Por Waldir José Rampinelli
Francisco de Assis Chateaubriand, ao longo de seus quarenta anos de vida criminosa (1928-1968), chantageou, achacou e corrompeu todos os presidentes brasileiros, excetuando-se apenas um: João Goulart. De Getúlio, arrancou empréstimo de um banqueiro gaúcho para comprar a revista “O Cruzeiro”, como também a incrível emissão do Decreto-Lei “Teresoca”, que lhe favoreceu na disputa judicial com sua mulher pela guarda da filha Teresa; de Dutra, exigiu a imediata demissão do ministro da Educação, recém nomeado, por ser um desafeto seu; de Juscelino, quis sua nomeação para a embaixada em Londres por mera questão de vaidade e o pagamento das dívidas do MASP; dos ditadores de 1964, extraiu o apoio ao seu império midiático. Até o “grande” jurista Nelson Hungria, que na condição de juiz estava de férias no interior de Minas Gerais, foi buscado para reassumir a 4ª Vara no Rio de Janeiro e anular a sentença de um substituto que havia contrariado os interesses de Chatô. Com Goulart, os veículos Associados perderam, da noite para o dia, as sempre generosas benesses do Banco do Brasil, do Ministério da Fazenda e dos institutos de previdência. Por isso, atacou-o sistematicamente, bem como seus chegados: Darcy Ribeiro, Celso Furtado e Almino Afonso.
Atando seu comportamento paranoico de “jagunço” com sua defesa intransigente do capitalismo internacional, mostrou ser um racista, um machista, um fascista, um integralista, um antinacionalista, um imperialista. Quer como advogado, quer como dono dos “Diários Associados”, defendeu os interesses econômicos e culturais do magnata estadunidense Percival Faquhar, um dos grandes responsáveis pela guerra de classe do Contestado, ocorrida em Santa Catarina. Chegou ao ponto de pedir aos Estados Unidos que mantivessem suas bases militares no Nordeste Brasileiro, uma vez terminada a Segunda Guerra Mundial, sendo, portanto, um propagandista da Doutrina Monroe.
Chatô sempre adotou a estratégia de que os fins justificam os meios. Para satisfazer uma vaidade sua, por exemplo, comprou por duas vezes a vaga de senador da República, sendo que uma pelo estado da Paraíba e a outra pelo estado do Maranhão; nesta última teve o apoio do sociólogo Gilberto Freyre, do candidato JK e do escritor Josué Montello. Chegou ao absurdo de pretender tomar posse como embaixador na Inglaterra, sem perder sua imunidade parlamentar, já que estava duelando na justiça com José Ermírio de Moraes. Na verdade, foi um homem que por meio do poder da corrupção deu nó em pingo d’água.
Avelhantado e, tendo sofrido uma trombose em fevereiro de 1960, viveu até 4 de abril de 1968, sem deixar de escrever e sem largar mão de praticar delitos, até os últimos momentos de vida.
Roberto Marinho, seu herdeiro, cresceu com o golpe de Estado de 1964, transformando jornais, rádios e tvs em defensoras da ditadura, da ideologia das classes dominantes e da abertura da economia aos interesses dos Estados Unidos. “Sim, eu uso o poder”, admitiu Marinho para fazer tudo o que realizara Chatô, mas agora com métodos mais modernos.
O Globo e os Diários Associados, por exemplo, sempre prestaram apoio aos interesses fascistas portugueses. Quando havia necessidade de se contrapor a qualquer denúncia feita contra o regime salazarista, a diplomacia lusitana recorria principalmente a estes dois meios de comunicação. Roberto Marinho, proprietário do primeiro, fora condecorado pelo governo português e Assis Chateaubriand, dono do segundo, escrevera uma série de artigos, durante os anos 1950 e 1960, defendendo a manutenção do status quo colonial. Em um de seus trabalhos, Chateaubriand critica de maneira deselegante e grotesca a política externa independente de Jânio Quadros e reafirma a ideia de que o Brasil só poderia permanecer “ao lado do governo de Lisboa para sustentar a linha do presidente Salazar, ou seja, que Portugal não tem colônias no Ultramar, porém, províncias do seu sistema unitário. Esta é a forma de conservar a nossa influencia na África, deixando Portugal onde os nossos interesses sejam comuns”. (A Presença do Brasil no Ultramar Português, O Jornal, Rio de Janeiro, 28 de abr. 1963).
O embaixador português Manuel Rocheta, ao avaliar a cobertura da imprensa brasileira sobre os conflitos coloniais em Angola, diz que os “Diários Associados bem como O Globo têm firmado posição favorável e espero o mesmo do Jornal do Brasil que já melhorou sensivelmente a apresentação do noticiário. O Diário Carioca mudou radicalmente sua orientação após intervenção direta do Presidente Kubitschek que solicitei”. Tratava-se, obviamente, de JK já na condição de ex-presidente. (Telegrama da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro – secreto. Referências Estrangeiras à Política e Administração Ultramarina Portuguesa. Ministério dos Negócios Estrangeiros, 21 jun. 1961).
Em 2003, quando as Organizações Globo passavam por dificuldades financeiras e Lula presidia o Brasil, seria o momento propício para quebrar o monopólio deste grupo e democratizar as comunicações no país. No entanto, o chefe da Nação renunciou a esta grande tarefa histórica. Pagou caro mais tarde, ele e todo o povo brasileiro. Assim atravessou o Brasil todo o século XX, chegando ao início do XXI, dominado por grupos midiáticos. Pois bem, onde há monopólio da imprensa, simplesmente não há democracia.
Waldir José Rampinelli é professor do Departamento de História da UFSC
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