Diante da resistência em comprometer recursos que vão para a educação, parlamentares estariam dispostos a ceder nesse ponto
Mesmo com a reação negativa à proposta de adiar o pagamento de dívidas judiciais e recorrer a dinheiro do Fundeb para financiar o Renda Cidadã, o governo decidiu seguir em frente com o plano de criar o novo programa social. Fontes que participam das conversas já admitem, no entanto, que o uso de recursos para a educação básica pode ser poupado durante a negociação no Congresso.
Nesta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro se defendeu de críticas à medida, acusada por analistas do mercado financeiro e especialistas de contabilidade criativa, já que o benefício não seria custeado com economia real de despesas, mas por meio de uma espécie de endividamento indireto.
Bolsonaro sinalizou que ainda aguarda uma “solução racional”, mas que não pretende demorar a tomar uma decisão.
“Tudo que eu faço, dizem que estou pensando em 2022. Se nada faço, sou omisso. Se faço, estou pensando em 2022. Agora, não queiram estar no meu lugar, vou fazer o possível para buscar soluções. Vou para uma máxima militar, eu quero a solução racional, preciso de ajuda no tocante a isso. Agora, se não aparecer nada, vou tomar aquela decisão que o militar toma. Pior do que uma decisão mal tomada é uma indecisão. Eu não vou ficar indeciso. O tempo está correndo”, disse Bolsonaro a apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada.
‘Pessoal do mercado’
O presidente comentou ainda que, quando o auxílio acabar, todos vão sofrer, até o “pessoal do mercado”:
“Aquele ditado “estamos no mesmo barco” é o mais claro que existe no momento. O Brasil é um só. Se começar a dar problema, todos sofrem. O pessoal do mercado não vai ter também renda, vocês vivem disso, de aplicação.”
A proposta apresentada na segunda-feira por integrantes do governo e do Congresso prevê como principal fonte de financiamento para o novo benefício a criação de um limite no pagamento dos chamados precatórios — débitos contraídos pela União quando perde em disputas na Justiça.
A trava seria de 2% da receita do governo federal e, assim, reduziria a previsão de gastos com essas dívidas de R$ 55 bilhões para R$ 16 bilhões em 2021. A diferença de R$ 39 bilhões iria para o programa social.
Perguntado sobre a crítica de que essa rolagem dos precatórios seria uma espécie de calote, o relator da proposta, senador Marcio Bittar (MDB-AC), rebateu a acusação. “Por que calote? Renegociar dívidas é calote? Então governos estaduais e municipais são todos caloteiros?”, afirmou o parlamentar, referindo-se ao fato de que governos locais também limitam esses pagamentos.
O uso do Fundeb seria uma fonte alternativa. A proposta autoriza o governo a transferir parte da complementação que faz ao fundo para custear a educação em estados e municípios para reforçar o orçamento do Renda Cidadã. Segundo cálculos de técnicos do Legislativo, isso poderia render um adicional de R$ 3,3 bilhões ao novo programa.
De forma reservada, líderes da base e ministros que participaram da elaboração da proposta admitem que a inclusão do fundo como fonte de custeio do programa é “estratégica”. Diante da resistência em comprometer recursos que vão para a educação, parlamentares estariam dispostos a ceder nesse ponto para garantir apoio à rolagem dos precatórios, fonte de recursos mais importante.
Resistência no Congresso
Há uma avaliação de que o uso do Fundeb para ajudar a manter o Renda Cidadã sofrerá forte resistência no Congresso, diante das reações já antecipadas por lideranças. Embora os parlamentares evitem criticar programas sociais, porque isso traz desgaste político, reduzir verbas da educação para essa finalidade não será um discurso fácil.
O líder do chamado centrão na Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), afirmou ontem que a mudança no Fundeb deve enfrentar resistências:
— Politicamente, a questão do Fundeb realmente é mais difícil. Acho que não prosperará. Agora, não vejo nenhuma inconstitucionalidade na questão dos precatórios. Você não está deixando de pagar os precatórios. Está fazendo uma previsão de pagamento para dois, três anos, num percentual fixado, como já acontece nos estados e municípios.
O Fundeb é o principal fundo de financiamento da educação básica e é composto pela arrecadação de impostos municipais e estaduais, complementados com recursos do governo federal. O mecanismo teria validade só até este ano, mas uma emenda constitucional aprovada há um mês renovou a medida de forma permanente e ampliou a previsão de participação da União.
No início de junho, O GLOBO antecipou que a equipe econômica tentava destinar recursos da ampliação do Fundeb para o então Renda Brasil, primeiro nome do Renda Cidadã. No entanto, na época, a proposta foi rechaçada pelos parlamentares.
Apesar do cálculo político, o texto será enviado ao Congresso com as duas fontes de custeio, segundo o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). A proposta deve ser apresentada formalmente hoje por Bittar, que também defendeu o uso do Fundeb:
— O que adianta você criar dinheiro para a educação se você tem cinco milhões de famílias que o filho não está na escola porque tem que ajudar o pai e a mãe? Não é mais importante garantir que essa família tenha o filho na escola?
Fonte: O Globo