Maioria dos trabalhos é nas áreas das engenharias, ciências de materiais e ciências ambientais
Companhias privadas gigantes muitas vezes ganham papel de destaque quando o assunto é parceria entre empresa e universidade no Brasil. Em diferentes proporções, porém, MPMEs (micro, pequenas e médias empresas) também fazem pesquisa com a academia.
Dados inéditos tabulados pela Folha mostram que, de 2015 a 2019, 170 estudos científicos, publicados em periódicos acadêmicos nacionais e estrangeiros, foram assinados simultaneamente por autores de universidades e de pequenas empresas.
O montante, claro, é incomparável com a ciência das gigantes. A maioria das colaborações científicas entre universidades e empresas no Brasil é estabelecida com farmacêuticas estrangeiras como Pfizer, Johnson & Johnson, Merck e Roche —que renderam dez vezes mais artigos científicos no período (1.848).
Ainda assim, a ciência produzida no elo entre micro, pequenos e médios empreendedores e universidades é significativa: dá, mais ou menos, um estudo a cada semana e meia no período analisado. E, diferentemente dos trabalhos com farmacêuticas, aqui as pesquisas se concentram sobretudo em engenharias, ciências de materiais e ciências ambientais.
Outro aspecto caracteriza as empresas que desenvolvem ciência com instituições: a origem das companhias. “Muitas são spin-offs das universidades”, diz Hérica Righi, pesquisadora da Universidade de Bolonha (Itália), que se debruça há anos sobre a relação universidade-empresa do Brasil. Ou seja, boa parte das MPMEs que desenvolve pesquisa com universidades brasileiras nasceu na própria instituição e, muitas vezes, opera ao lado do campus.
Esse é o caso da Smart Inove, empresa de softwares e aplicativos que assina todos os 15 estudos da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) em colaboração com MPMEs de 2015 a 2019. Esses trabalhos levaram a UFJF ao 1º lugar no ranking das universidades que mais têm estudos acadêmicos com empresas de menos de 500 funcionários.
A Smart Inove surgiu na incubadora da universidade há oito anos, sob o comando de dois professores e dois alunos. Um dos estudantes na época, o agora administrador de empresas Saulo Dias Esteves, 39, segue na liderança do negócio (o outro ex-aluno migrou para uma empresa que surgiu da própria Smart Inove).
Emancipado, o negócio se instalou ao lado da UFJF. De acordo com Esteves, estar na vizinhança da universidade facilita as parcerias e as contratações de alunos. A Smart Inove tem 12 funcionários; na última década, 380 ex-alunos da UFJF passaram por suas instalações, diz Esteves.
A proximidade física, no entanto, não é premissa para que as parcerias aconteçam. A USP, por exemplo, tem estudo científico publicado em parceria com uma empresa da área de saúde de Santa Maria (RS); PUC-RS e Unifesp, por sua vez, assinam trabalhos com uma companhia de pesquisa clínica do Ceará.
No caso da Smart Inove, parte dos trabalhos assinados com a universidade se dedica a soluções de eficiência energética para atender editais de pesquisa e desenvolvimento ligados à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Legalmente, as concessionárias de distribuição de energia elétrica devem aplicar no mínimo 0,5% de sua receita operacional líquida anual em inovações no setor. O principal mecanismo para fazer isso são esses editais.
“Muitas empresas do setor elétrico e de telecomunicações trabalham com universidades por causa dos editais”, diz a consultora Maria Augusta Orofino, da Biz Innovation.
Como exigem a participação de docentes universitários, esses editais acabam promovendo as pesquisas em parceria mesmo que a empresa tenha laboratórios próprios, como é o caso da Smart Inove. A maioria dos pequenos empreendedores, porém, depende de instalações das universidades para viabilizar pesquisa.
“A universidade é vista como ponto de apoio”, diz Righi. “As pequenas não têm estrutura para fazer pesquisa como as grandes e não têm como contratar cientistas porque a pesquisa não é contínua.”
Ao lado da UFJF, as também universidades federais de São Paulo, do Rio Grande do Sul e de Minas, a USP, a PUC- RS e Universidade de Caxias do Sul concentram, sozinhas, metade dos 170 trabalhos publicados com MPMEs nos cinco anos analisados (veja lista abaixo). As federais de Mato Grosso do Sul, de Santa Catarina e de Viçosa também aparecem no top dez.
Os dados, inéditos, foram tabulados na base de periódicos internacional Web of Science seguindo a metodologia do RUF (Ranking Universitário Folha), que avalia e classifica todas as universidades do país com base em uma série de indicadores.
Foram selecionadas todas as instituições que assinaram estudos científicos com universidades brasileiras de 2015 a 2019 e que continham, em seu nome, as expressões “Ltda” ou “ME”. Depois, a reportagem consultou o site da Receita Federal para conferir o porte das empresas.
Estudos científicos de universidades em parceria com o setor produtivo passaram a integrar o RUF em 2018. De acordo com especialistas, esses trabalhos representam “parceria científica de verdade”, diferentemente, por exemplo, de investimentos feitos pelo setor produtivo em universidades para fins de isenção fiscal.
INSTITUIÇÕES COM MAIS PESQUISAS FEITAS COM MPMES
Universidade Federal de Juiz de Fora
26ª colocada no RUF*
15 estudos**
USP
1º colocada no RUF
14 estudos
PUC-RS
18ª colocada no RUF
13 estudos
Unifesp
16ª colocada no RUF
13 estudos
Universidade de Caxias do Sul
42ª colocada no RUF
11 estudos
UFRGS
5ª colocada no RUF
11 estudos
UFMG
4ª colocada no RUF
9 estudos
UFMS
41ª colocada no RUF
7 estudos
UFSC
7ª colocada no RUF
7 estudos
Universidade Federal de Viçosa
15ª colocada no RUF
7 estudos
Fonte: Folha de S. Paulo