Relatora do projeto na Câmara diz que há falta de entendimento da importância da educação. Para ONG, ideia é ‘alarmante’
Parlamentares receberam mal a proposta do governo de direcionar recursos de precatórios e do Fundeb para o programa Renda Cidadã apresentada nessa segunda-feira. A ideia foi criticada pelos relatores do projeto no Senado e na Câmara, além de outros deputados ligados à educação ouvidos pelo GLOBO.
Nas palavras do senador Flávio Arns (Podemos-PR), relator do Fundeb na Casa, a proposta do governo é um “absurdo completo, lastimável e impensável”:
— Tirar dinheiro da educação é lesa-pátria na minha opinião. São pessoas que não entendem do assunto e querem lesar o Brasil tirando dinheiro da educação. Agora, precisa de programas sociais? Qualquer país desenvolvido do mundo precisa, e nós precisamos e vamos precisar sempre. Mas isso tem que ser com recursos da assistência, da promoção.
Por sua vez, o relator da proposta de emenda à Constituição que cria o Renda Cidadã, senador Marcio Btitar (MDB-AC), rebateu críticas à proposta de adiar o pagamento de dívidas judiciais da União, os chamados precatórios, para financiar o novo programa social do governo.
A proposta do novo programa social do governo foi apresentada nessa segunda-feira. Havia uma expectativa de que fosse apresentada também a segunda etapa da reforma tributária, mas não houve consenso entre os líderes no Congresso e o governo. Com isso, o envio da proposta ficou para depois das eleições.
Arns também reclama que o governo quer mudar uma proposta que ele mesmo apoiou apenas um mês depois de aprovada no Congresso. O Fundeb foi promulgado pelo Congresso no fim de agosto e, naquela época, havia recebido endosso do governo por meio de uma mensagem enviada pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
— Depois de um mês de uma emenda constitucional que se apresentou um consenso no Brasil, na Câmara, no Senado, com todo mundo no Brasil, vão querer mudar de novo. Mudar o que foi mudado um mês atrás e, pior, porque educação é tudo, prioridade absoluta tem que ser educação — comentou Arns.
O Fundeb é o principal fundo de financiamento da educação básica brasileira e é composto pela arrecadação de impostos municipais e estaduais, complementados com recursos do governo federal.
Antes desse endosso, no início de junho, O GLOBO antecipou que a equipe econômica tentava destinar recursos da ampliação do Fundeb para o então Renda Brasil, primeiro nome do Renda Cidadã. No entanto, na época, a proposta foi rechaçada pelos parlamentares. “Eu diria que as chances de aprovar uma matéria dessa natureza é muito difícil no Senado e na Câmara. Todo mundo votou na Câmara justamente o contrário e agora vão querer mudar tudo. A chance de ser aprovada é difícil”, afirmou Arns.
A relatora do Fundeb na Câmara, deputada professora Dorinha (DEM-TO), não vê amparo legal na proposta do governo. Segundo a deputada, a legislação é clara ao impedir que verbas da educação sejam direcionadas para a área de assistência social. “Lá na década de 70, talvez até 80, era possível fazer asfalto a dois quilômetros da escola, na porta da escola, e colocar como recurso da educação. Esse tempo já passou e passou muito”, disse.
Dorinha disse ainda que não tem “combinação” com o Congresso para aprovar uma mudança como essas, apesar da participação de diversos líderes partidários na reunião de segunda-feira. Ela afirmou também que é “lamentável” o governo não compreender a importância da educação para o desenvolvimento da sociedade:
— Quando a educação funciona, eu estou fazendo uma enorme mudança na situação de vulnerabilidade de uma família. Acho que há uma falta de compreensão da importância da educação para esse desenvolvimento, e esse é o ponto mais lamentável.
Impacto para municípios mais pobres
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) também duvida da aprovação de um projeto que retire recursos do Fundeb. Para a parlamentar, o governo “dá voltas sem sair do lugar” porque não quer encarar o principal problema, que é uma reforma tributária progressiva, que acabe com os privilégios dos “altos escalões do setor público”.
— Nosso maior risco é chegar ao final do ano sem solução, sem consenso e, com fim do auxílio emergencial, expor milhões de famílias à pobreza, à extrema pobreza, situação que está se agravando e vai ficar ainda pior por causa da pandemia.
O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), se colocou a favor de um projeto de renda básica, mas contra a retirada de dinheiro da educação “dos mais pobres” para financiar o projeto:
“O caminho é manter intactos os recursos do Fundeb, que foram conquistados a duras penas, e buscar recursos para uma renda básica na reforma tributária, que precisa fazer os super-ricos pagarem imposto no Brasil, o que não ocorre. O que fica claro é que o governo não quer tirar os recursos dos super-ricos, mas sim da educação dos mais pobres. Não podemos concordar com isso.”
Em nota, a ONG Todos Pela Educação, classificou a proposta do governo de “alarmante”.
Segundo a organização, o governo desrespeita o Congresso Nacional em uma estratégia “despreocupada com a construção de políticas educacionais que garantam que toda criança e jovem esteja na escola e aprendendo”.
A ONG também estima que a retirada de 5% do Fundeb para o Renda Cidadã impactará principalmente os municípios mais pobres:
“Ampliar a rede de proteção social com aumento das transferências de renda é fundamental, mas isso não pode fragilizar políticas sociais que têm efeitos estruturais e complementares, como é o caso do Fundeb”.
Fonte: O Globo