A presença de professores negros, doutores, pesquisadores que se autodeclaram pretos ou pardos ainda é tímida na UFSC
O ano de 2020 tem sido de tensões e preocupações. A busca pelo controle da pandemia de Covid-19 tem nos obrigado a estar fisicamente isolados, afastados uns dos outros. Mesmo assim, há espaços sendo abertos para as mobilizações. Um dos principais movimentos observados neste momento tem sido a luta antirracista.
O movimento ganhou força nos Estados Unidos, em maio, quando George Floyd, um homem negro de 46 anos foi sufocado até a morte em uma ação policial. Protestos se espalharam mundo afora e deram força ao ativismo pelo direito de não morrer em abordagens policiais. Em meio à pandemia, as pessoas saíram às ruas para dizer que as vidas negras importam, que as pessoas negras têm direito de respirar, de viver dignamente.
Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, não haverá mesas-redondas, debates e palestras nos auditórios da UFSC, como normalmente ocorreria. No entanto, haverá lives, pela Internet, e educação sobre as lutas do povo preto.
Não basta não ser racista
O que afinal significa ser antirracista? O termo não é novo. A ativista e filósofa negra Angela Davis, durante um discurso em 1979, nos Estados Unidos, afirmou: “Numa sociedade racista, não adianta não ser racista, nós devemos ser antirracistas”.
Ser antirracista é ir além de denunciar o crime de racismo ou a injúria racial, é muito mais que simplesmente não ser racista. É observar com senso crítico; ser agente de mudança. E a prática antirracista leva à criação de medidas de enfrentamento estrutural e institucional ao racismo.
A doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Jaqueline Conceição da Silva, salienta que a luta antirracista é pró-ativa, e é a resposta para mudar estruturas que “mantém pessoas brancas em locais de poder e com privilégios”, pois, ela explica, “é por meio de ações antirracistas que ocorre a mudança de relações sociais”.
A mudança, ressalta a pesquisadora, “passa pela contratação de líderes negros em grandes empresas, e também pela formação, a alfabetização racial de pessoas brancas e pessoas negras para que elas entendam o que é o racismo e os seus efeitos”.
Francis Vieira Tourinho, secretária de Ações Afirmativas e Diversidades na UFSC, ingressou como aluna na UFSC em 1987 em uma época que, segundo ela mesma recorda, quase não havia negros na instituição. A professora do Departamento de Enfermagem hoje atua como gestora e trabalha diretamente nas ações de equidade e na implementação das políticas de ações afirmativas.
“A adoção de ações afirmativas está aos poucos mudando a realidade das universidades e dos negros, porém, apenas a Graduação não é suficiente para reparar ou compensar efetivamente as desigualdades sociais resultantes de um legado histórico de exclusão social, desigualdade estrutural, racismo estrutural e graves atitudes discriminatórias que se perpetuam no presente”, pontua a secretária.
Uma tentativa de reparar desigualdades históricas, a adoção das políticas de ações afirmativas atualmente acontece na Graduação e em concursos públicos na UFSC e, em 2020, também na pós-graduação. No último mês de outubro, a Câmara de Pós-Graduação aprovou e o Conselho Universitário confirmou, em decisão unânime, que os programas de pós-graduação da UFSC deverão destinar, anualmente, 20% das vagas para candidatos pretos, pardos e indígenas e 8% para pessoas com deficiência, e outras categorias de vulnerabilidade social.
“As Universidades são ocupadas por uma maioria de pessoas brancas, incluindo o corpo docente, discente e gestor. Assim observamos que a universidade é um reflexo da sociedade, e esta é discriminatória. Isso torna o acesso dos negros em universidades, pós-graduação e empresas ainda mais difícil. Ainda se ouvem argumentos e discussões contra as políticas de ações afirmativas”, lembra Francis.
Ainda estamos distantes de uma efetiva implementação das políticas. Além de garantir as vagas, a universidade pública deve preocupar-se com a permanência, o apoio e acompanhamento dos alunos e combater as fraudes.
“Eu tenho uma trajetória longa de formação racial, e ainda assim sofro psicologicamente e politicamente com os desdobramentos do racismo no fluxo das relações dentro das instituições. Imagina uma menina, um menino, de 17, 18 anos, que sai de sua cidade de origem e vem morar num estado que é o mais racista do Brasil e em uma universidade que muitas vezes silencia as próprias tensões raciais. Esse é o nosso desafio, a efetividade com qualidade das políticas de ações afirmativas dentro das universidades”, enfatiza a doutoranda Jaqueline.
Já parou para pensar quantos professores negros você teve em sua trajetória escolar? Se você é branco, quantos negros você admira? Quantos autores negros você já leu? E se você é negro, você se sente representado nas mídias culturais? E em sala de aula? E na pesquisa acadêmica, no currículo de seu curso superior, como estão representadas as pessoas negras?
Jaqueline já pensou e estudou muito sobre o assunto e concluiu que, desde criança, nunca teve um professor ou professora negro, como ela. Mesmo assim, ela tornou-se pedagoga, mestra e agora será doutora pela UFSC. A paulistana, nascida na periferia da maior metrópole das Américas, afirma: “sou a primeira e a única mulher da minha família a completar o ensino superior, a fazer mestrado, doutorado”. Jaqueline é de uma geração anterior às políticas de ações afirmativas na Graduação, mas ingressou no doutorado já como cotista. “No programa em que eu fiz mestrado – na PUC/SP – não havia, e até hoje não tem ações afirmativas”.
Jaqueline conta que sofreu muitas situações de violência e racismo estrutural durante a sua formação. Sua resposta foi seguir estudando, e criar o Coletivo Di Jeje, um Instituto de Pesquisa e Formação sobre Questão Étnico Racial e de Gênero, com plataformas de ensino e aprendizagem na modalidade virtual.
“Desse processo, das violências que eu sofri, fica para mim o Coletivo, um espaço de formação, pesquisa, produção de conteúdo sobre racismo, com uma perspectiva a partir do feminismo negro. Se origina a partir do que observei como pedagoga e do meu caminhar, do que deve ser uma prática educativa que emancipe o sujeito”, explica a pesquisadora.
Representatividade importa
A presença de professores negros, doutores, pesquisadores que se autodeclaram pretos ou pardos ainda é tímida na UFSC. Segundo dados do sistema Administrativo de Recursos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, há 19 professores que se autodeclaram pretos, e 43 pardos. Já os técnicos-administrativos em Educação autodeclarados pretos são 43 e pardos, 115. Entre os estudantes, se autodeclaram pretos 1.555, e pardos são 3.464.
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