Reforma Administrativa deixa de fora servidores do Legislativo e do Judiciário, onde estão concentrados os supersalários
Na segunda-feira (8) a proposta de reforma administrativa começou a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. A PEC 32/2020 foi enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional no dia 3 de setembro de 2020, sob o argumento de atacar os privilégios do serviço público brasileiro.
Em artigo publicado no Estadão, o pesquisador Wellington Nunes, doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), busca identificar quem de fato é a elite salarial do funcionalismo público federal. Para o docente, a justificativa dada pelo governo para a aprovação do projeto de Emenda à Constituição é superficial, não estando sequer amparada por qualquer estudo consistente sobre o setor. “Um estudo desse tipo teria condições de oferecer um diagnóstico mais preciso – informando, por exemplo, a dimensão e a localização exata dos privilégios que se pretende combater. Sem isso, o que se tem é uma proposta ancorada em um conjunto de impressões acerca do serviço público nacional”, diz.
Integrante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da federal do Paraná, Nunes produziu também uma nota técnica disponível no site do Sindicato Nacional Dos Servidores do Ipea (Afipea), onde utilizou dados de remuneração produzidos pelo Atlas do Estado Brasileiro. Os resultados serviram de base para o artigo publicado no jornal, e evidenciou que a elite do serviço público nacional é composta por procuradores, desembargadores, juízes, dirigentes do serviço público federal, deputados, senadores, diplomatas, ministros e secretários de ministérios. Aquelas categorias profissionais que não estão incluídas na proposta de reforma administrativa.
Para identificar o grupo, o pesquisador usou como critério de corte o limite estabelecido no artigo 37 da Constituição, sobre remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). “Como a remuneração entre os ministros do STF pode variar, o critério utilizado foi adotar como ponto de corte o subsídio mais alto recebido por um ministro em 2018, a preços de dezembro de 2019. A partir daí, o procedimento foi o seguinte: foram considerados apenas os vínculos cuja média das remunerações mensais, no ano em questão, foi superior à média mensal do subsídio mais alto recebido por um ministro do STF”, expõe em um trecho do artigo.
Segundo o autor, com esse método foi possível perceber que a quantidade de vínculos com salários acima do limite constitucional é longe de ser exorbitante. Para ele, ao contrário das especulações, o grupo é bastante minoritário. Conforme dados dos anos de 2000 a 2018, Judiciário e Legislativo tinham, proporcionalmente, muito mais vínculos acima do limite constitucional do que o Executivo. Em contrapartida, os supersalários apresentaram queda nos três poderes entre 2010 e 2015
Entre os órgãos da Justiça, o Ministério Público da União (MPU) concentrava o maior número de vínculos acima do limite constitucional em 2015. Seguido pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), que contava com 27,6%; Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) com 2,6%, e a a Justiça Federal de Primeira Instância, com 1,6%. Três anos depois, o cenário praticamente continuou o mesmo: o MPU e TRTs concentravam quase 4/5 dos supersalários do Judiciário em 2018.
Já no Legislativo e nos órgãos auxiliares, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU) concentravam respectivamente a totalidade dos vínculos acima do teto, tanto em 2015 quanto em 2018. No Poder Executivo, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) respondia por 894 dos 1.189 supersalários que havia no Executivo em 2015, o que equivale a 75,2%. A maior concentração de vínculos entre os três poderes.
No final do artigo, o pesquisador alerta que os dados levantados deixam dúvidas sobre se, de fato, o governo pretende mesmo atacar os privilégios do funcionalismo público, já que a proposta de reforma administrativa procura atingir as categorias menos favorecidas.
Leia o artigo na íntegra: Reforma administrativa: quem de fato é a elite salarial do funcionalismo público federal?