Prezadas(os) Senhoras(es),
Pela presente carta nós, integrantes do movimento N’Aya – quilombamento de intelectualidades afrotranscentradas – ligadas(es/os) a UFSC em níveis de graduação e de pós-graduação, apresentamos nossa reivindicação ao Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina. Reivindicamos a inserção das políticas específicas de ações afirmativas, por meio das políticas de permanência às travestis e transexuais nos cursos de graduação e programas de pós-graduação na UFSC.
No dia 27 de outubro do ano em curso, tivemos a aprovação, por unanimidade, da minuta de Resolução Normativa que estabelece a Política de Ações Afirmativas para negros, indígenas, pessoas com deficiência e outras categorias de vulnerabilidade social nos cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) e stricto sensu (mestrado e doutorado).
Mesmo que pessoas travestis e transexuais possam ser incluídas em “outras categorias de vulnerabilidade social”, nossa população não é devidamente contemplada na resolução, o que denota mais uma vez a invisibilização de nossas pautas. Entramos nesta conquista histórica, na minuta de resolução, por direito à políticas de acesso na UFSC, enquanto sugestão/orientação. Deveríamos ser contempladas (es/os) enquanto reservas de vagas prescrita em porcentagens, bem como os 20% das vagas previstas para pessoas racializadas. Dada a demanda, entendemos que 8% para todas as outras categorias de vulnerabilidade social não dá conta de contemplar a diversidade presente nas (es/os) candidatas (es/os) aos editais de seleção.
Na atual conjuntura, as pessoas travestis e transexuais lideram os altos índices de assassinatos com requinte de crueldade e baixa inserção no ensino superior público do país. Por isso, apesar de não compensarem ou repararem efetivamente as desigualdades sociais e atitudes discriminatórias direcionadas a esses grupos sociais, as ações afirmativas podem ser um dos caminhos para transformarmos essas situações.
Ressaltamos que, sem políticas de permanência, as ações afirmativas de ingresso não se mostram tão eficazes como poderiam ser. Com isso, e afirmamos a importância de associar as políticas de vagas (acesso) às políticas de permanência tanto na graduação, quanto na pós. Nós, travestis e transexuais, pessoas autodeclaradas brancas e negras, estudantes da
UFSC, apontamos a necessidade da construção de políticas de acesso com possibilidade de promover e incluir a nossa população de modo seguro e eficaz. Reivindicamos a política de reserva de vagas prioritárias no programa de habitação na universidade.
A história da educação brasileira tem sido omissa com a nossa população. De acordo com a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a nossa população de travestis e transexuais assume apenas 0,1% das vagas no ensino superior público federal. E em grande medida, este dado se consolida devido aos assujeitamentos e ausência de políticas de permanência no sistema de educação brasileira. As políticas da educação brasileira tem sido escrita por mãos cisgêneras, sem considerar e promover a cidadania e a produção de conhecimento científico por pessoas travestis e transexuais.
A nível da nossa instituição UFSC, isso se revela em diversas esferas, inclusive diante da ausência de dados estatísticos que estimem entre docentes, discentes e funcionários o número de pessoas por identidade de gênero; que apontem também o número de estudantes que acessam o direito ao nome social na instituição; o número de estudantes que se
matriculam, que concluem o curso, que são atendidas(es/os) pelas políticas de ações afirmativas da PRAE e que registram ocorrências e denúncias na UFSC distribuídas por identidade de gênero. A universidade tem sido pensada com fins de inclusão das populações vulneráveis, porém sem considerar a obrigatoriedade das políticas de acesso ao ensino superior e sem considerar também a moradia, a alimentação, a segurança, a empregabilidade e a saúde da nossa população de travestis e transexuais.
Dito isto, empreendemos esforços para que as(os) gestoras(es) da Universidade Federal de Santa Catarina possam atender as demandas de permanência do nosso povo.Diante das vulnerabilidades acentuadas neste período de pandemia, nós, estudantes travestis e transexuais da UFSC, precisamos de vagas na moradia estudantil. Neste contexto de exclusão, a moradia deve ser um direito para estudantes com identidade de gênero travestis e transexuais da graduação e também da pós-graduação.
Assinam esta carta:
Ale Mujica (mestre e doutore pelo PPGSC-UFSC).
Izzie M. S. Amancio (mestranda PPGE-UFSC);
Lucie Rogge (estudante de graduação de Licenciatura em Filosofia – UFSC);
Luck Yemonja Banke Palhano(estudante de graduação de Licenciatura em Letras – UFSC);
Luna-Nina Vanzella Cândido (estudante de graduação em Bacharelado em Cinema – UFSC);
Rafael Luiz de Oliveira (estudante de graduação em Ciências Sociais – UFSC);
Ti Ochôa (mestra pelo PPGI-UFSC e a primeira travesti a assumir cargo de docência na universidade, MEN-UFSC 2019-2020);
Andreia Lais Cantelli, Instituto Brasileiro Trans de Educação – IBTE;
Iêda Leal (Coordenadora Nacional), Movimento Negro Unificado Nacional – MNU;
Keila Simpson, Presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA;
Bruna Benevides, da Associação Brasileira LGBTI (ABGLT);