Longo período de suspensão das aulas pode aumentar abandono escolar e reduzir desempenho
O avanço histórico do ensino brasileiro no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2019 corre risco de não ser mantido nos próximos anos com o longo período de suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia do novo coronavírus, segundo especialistas e gestores da área.
Ainda que o país se mantenha distante das meta, a última avaliação indicou um crescimento inédito em todas as redes estaduais de ensino médio no ano passado. Também houve avanço significativo nas redes públicas de ensino fundamental, reduzindo o abismo de desigualdade com as escolas privadas.
“Esse resultado mostra que o país tinha encontrado o caminho certo para melhorar a qualidade da educação, nós só precisávamos buscar formas de acelerar o trajeto. Mas a pandemia aparece e pode estancar esse crescimento”, diz Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação.
O Ideb é o principal termômetro da educação brasileira. O indicador é calculado a cada dois anos pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão do MEC. São levados em conta o desempenho dos estudantes em avaliação de matemática e língua portuguesa, chamada Saeb, e as taxas de aprovação escolar.
A avaliação federal é feita ao fim de três etapas: anos iniciais (5º ano) e finais (9º ano) do ensino fundamental e ainda no último ano do ensino médio. Os resultados de 2019 foram divulgados nesta terça (15).
Para os especialistas, a melhora de desempenho do último ano é resultado da consolidação das ações desenvolvidas no país e em algumas redes ao longo dos últimos cinco anos. “As redes de ensino que apresentam o mesmo resultado são aquelas que, em geral, já estavam na frente nas últimas edições. Há consistência no trabalho”, diz Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco.
Eles destacam, por exemplo, o estabelecimento de metas e o uso de avaliações para acompanhar o aprendizado dos alunos. “O próprio Ideb deve ser considerado como fator para essa melhoria. Temos um bom sistema de aferição, que permite encontrar as falhas e formular políticas públicas efetivas”, diz Inês Miskalo, gerente-executiva de articulação do Instituto Ayrton Senna.
Eles também apontam a elaboração da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento que pela primeira vez apontou os objetivos de aprendizado para cada série, e a discussão sobre a reforma do ensino médio como ações importantes do período.
“Há um pragmatismo maior nas ações desenvolvidas na educação. Mesmo que haja divergências, as redes de ensino passaram a focar em ações que apontam para uma mesma direção”, diz Cruz.
No entanto os desafios inéditos impostos pela pandemia são vistos como entrave para que esse trabalho continue tendo efeito positivo no aprendizado dos estudantes. “Encontramos uma combinação bem-sucedida que garantiu a permanência do aluno na escola, o aumento da aprovação e do desempenho. A suspensão das aulas atrapalha os três aspectos”, afirma Henriques.
Um dos reflexos da pandemia que mais preocupam os gestores é o aumento do abandono escolar. Outra consequência é a queda no rendimento dos estudantes pelo longo período sem aulas.
Na rede estadual de São Paulo, cálculos da secretaria indicam que a suspensão das aulas já pode trazer como impacto redução de até 30% no desempenho dos estudantes do ensino médio no próximo ano.
“Se o crescimento esperado para um ano letivo é de 12 a 13 pontos nas avaliações do Saeb, a gente estima que possa cair para 8 a 9 pontos. Esse desafio está posto com a pandemia, precisamos dar uma atenção especial a essa geração”, disse Rossieli Soares, secretário estadual de educação de São Paulo.
Apesar dos esperados reflexos da pandemia na qualidade da educação nos próximos anos, o MEC (Ministério da Educação) tem sido ausente no apoio às redes de ensino. A pasta não tem uma linha de financiamento específica, nem realiza monitoramento da continuidade das atividades educacionais no período.
Segundo o presidente do Inep, Alexandre Lopes, não há planos de uma avaliação específica do sistema educacional durante ou após a pandemia. “Há discussão interna e é possível que se façam alguns estudos, não uma avaliação”, disse.
O cronograma do Saeb também não será alterado. Os estudantes realizam as provas no próximo ano, quando a aplicação passará a ser anual, e não mais a cada dois anos. Também tem início um processo para a avaliação chegar a todas as séries.
Em breve fala no evento de apresentação de dados do Ideb, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, não comentou a pandemia e seus reflexos na educação. Disse que a pasta vai dar atenção especial à questão de salário docente e se colocou aberto ao diálogo.
Fonte: Folha de S. Paulo