Estudantes argumentam que o cenário atual da pandemia no país e a desigualdade impossibilitam a aplicação das provas. Ministério e Inep não se manifestaram
Faltando 12 dias para o início da aplicação das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020, estudantes de todo o país e internautas, com apoio da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), cobram do Ministério da Educação (MEC) o adiamento do exame, conforme destaca reportagem do Correio Braziliense.
Em função da ausência de um projeto de imunização nacional contra a covid-19 e do aumento de casos do novo coronavírus por todo o Brasil, as entidades enxergam que a realização da prova nas datas marcadas será de alto risco.
Os testes impressos do Enem estão marcados para serem aplicados em 17 e 24 de janeiro. Já o Enem digital está previsto para 31 de janeiro e 7 de fevereiro. O exame teve mais de 5,7 milhões de inscrições confirmadas. Dessas, 5,6 milhões farão os testes presencialmente em papel. Apenas 96 mil pessoas farão o Enem Digital.
Pandemia impactou o preparo para o exame
Estudante da rede pública Nataly Silva, 19 anos, vai prestar o Enem 2020 e se manifesta a favor do adiamento das provas. Para ela, além de expor os estudantes e suas respectivas famílias ao vírus, o estado está tirando a oportunidade dos jovens que não tiveram o devido preparo para prestar o exame
Natural de Sergipe, Nataly está se preparando para entrar na Universidade Federal de Sergipe (UFS) para cursar artes cênicas. Ela conta que, além de toda a pressão de ter de se preparar para o vestibular, precisou trocar de escola em dezembro, pois a anterior não estava oferecendo o ensino remoto nem preparo adequado para o Enem.
Ela diz que, desde o início da pandemia, ficou sem atividades na escola antiga e que os professores não conseguiram se adaptar às aulas por vias digitais. “Eu vi que na outra escola os professores estavam conseguindo dar um pouco mais de atenção aos alunos e resolvi mudar”, relata.
Em pouco tempo, Nataly precisou se adaptar ao ritmo de estudos da nova escola e correr com as revisões para o Enem. “Desde novembro, consegui estudar um pouco mais, mas ainda tem o vácuo de não ter estudado o ano todo, pois eu não tinha orientação”, desabafa. A jovem conta que ainda enfrentou problemas de conexão, ao ficar alguns meses sem internet e sem celular.
“O ano letivo não foi aproveitado como deveria. É injusto manter o Enem nesta data, não só pela saúde e segurança da população, mas também porque os estudantes da rede pública, da zona e da favela não receberam o amparo necessário para se preparar”, afirma.
Estudantes têm que lidar com a ansiedade
Em contrapartida, o vestibulando Arthur Pereira Cardoso, 17 anos, morador de Sobradinho e aluno do Centro Educacional Sigma, não concorda com o adiamento das provas por agora, uma vez que faltam poucos dias para o exame e não seria justo com os alunos que tiveram que lidar com a ansiedade e a pressão do vestibular, na avaliação dele.
No entanto, Arthur concorda que o momento de crise sanitária em que o país se encontra não é o mais adequado para que ocorra a aplicação das provas e o MEC deveria ter considerado o voto da grande maioria dos estudantes na primeira enquete sobre o adiamento. “Quando houve a votação para quando os estudantes queriam fazer o Enem, votamos para acontecer em maio”, relembra.
“Falta de iniciativa do MEC prejudica estudantes”
Em nota, a UNE afirmou que, desde o início da pandemia, a entidade tem alertado o governo e às autoridades sobre os impactos que a crise sanitária acarretaria à educação e ao Enem, mas que não há nenhuma estratégia ou investimento para amenizar o problema.
“A ausência de aulas presenciais e a falta de iniciativa do MEC em dar condições para que os estudantes pudessem ter o mínimo em redução de impactos prejudicam especialmente os jovens mais pobres das escolas públicas e que têm dificuldades de acesso à internet ou piores condições de estudo em suas casas”, diz a nota.
Além disso, a entidade esperava que o MEC estivesse na linha de frente, propondo e coordenando um grupo de trabalho, com ações estratégicas e investimentos que buscassem reduzir as desigualdades, seja no decorrer do ano letivo ou no Enem.
Especialista em educação: “não há clima para fazer a prova”
A educadora e doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Andrea Ramal comenta que, caso o Enem seja adiado, será uma decisão “acertada”, já que não há clima para os estudantes fazerem a prova.
Não só pela questão da saúde pública, mas também no que se refere à calma dos participantes para fazer a prova. “Não vejo clima e sentido para fazer essa prova. As aulas ainda não voltaram normalmente, como você vai colocar pessoas despreparadas para fazer uma prova tão importante?”, questiona.
Andrea acredita que o adiamento das provas não causará grandes impactos negativos para educação, uma vez que a pandemia em si, desde o início, já causou uma grande interferência.
Pedidos de adiamento ao MEC demonstram preocupação com estudantes
O deputado federal Bacelar (Podemos/Ba), solicitou ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, o adiamento do Enem na manhã desta terça-feira (5/1). De acordo com o deputado, aplicar o exame na condição atual do país é uma “atrocidade com os estudantes que farão a prova”.
O parlamentar argumenta que grande parte dos estudantes, sobretudo os mais vulneráveis economicamente, tiveram o ensino prejudicado mesmo com as aulas on-line. “Já existe muita desigualdade socioeconômica e isso ficou mais evidente com a pandemia”, pontua.
Rozana Barroso, presidente da Ubes, explica que o movimento #AdiaEnem diz respeito à preocupação dos estudantes em fazer a prova sem trazer risco à saúde de ninguém e, além disso, incluir corretamente a parcela da população que não teve o devido acesso aos estudos em função da pandemia.
“Quem quer impedir os estudantes de fazer o Enem é o próprio governo, o qual não viabiliza condições para realização. Qual o plano de segurança no dia da aplicação? Não houve um mapeamento de estudantes infectados, por exemplo”, critica.
Plataforma enfrenta problemas de conexão
Foi disponibilizado aos participantes, nesta terça-feira, 5, o local onde será aplicado as provas e o cartão de confirmação de inscrição. Contudo, muitos candidatos reclamam nas redes por estar enfrentando dificuldades para checar o local da prova e muitos não conseguem redefinir a senha de login para ter acesso ao sistema.
Até o momento da publicação desta reportagem, não obtivemos nenhuma resposta do MEC ou do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) a respeito do adiamento das provas e das instabilidades do aplicativo.
Leia na íntegra: Correio Braziliense