Doutora pela UFSC pesquisa vacinas em instituto da Universidade de Oxford

A Dra. Sthefany Pagliari, que foi para o exterior com bolsa do CNPq, compara as oportunidades e investimento dentro e fora do Brasil

Sthefany Pagliari ficou em quarentena por 14 dias antes de começar a trabalhar no Jenner Institute (Universidade de Oxford), em 1º de outubro. Desde então, ela é pesquisadora de pós-doutorado num dos mais avançados centros de desenvolvimento de vacinas do planeta, incluindo uma em estágio avançado contra o novo coronavírus. Entre 2014 e 2019, Sthefany integrou o Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Biociências da Universidade Federal de Santa Catarina. Na UFSC, a cientista produziu a tese Imunogenicidade e proteção frente ao desafio por parasitas transgênicos Plasmodium berghei [CS vivax] induzidas em camundongos pelo candidato vacinal antimalárico HBcAgPvCS formulado em diferentes adjuvantes orientada pelo professor Oscar Bruna-Romero.

Sthefany, que foi com bolsa do CNPq para o exterior, terminou sua tese em setembro do ano passado e ficou assustada quando as notícias sobre o novo coronavírus começaram a pipocar na imprensa. “O mundo parou quando ia dar o próximo passo da minha carreira. O que vou fazer?”, preocupava-se a cientista. “Acompanhando o desenrolar da pandemia, comecei a notar o quanto o mundo estava valorizando os cientistas, pela necessidade de ter uma vacina para combater o coronavírus”.

Por muito tempo, Sthefany ouviu a clássica frase “Quando vai parar de estudar e começar a trabalhar?”, entretanto, agora as mesmas pessoas questionam “por que a gente ainda não tem uma vacina?” ou “por que demora tanto?”. “O desenvolvimento de uma vacina é difícil, um investimento financeiro que lida com a vida das pessoas… Realmente é algo demorado, precisa de tempo”.

A urgência em criar uma vacina para o SARS-CoV-2 direcionou verbas, no mundo todo, para financiamento de pesquisas. Sthefany começou a prestar mais atenção nas crescentes oportunidades para cientistas. “Estava chovendo vagas, tanto de empresas privadas como de universidades, precisando de profissionais para o desenvolvimento de novos candidatos vacinais. Foi aí que comecei de fato a aplicar (inscrever-se), não só pra Oxford, mas para instituições privadas”, conta.

Nesta hora, pesou a experiência de Sthefany do doutorado sanduíche – ela irá atuar junto ao professor Arturo Reyes-Sandoval, o mesmo que a recebeu anteriormente. “Recebi um alerta de uma vaga aberta no começo de agosto, através do site do departamento da Universidade de Oxford. Era muito parecida com o que havia realizado aqui (no doutorado)”, lembra. A vaga ficou aberta um mês, período no qual ela se preparou para fazer a aplicação –  que envolveu o envio do currículo, uma carta de intenção onde são relatados os interesses em relação aos objetivos buscados pela instituição. “Finalizando o primeiro processo, esperei quase um mês e obtive a resposta para a segunda fase, que seria a entrevista. Ocorreu de forma on-line, onde tanto o professor do laboratório como duas pós-docs me entrevistaram”, afirma a pesquisadora. Ela respondeu perguntas relacionadas às suas habilidades técnicas, objetivos e o que poderia proporcionar a ajudá-los. “Uma semana depois o RH começou o processo, avisando que havia sido selecionada, na sexta-feira, 4 de setembro”, observa Sthefany. Como tem cidadania europeia, não precisou de visto e chegou na Inglaterra em 16 de setembro para começar o período de reclusão obrigatório da pandemia.

O objetivo principal do pós-doc de Sthefany, juntamente com a equipe do professor Arturo, será avalição da resposta imune frente às vacinas que o laboratório vem desenvolvendo. “A grande área de pesquisa dele é a geração de vacinas contra doenças tropicais negligenciadas. Então incluí a vacina contra malária, meu objeto de estudo no doutorado, e outras doenças que estão sendo testadas na fase pré-clínica (em animais) e um candidato vacinal em fase clínica (teste em humanos), contra Zika e Chikungunya”, cita a cientista. “Basicamente, meu papel será avaliar a resposta imune destas vacinas , tanto em animais como em humanos, dependendo do estágio de desenvolvimento em que ela se encontra, além da geração de outros novos candidatos” complementa.

Doutorado

No doutorado, o alvo da pesquisadora foi desenvolver um candidato vacinal que combatesse a malária causada pelo Plasmodium vivax. “Para isso, utilizamos uma plataforma chamada de VLP (Virus-like particles), que não são nada mais do que proteínas. Elas têm uma capacidade de se automontarem, ou seja, ficam numa forma muito parecida com um vírus. Desenhamos esse candidato vacinal para transportar antígenos do parasita P. vivax. Isso é basicamente a construção vacinal”, descreve Sthefany. Na UFSC, foram realizados testes pré-clínicos, como é chamada a fase de laboratório, com testes em camundongos. A proposta é continuar a pesquisa. “Basicamente, meu doutorado no Brasil foi desenhar esse candidato vacinal, essa partícula visualmente parecida com o vírus, que não tem capacidade de causar doença, muito menos de infectar uma célula. É simplesmente a carinha de um vírus”.  Quando o sistema imune enxerga essa partícula, acrescenta Sthefany: “Ele acha que é um vírus potencial que vai infectar a pessoa, então começa a cascata de resposta imune (a produção de anticorpos e outras células para proteger a pessoa quando for exposta ao parasita). Quando se infecta de forma natural, a pessoa já estará protegida previamente pela vacina”.

Pesquisa no Brasil

Durante o doutorado sanduíche, Sthefany conta que os brasileiros não só têm muito a aprender, mas também o que oferecer para a pesquisa de ponta. “O Brasil tem potencial, mas não há investimento financeiro adequado para disponibilizar recursos humanos para desenvolver o que a gente gostaria. Apesar de termos excelentes pesquisadores, criativos, projetos maravilhosos, publicações excelentes, as oportunidades aqui fora são maiores e numerosas”, pondera.

Entre os problemas enfrentados durante o doutorado, estava a falta de verbas para insumos básicos. “Não temos recursos para comprar todo o material que precisamos para finalizar a pesquisa. No nosso laboratório, por exemplo, professores e pesquisadores ajudavam fornecendo um reagente ou outro. Existe sempre essa troca. Não se faz pesquisa sozinha, mas existe a questão de falta de material, de produtos, reagentes”, diz Sthefany, que na seção de agradecimentos de sua tese lembrou das ajudas que recebeu durante a pesquisa.

Outro fator que incomoda a cientista é a forma de estrutura da pesquisa no Brasil: “O post-doc não tem como ter seu próprio laboratório, sua própria linha de pesquisa. Quem detém esse poder são os professores, salvo em instituições de pesquisa como a Fiocruz. Aqui fora o post-doc é um profissional, não um vínculo de estudante. Pode-se passar sete, oito anos como post-doc. Depois desse tempo acabam querendo ou não, dar outro passo na carreira, que é se tornar um investigador principal ou professor”.

Leia na íntegra: Agecom UFSC