Alteração prevê deixar a cargo do Executivo a criação dos cálculos de indicadores e condicionalidades que definirão o destino de parte dos recursos
O governo quer fixar por decreto a forma de calcular indicadores que nortearão os repasses do Fundeb, fundo que financia a educação básica recentemente incluído na Constituição. Novos parâmetros, como resultados educacionais e nível socioeconômico dos estudantes, passarão a ser critérios para a distribuição dos recursos. Ao pedir a fixação por decreto, o governo teria maior poder para direcionar quem receberia os recursos, ainda que precise estabelecer critérios técnicos.
O projeto de regulamentação do novo Fundeb na Câmara prevê que cabe ao Legislativo criar, até 2022, esses indicadores, estabelecendo referenciais neutros aos que se aplicam já nos próximos dois anos. O governo defende, no entanto, que essas definições devem ficar a cargo do Executivo. A justificativa é que são questões muito técnicas e que precisarão de aperfeiçoamentos na implementação, sendo inviável ter que aguardar uma alteração legislativa a cada ajuste necessário.
A Casa Civil já formalizou esse pedido de alteração no projeto de regulamentação do novo Fundeb na Câmara, segundo documentos obtidos pelo GLOBO. A reunião no Palácio do Planalto, no último dia 29, envolveu representantes do governo e o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), que já trabalha na condição de relator da proposta, enquanto aguarda ser designado formalmente para a função pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Rigoni confirmou ao GLOBO que recebeu a solicitação do governo. Segundo ele, há espaço para negociar um texto que resguarde os princípios do novo Fundeb, sem deixar de responder à preocupação dos técnicos do Executivo em ficar amarrados a uma legislação na aplicação prática dos critérios.
— Não vamos deixar tudo ser por decreto, sobretudo quando falamos em indicadores tão importantes, como o de resultados educacionais. O caminho deverá ser colocar diretrizes muito claras do que deve ser considerado em cada ponto para possibilitar que a conta, em si, possa ser feita por decreto ou por meio de uma comissão. Ainda estamos estudando — explica Rigoni.
Para especialista, é ‘preocupante’ deixar critérios nas mãos do governo atual
Entre os indicadores que o governo quer ter mais poder de detalhar, via decreto, estão as condicionalidades de melhoria de gestão e os resultados educacionais, que serão os critérios para repasse de 2,5 pontos percentuais da nova complementação da União a partir de 2023. Esses parâmetros foram incluídos no novo Fundeb para incentivar as redes na adoção de boas práticas de gestão e no avanço da aprendizagem dos estudantes.
O governo também defende detalhar por decreto três outros critérios: de nível socioeconômico (para priorizar redes com alunos mais vulneráveis), indicador de disponibilidade de recursos vinculados à educação (para que a complementação da União considere todo o dinheiro atrelado ao setor, e não só o da cesta do Fundeb) e o potencial de arrecadação tributária de cada ente federado (para premiar municípios que são eficientes na tarefa de arrecadar).
Todos esses indicadores já devem ser considerados para a distribuição do novo Fundeb a partir de janeiro de 2021. O projeto de regulamentação atribuiu a eles um fator neutro, de forma que não influenciarão na partilha da verba até que o Legislativo os defina para começarem a valer de fato.
Para o governo, porém, a indefinição desses indicadores tende a inviabilizar a regulamentação posterior no Congresso Nacional, que, por sua agenda política, pode ter dificuldades em mudar regras em tema delicado: distribuição de recursos entre os entes da Federação. O Executivo também argumenta nas reuniões internas que todos são critérios novos, nunca antes formulados e aplicados, o que torna mais complexo exaurir seus detalhes por meio de lei.
A deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), autora do projeto de regulamentação, afirma que tem todo interesse em regulamentar tudo que for possível, até o fim do ano, já que o novo Fundeb começa a valer em janeiro de 2021. No entanto, segundo ela, o próprio governo não tem todos os dados necessários para se fazer a definição exata dos indicadores.
— Desde que regras sejam estabelecidas em lei, não há problema em deixar o governo fazer algumas definições por decreto. O que não se pode é deixar margem para mudar a lógica de distribuição, desvirtuar tudo que foi pensado até agora — afirma a deputada.
Na avaliação de João Marcelo Borges, pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em educação, é “preocupante” deixar nas mãos do governo atual a definição de critérios tão importantes de distribuição de recursos. Ele pondera, no entanto, que muitos temas são de fato excessivamente técnicos e que o Congresso peca por não ter conseguido avançar em uma regulamentação mais completa.
— Por exemplo, não existe nenhuma proposta robusta no Congresso nem mesmo na sociedade civil que meça o potencial arrecadatório do entes federados, que é um dos indicadores. Quanto mais tempo o Congresso demorar para avançar nesse debate, maior o risco de que isso seja feito diretamente pelo Executivo — diz Borges, que complementa: — E considerando a visão desse governo, isso é bastante preocupante, pois sabemos do seu desprezo pela educação básica, depois de tantos episódios, sendo o mais recente a tentativa de retirar do Fundeb recursos adicionais para usá-los no suposto Renda Cidadã (programa social que o governo quer lançar).
O novo Fundeb foi aprovado em agosto pelo Congresso Nacional. Com isso, passou a ser permanente e foi incluído na Constituição, com vigência a partir de janeiro de 2021. Ele é formado por recursos de impostos estaduais e municipais. A União entra com uma complementação, que passará dos atuais 10% para 23% até 2026. Os novos critérios foram adotados para que a partilha dos recursos seja mais justa e corrija distorções.
A Casa Civil foi procurada para comentar a proposta de fixação de critérios por decreto, mas não respondeu.
Fonte: O Globo