Em carta aberta, reitores não empossados pedem respeito à autonomia universitária

Assinam o documento 20 reitores e diretores eleitos democraticamente, mas que não foram nomeados por Bolsonaro

Em carta aberta divulgada nesta semana, reitores eleitos democraticamente e não empossados pedem que a decisão da comunidade acadêmica e o princípio da autonomia universitária sejam respeitados pelo governo federal. No documento, os signatários ressaltam que, desde 2019, as nomeações e indicações feitas pela Presidência da República desconsideram as decisões escolhidas nas instituições de ensino superior do país. 

Desde que assumiu o comando do Governo Federal, Jair Bolsonaro vem contrariando a “tradição” seguida pelos seus antecessores de eleger os primeiros nomes das listas tríplices enviadas pelas universidades e institutos federais.  O tema está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que busca reverter as escolhas. No mês passado, o ministro Edson Fachin se manifestou e pediu explicações ao presidente sobre os critérios que subsidiaram as escolhas.

Subscrito por mais de 20 reitores e vices não empossados, o documento reforça também o caráter ditatorial das intervenções que não são aceitáveis no Estado Democrático de Direito que rege a atual Constituição. 

“Realmente, para que serve um processo eleitoral de grandes proporções, envolvendo milhares de servidores e estudantes em dezenas de cidades, se o seu resultado não for integralmente respeitado? A prática da democracia seria apenas uma mera formalidade na visão de nossos representantes políticos?”, diz um trecho da carta. 

Confira a carta na íntegra:

A DEMOCRACIA PRECISA PREVALECER: CARTA ABERTA DAS REITORAS E DOS REITORES/DIRETORES ELEITOS E NÃO EMPOSSADOS

A democracia é um valor que, para ser materializado, precisa ser praticado, e não apenas enunciado e debatido abstratamente. Não basta proclamar-se democrático. É preciso demonstrar, com ações, o respeito à vontade da Comunidade. E é justamente a falta desse respeito que vem sendo evidenciada, cada vez mais, pelas ações tanto do Ministério da Educação (MEC) quanto pelos colegas servidores que têm aceitado, contrariamente ao resultado das urnas, atuar como interventores ou como membros das equipes de intervenção nas Instituições Federais de Ensino que, desde 2019, tiveram negada a posse de suas reitoras e dos seus reitores/diretores eleitos.

Essa é a situação em que se encontram, nesta data, várias Instituições Federais de Ensino. Mesmo que seus futuros dirigentes tenham sido escolhidos em um ambiente verdadeiramente legítimo e democrático, essas Instituições sofrem as consequências amargas de procedimentos danosos de intervenção, enquanto buscam saídas por vias administrativas, políticas e até mesmo judiciais.

Do ponto de vista jurídico, os artigos 206 e 207 da Constituição Federal dispõem:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (…) II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (…)

VI – Gestão democrática do ensino público, na forma da lei; Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Nesse sentido, as garantias constitucionais definem a autonomia universitária como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Ao afrontá-la, as recentes nomeações e indicações feitas pela Presidência da República, por iniciativa antidemocrática do MEC, criam uma imagem institucional bastante negativa, corroborando para que a sociedade civil veja com descrédito as Instituições e seus processos decisórios, que devem ser sempre democráticos.

Até que ponto uma intervenção pode sufocar e até mesmo levar à morte esses espaços educacionais que eram reconhecidos, anteriormente, apenas pela qualidade da formação dos Estudantes, pela inovação de suas práticas e pela capacidade e formação de excelência de seus Corpos Docentes e Técnico-Administrativos? A pergunta é pertinente, pois o clima de medo, a ameaça de punições arbitrárias e o adoecimento físico e mental de suas Comunidades são apenas algumas das formas já percebidas de respostas individuais e coletivas ao sufocamento lento, invisível e inaudível imposto pela atitude governamental antidemocrática.

Realmente, para que serve um processo eleitoral de grandes proporções, envolvendo milhares de servidores e estudantes em dezenas de cidades, se o seu resultado não for integralmente respeitado? A prática da democracia seria apenas uma mera formalidade na visão de nossos representantes políticos?

A intervenção nas Instituições Federais de Ensino e a indicação de reitores biônicos remontam aos tempos da Ditadura Militar no Brasil e não são aceitáveis no Estado Democrático de Direito, conquistado a partir de duras lutas políticas e sociais e que tem na Constituição de 1988 seu grande marco.

Nessas Instituições, são realizadas, há mais de 30 anos, eleições para a escolha do Dirigente Máximo. Nesse tempo, a Rede Federal de Educação nunca sofreu ataques tão duros a sua democracia como ocorre agora por parte do atual Governo.

Diante desse quadro, os signatários têm consciência de que, tal como em outros momentos difíceis da nossa história, é só pela luta e organização coletiva que ele poderá ser revertido. Atualmente, temos nos mobilizado nesse sentido em muitas instâncias, com grande apoio do Movimento Estudantil, do Movimento Sindical e de organizações da sociedade civil que valorizam a democracia.

Portanto, é para ampliar e fortalecer esta luta pelo respeito às universidades e institutos federais que conclamamos a sociedade a se juntar a nós e exigir dos poderes constituídos que respeitem a democracia e a autonomia das instituições de ensino no país, obedecendo, portanto, as escolhas realizadas nelas, que devem ser acatadas na forma da lei e dos seus estatutos. Assim, consideramos relevante e histórico o entendimento do Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, que, em manifestação oficial, declarou que as escolhas dos dirigentes máximos das universidades e institutos federais devem seguir os seguintes requisitos: “(I) se ater aos nomes que figurem na respectiva lista tríplice; (II) respeitar integralmente o procedimento e a forma da organização da lista pela instituição universitária; e (III) recaia sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista.”

Ocorre que acima de tudo e de todos está a Constituição de 1988. Ainda, conforme declara o Ministro Fachin em seu voto sobre a ADI 6565, “a nomeação de Reitores e Vice-Reitores não pode ser interpretada como dispositivo para o desenvolvimento de agendas políticas, ou como mecanismo de fiscalização” (…) “A nomeação não é instrumento de gestão porque não deve ser veículo de ingerência”. Nessa esteira, as eleições realizadas pelas Comunidades Acadêmicas vão ao encontro e são coerentes com o princípio democrático e com a autonomia universitária consagrados na Constituição de 1988. Por isso, nos juntamos a muitas vozes do passado e do presente para reafirmar: reitoras e reitores/diretores eleitos devem ser reitoras e reitores/diretores empossados!

Temos força para continuar e pedimos que cada vez mais pessoas e entidades juntem-se a nós, nessa batalha contra o autoritarismo, dentro e fora de nossas Instituições. Afinal, a democracia precisa prevalecer!

Brasil, dezembro de 2020.

Reitoras e reitores/ diretores eleitos

Anderson André Genro Alves Ribeiro e Lísia Regina Ferreira (UFFS) André Macêdo Santana e Carlos Sait Pereira de Andrade (UFPI)
Etienne Biasotto e Cláudia Gonçalves de Lima (UFGD)
Ethel Leonor Noia Maciel (UFES)
Fabio César da Fonseca e Patrícia Maria Vieira (UFTM)
Georgina Gonçalves dos Santos e José Pereira Mascarenhas Bisneto (UFRB)
Gilciano Saraiva Nogueira e Carlos Henrique Alexandrino Reitor (UFVJM) José Arnóbio de Araújo Filho Reitor Eleito (IFRN)
Leonardo Villela de Castro Maria do Carmo Ferreira (UNIRIO)
Maurício Gariba Júnior Reitor Eleito (IFSC)
Maurício Saldanha Motta (CEFET/RJ)
Maurilio de Abreu Monteiro Reitor Eleito (UNIFESSPA)
Rodrigo Nogueira de Codes e Francisco Edcarlos Alves Leite Reitor (UFERSA)
Rui Vicente Oppermann e Jane Fraga Tutikian (UFRGS)
Telio Nobre Leite e Lúcia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira (UNIVASF) Terezinha Domiciano Dantas Martins e Monica Nóbrega Reitora (UFPB) Custódio Almeida Reitor (UFC)