Exame começa neste domingo (17) para 5,78 milhões de candidatos inscritos no país.
A pressão que aparece nos dias que antecedem o Enem ficou maior para os candidatos preocupados com o agravamento da pandemia de Covid no Brasil e porque estarão em meio a dezenas de pessoas dentro de uma sala neste domingo. É o que indica reportagem do G1.
Pelo protocolo do Inep, que organiza o exame, todos devem estar de máscara na sala. Janelas e portas precisam estar sempre abertas. Infectologistas consideram o risco de contágio baixo nessas condições, mas dizem que ele não é zero. Na noite desta quarta (13), a Justiça Federal suspendeu o exame no Amazonas.
Na última terça uma decisão da Justiça Federal em SP para o território nacional decidiu por manter a data da prova. Mas determinou que cabe às prefeituras locais avaliarem se a cidade tem condições ou não de realizar o Enem.
A prova deste domingo tem duração máxima de 5 horas e meia. Pelas regras, é necessário aguardar um mínimo de duas horas para deixar o local de prova.
A máscara é obrigatória, mas pode ser retirada para troca e para alimentação. Segundo especialistas, qualquer momento sem a máscara representa um risco de infecção.
Apesar das preocupações com os riscos, estudantes dizem que deixar de fazer Enem pode atrasar a entrada na faculdade – e consequentemente a chegada do diploma. Veja abaixo depoimentos sobre os efeitos da pandemia sobre o Enem:
‘E se eu deixar essa chance passar?’
Cícera Grazielle Rezende Novaes, 18 anos, de Itacuruba (PE)
“Me sinto insegura pela pandemia, porque estamos com pico muito alto da infecção. Eu faço Enem desde que entrei no ensino médio e sempre foi um exame onde as escolas ficam lotadas.
Infelizmente não foi adiado. A gente se vê muito pressionado quando a gente sai do ensino médio. Todo mundo fala para fazer algo da vida, entrar logo na faculdade. E se eu deixar essa chance passar? Poderia me arrepender, a gente fica em beco sem saída.
Eu moro em Itacuruba, no sertão de Pernambuco, e vou fazer a prova em Floresta, cidade vizinha daqui [cerca de 80 km]. Em Itacuruba são 40 casos confirmados. Em Floresta tem 400. Muito mais. Dá medo de trazer o vírus para casa. A prefeitura disponibiliza transporte escolar para fazermos a prova. No ano passado, foram dois ônibus, mas não estavam lotados. Este ano, não sabemos ainda como vai ser.
Alguns amigos fizeram a inscrição e não vão prestar a prova porque os pais não deixaram, pelos riscos que correm. Mas minha mãe me apoia. Se eu entrar na faculdade, seria a primeira da família [a ter curso superior].
Meu maior sonho, de primeiro, é medicina. O Enem ajudaria a entrar na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina.”
‘Na véspera do Enem, não dá para mudar tudo’
Luiz Gustavo Guimarães, 20 anos, de Campos dos Goytacazes (RJ)
“Não queria que o Enem fosse adiado. Porque eu acho que o governo tem que ter preparação e a gente tem que estabelecer datas e metas, e cumprir com elas. Na véspera do Enem, não dá para mudar tudo.
Eu fiz Fuvest e me senti seguro. Tinha distanciamento, pessoas com máscaras. Só podia tirar para beber água. Ninguém tossiu ou espirrou. Tinha sachê com álcool em todas as mesas. Se o Enem tiver as mesmas medidas, acho que pode ser tão bom quanto.
O que me preocupa é o calor. Aqui em Campo dos Goytacazes [interior do RJ] faz muito calor. As janelas e portas têm que estar abertas [para prevenir a transmissão do coronavírus]. Só espero que liguem também o ar-condicionado e os ventiladores. Porque mesmo com janelas e portas abertas, é muito quente. Eu não consigo pensar se estiver muito quente, ainda mais respirando um ar abafado da máscara.
Quero fazer logo o Enem e tirar isso da frente. Eu me sinto preparado para a prova. Não acho que vou para um ‘abatedouro’. Conto com profissionais para terem cuidado e responsabilidade em fiscalizar os candidatos. Quando a gente vai para um supermercado, um médico, a qualquer lugar, a gente está se expondo da mesma forma. Se tiver medidas de prevenção, vale o risco de fazer a prova.”
‘Sou treineira. Vou esperar o ano que vem’
Lais Alcântara Feitoza, 16 anos, de Manaus
“Apesar de já ter tido Covid anteriormente, eu não me sinto nem um pouco segura para fazer a prova neste momento. Acredito que muitos estudantes se vejam na mesma situação. Eu ainda sou grupo de risco, tenho asma.
Em Manaus, não tem mais vagas nos hospitais. As pessoas estão sendo atendidas no chão. Não tem respiradores, não tem oxigênio [a Justiça do Amazonas suspendeu na quarta a realização do Enem no estado].
Então me colocar na posição de ir fazer a prova, podendo esperar para fazer ano que vem, já que estou no segundo ano, seria colocar outros estudantes em risco, a família de outros estudantes em risco, e colocar a minha família em risco. Então não me sinto segura, nem um pouco, não quero ser responsável por espalhar a Covid e muito menos por submeter as pessoas à situação em que está o sistema de saúde no Amazonas neste momento.
Não me sinto segura para fazer a prova. Posso fazer a prova em outro momento, como treineira, acho que é a decisão mais consciente a se tomar.”
‘Ficaria mais segura com o adiamento’
Izabela Monteiro, 45 anos, de São Paulo
“Tenho 45 anos, sou mulher trans. Vou fazer o Enem para tentar uma vaga em psicologia ou filosofia na Universidade Federal de São Bernardo (UFABC). Eles dão 40 bolsas para mulheres trans, conforme o desempenho na prova. É um dinheiro para ajudar a nos manter estudando.
Estar domingo no Enem, para mim, é menos [arriscado] do que fiz ao longo do ano para poder comer, pagar aluguel e sobreviver. Trabalho na área de beleza e os salões tiveram que ficar fechados muito tempo. Depois, tive que trabalhar quando fui chamada, tive que pegar transporte público e me expus muito, porque precisa, né? Sozinha em SP, a família toda no Nordeste.
E vou fazer a prova domingo. Já separei minhas canetas, minhas máscaras, vou levar lanchinhos. Vou sair de casa 10 minutos antes, não vou ficar de ‘falação’ na área externa. Vou entrar, me concentrar, focar e tirar a melhor nota possível.
Mas eu me sentiria mais segura com o adiamento do Enem, não só por mim, mas por toda a população. Essa coisa da exposição é algo muito sério. Como o vírus é invisível, não dá para saber quem está levando e quem não está. Adiar a prova para depois da vacina seria uma precaução. O brasileiro é relaxado, como acreditar que as medidas de segurança vão dar certo?”
‘Não quero prorrogar o sofrimento’
Matheus Geiling Cardoso Falconi, 19 anos, de São Paulo
“Fazer a prova na pandemia sempre traz um pouco de receio. Meu pai é grupo de risco, tem sobrepeso, pressão alta. Mas não temos opção. Eu me preparei, fiz as aulas com os professores e estudei por conta própria.
Não sei se queria que o Enem fosse adiado. Acho que sim e não. Queria que o Enem fosse adiado porque estamos na pandemia, ainda em quarentena e, até onde sei, em fase vermelha [em SP]. Mas também queria que continuasse na mesma data para não prorrogar o sofrimento. Quero que acabe logo. É como tirar um curativo puxando de uma vez.
Não sei se adiantaria muito adiar. Adianta um mês, continua a pandemia, não necessariamente vai mudar o cenário [de casos em alta].”
‘Álcool em gel de meia em meia hora’
Heitor Pedrosa, 19 anos, de Campina Grande (PB)
“Não estou com medo de fazer o Enem , mas estou com medo da pandemia. É a primeira vez que vou fazer a prova com um ano inteiro de estudo. Vou chegar o mais cedo possível, procurar andar onde tem menor movimentação para ir mais rápido até a sala de prova e entrar logo.
Vou ficar esperando lá dentro, é mais seguro. Vejo pelas redes sociais do MEC que reforçaram o uso de máscaras, mas não divulgaram nada muito além disso. Não sei ao certo se contrataram mesmo mais salas.
Mas essa não será a primeira prova. Sou de Campina Grande (PB) e viajei para fazer a Fuvest em Guarulhos (SP). Achei que os cuidados foram suficientes. Usei duas máscaras, na minha sala tinha, em cada mesa, um papel com álcool em gel para higienização. Senti que dentro da sala o risco de exposição não era tão alto por ter as portas e janelas abertas, havia ventilação. Eles se comunicavam o tempo todo com a gente falando sobre os cuidados.
Para o Enem vou usar máscaras N-95 que são mais seguras, vou levar álcool em gel, passar de meia em meia hora, ficar longe das pessoas no momento da chegada. É o que a gente tem para fazer, mas poderia ser melhor se tivesse liderança no governo e não houvesse negligências [na pandemia].”
‘Tento não pensar muito, vou no fluxo’
Rayane Costa Pereira da Silva, 28 anos, de São Paulo
“Eu já faço faculdade, estudo Engenharia de Minas na USP, mas quero fazer Enem para tentar uma vaga em medicina. Com EAD no cursinho e na faculdade, foi até mais fácil conciliar os estudos na pandemia.
Eu entendo o medo de fazer a prova na pandemia e de ter aglomeração. Eu realmente estou em isolamento este tempo todo. Mas dá medo adiar e depois não ter mais Enem. Eu vou no fluxo. Procuro não pensar. Eu não posso fazer nada, só posso estudar, e é isso que estou fazendo.
Fiz Fuvest e Unicamp e achei que as mesas estavam bem afastadas. Entrei mais cedo na sala, preferi ficar um tempo olhando para o nada do que pegar aglomeração na porta. Fiz as duas provas na mesma escola.
Pela minha idade, se não tiver nota no Enem para medicina na USP, acho que vou terminar a faculdade. Não sei se depois que tiver o diploma, se vou voltar a estudar. O plano já era esse, estudar este ano, com pandemia ou não.
Estou bastante cansada. Nesta época do ano era para já ter acabado todos os vestibulares. Está sendo um ano bem logo para os vestibulandos.”
Fonte: G1