar nessa possibilidade. Após o assalto, ela deu entrada no seu pedido de afastamento da USP.
Em 2020 e janeiro de 2021 ela relata ter recebido novas intimidações após a publicação de artigos sobre a “correspondência espacial entre suinocultura e covid-19”. “Este tem sido o cotidiano de meu trabalho e de outros tantos colegas envolvidos com este tipo de temática.” A pesquisadora começará em abril os estudos na Universidade Livre Bruxelas, onde conquistou uma bolsa. “Penso que ela será um passo importante para minha pesquisa, mas que também terá importância para o departamento”, diz.
Em nota, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde o Departamento de Geografia se localiza, repudiou as intimidações sofridas pela professora. Segundo a nota, o pedido de afastamento da docente ainda não chegou oficialmente às mãos da diretoria da faculdade, por isso a Universidade ainda não pôde se manifestar. Larissa Bombardi é graduada, mestre, com doutorado em geografia pela USP e pós-doutorado pela Universidade Federal Fluminense. Segundo seu currículo Lattes, ela tem se dedicado ao estudo de agrotóxicos na agricultura brasileira nos últimos cinco anos.
Leia na íntegra: Uol