Sugestão do executivo de abrir fundo à escolas ligadas a igrejas e outras sem fins lucrativos atingiria 4 milhões de estudantes
A proposta do governo de ampliar os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para escolas privadas, incluindo as instituições ligadas a igrejas, pode elevar em mais de cinco vezes o número de estudantes financiados com o fundo público na rede particular. À quantidade atual, de 806,6 mil alunos atendidos, seriam acrescidas até 4,3 milhões de matrículas.
A projeção feita pelo GLOBO leva em conta o número de alunos de escolas privadas hoje considerados na distribuição do Fundeb e o potencial de crescimento, segundo as regras defendidas pelo governo. A reportagem teve acesso a detalhes da proposta do Executivo, formalizada no último dia 29 em reunião na Casa Civil. Integrantes da pasta entregaram sugestões para o texto da regulamentação do Fundeb ao deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), provável relator da matéria na Câmara.
O governo quer que o Fundeb financie matrículas em etapas que hoje não são contempladas na rede privada: ensino fundamental e médio regulares. O texto do governo estabelece, porém, um teto para evitar uma “privatização” na educação. As matrículas cobertas pelo fundo nessas escolas seriam “limitadas a 15% (quinze por cento) do total de vagas ofertadas pelo ente federado em cada uma dessas etapas de ensino”, diz a redação da proposta.
Hoje, o fundo só pode ser direcionado para a rede privada em etapas e modalidades específicas nas quais há deficit de oferta pública de vagas: educação especial, educação infantil (creche e pré-escola) e educação do campo. Ao todo, atualmente, 806,6 mil alunos são custeados pelo Fundeb em 6,7 mil escolas particulares sem fins lucrativos, apontam dados oficiais obtidos pelo GLOBO.
Nova regra pode beneficiar 15% dos alunos
Se a regra defendida pelo governo for adotada, esse número pode ser aumentado em até 4,3 milhões de matrículas — que é o teto de 15% considerando os 22,2 milhões de alunos no ensino fundamental e 6,5 milhões no ensino médio da rede pública, segundo dados do Censo Escolar 2019.
As escolas particulares, para receber dinheiro do Fundeb, têm de ser sem fins lucrativos. Juridicamente, elas são classificadas em três categorias: confessionais (ligadas a igrejas ou religião), comunitárias (instituídas por entidades com representantes locais, a exemplo de grupo de pais ou professores) e filantrópicas.
A maior parte dos 806,6 mil estudantes hoje atendidos nestas instituições via Fundeb estão na creche (567,6 mil matrículas) e na pré-escola (131,4 mil). Depois vem a educação especial, com 99,8 mil alunos, e, de forma bastante residual, outras modalidades, como escolas rurais e quilombolas.
As escolas privadas sem fins lucrativos computadas no fundo público estão espalhadas em todas as regiões do país. Apenas Roraima, Acre e Alagoas não contam com essas instituições atualmente, de acordo com os dados oficiais.
Pressão de evangélicos e católicos
Grupos evangélicos e católicos vêm pressionando o governo para que as escolas confessionais tenham acesso pleno ao Fundeb. O presidente Jair Bolsonaro e a ministra Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, já ouviram o pleito de lideranças religiosas em reunião realizada em São Paulo no início deste mês. Reuniões têm sido feitas também com integrantes do Ministério da Educação (MEC)
O argumento é que a Constituição, no artigo 213, não prevê limitações, ao estabelecer que “os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”. Dessa forma, os grupos religiosos sustentam que a regulamentação do Fundeb não deveria trazer restrições, como vem ocorrendo ao longo do tempo.
As escolas da rede privada sem fins lucrativos que têm matrículas consideradas na repartição do Fundeb têm de firmar convênios com a rede local de educação pública. O repasse dos recursos é operacionalizado pelo governo federal às gestões de cada ente federativo, que são os responsáveis pela transferência às escolas particulares.
Indicado para relatar o projeto de regulamentação do Fundeb na Câmara, embora ainda não tenha sido designado formalmente para a função, o deputado Felipe Rigoni confirma o recebimento da proposta do governo, mas evita adiantar seu posicionamento. Segundo ele, todas as sugestões feitas pelos atores envolvidos no debate estão sendo avaliadas. “Nossa previsão é apresentar o relatório ainda neste mês”, afirma Rigoni.
Aprovação precisa vir até final do ano
O projeto, na redação atual, repete as regras do Fundeb atualmente em vigor para restringir o uso do fundo na rede privada apenas para a educação especial, infantil e do campo. Rigoni apresentará um texto novo, com base na proposta original, para tentar avançar na votação. A regulamentação precisa ser aprovada até o fim do ano para que o novo Fundeb, aprovado em agosto pelo Congresso, passe a vigorar a partir de janeiro de 2021.
O governo já pediu ao Congresso que regulamente o novo Fundeb até fim de outubro para que as áreas técnicas tenham tempo de adequar os sistemas para fazer os repasses. O risco de um apagão é justificado pelo fato de que o fundo da educação básica atual perde sua vigência em 31 de dezembro de 2020, com todas as suas regras. Se o novo fundo não estiver regulamentado, não há como fazer as transferências a estados e municípios.
O Fundeb a partir de 2021 tem novas regras de repartição e ampliação da complementação da União. Mas é preciso detalhar, na regulamentação, como serão calculados os valores a serem transferidos por aluno, o que depende, entre outros fatores, da modalidade, etapa, indicadores socioeconômicos e outros parâmetros, sendo que alguns nunca foram usados e ainda terão de ser construídos.
Ao comentar o pleito das entidades religiosas em torno do Fundeb, no início deste mês, o Ministério da Educação (MEC) informou em nota que “a ampliação do escopo dos segmentos alcançados pela distribuição dos recursos do Fundeb, no que se refere a essas instituições (confessionais, comunitárias e filantrópicas), necessita de uma análise que leve em consideração as necessidades das redes de ensino sobretudo dos Estados e dos Municípios, em virtude de suas atribuições relacionadas à Educação Básica”.
Fonte: O Globo